Receita começa a divulgar ‘caixa-preta’ de benefícios fiscais com nomes de empresas e valores

A lista dos maiores beneficiados ainda pode sofrer alterações, pois nem todas as empresas tiveram seus dados divulgados

A Receita Federal divulgou três listas com o nome de empresas beneficiadas por incentivos, renúncias, benefícios ou imunidade tributária. A iniciativa atende à determinação do Ministério da Fazenda de abrir a chamada “caixa-preta” dos gastos tributários federais.

Uma delas é a relação de benefícios declarados na Escrituração Contábil Fiscal do contribuinte, que traz dados sobre mais de 15 mil grandes empresas, com valores que somam R$ 50 bilhões, referentes ao ano de 2021 para IRPJ/CSLL (tributos sobre o lucro das empresas).

Foram publicadas também as relações de empresas imunes ou isentas de IRPJ/CSLL -com cerca de 260 mil CNPJs de entidades sem fins lucrativos, religiosas e de previdência privada fechada- e de cerca de 23 mil companhias inscritas em 14 Regimes Especiais de Tributação. Nesses casos, não foram apresentados os valores das renúncias individualmente.

A lista dos maiores beneficiados ainda pode sofrer alterações, pois nem todas as empresas tiveram seus dados divulgados. Na lista, estão grandes empresas como Vale, Petrobras, subsidiárias da Eletrobras e companhias que atuam na Zona Franca de Manaus e no Nordeste.

Portaria divulgada pela Receita na semana passada prevê ainda a divulgação de informações relativas a benefícios de importação (PIS/Cofins e IPI), que devem ser apresentados até o final de maio. Os dados não incluem alguns dos maiores gastos tributários federais, como o Simples e as desonerações das cesta básicas e da folha de pagamento.

Segundo a Receita, as listas serão periodicamente revisadas e reavaliadas, de modo a promover a ampliação gradual do rol de transparência, “sempre com a devida segurança jurídica”.

Na relação que traz o valor individual das renúncias, foram listados 22 tipos de benefícios. A maior parte dos recursos divulgados se refere aos incentivos para projetos nas áreas das superintendências do desenvolvimento do Nordeste e da Amazônia (Sudam/Sudene) e para os fundos de investimentos das duas regiões (Finam e Finor).

Há também programas como Prouni (Universidade para Todos), Rota 2030 (automotivo) Padis (semicondutores), Empresa Cidadã (prorrogação da licença maternidade) e PAT (alimentação do trabalhador), além de deduções relacionadas aos fundos da criança e adolescente e do idoso, a programas de incentivo a cultura e desporto e com horário eleitoral.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) já havia defendido a abertura da “caixa-preta” de benefícios fiscais, se referindo aos valores como “quase R$ 600 bilhões que a União perde em nome de meia dúzia que fazem lobby no Congresso e no Judiciário, ilegítimos.” Nem todos os benefícios listados são considerados ilegítimos pelo governo.

A Receita Federal afirma que a divulgação atende a demandas da sociedade e de órgãos de controle externo, propiciando maior transparência ao Sistema Tributário Nacional.

“No caso específico dos benefícios fiscais, a transparência permite à sociedade identificar os contribuintes que recebem tratamento tributário diferenciado, propiciando um ambiente de maior confiança entre contribuinte e administração tributária.”

Para Diogo de Andrade Figueiredo, sócio do Schneider Pugliese Advogados, a portaria da Receita que prevê a divulgação dos dados viola direito à privacidade e ao sigilo fiscal. Para ele, há clara intenção do governo de expor essas empresas.

“Chamamos atenção à desproporcionalidade e ao caráter político da medida. Considerando que os benefícios são obtidos de forma legal, seguindo as regras para seu aproveitamento, divulgar os nomes das pessoas implica violação ao sigilo fiscal e à privacidade dessas pessoas”, afirma Figueiredo.

Ele afirma ainda que a desoneração da folha e a desoneração da cesta básica estão na mesma categoria dos benefícios fiscais federais divulgados e, portanto, faria sentido que constassem da portaria da Receita.

“Ocorre que não estão entre as desonerações que o governo tem dito que pretende atacar. Logo, não divulgaram. Ou seja, a divulgação foi seletiva, o que comprova mais uma vez que o propósito da portaria é expor e pressionar os contribuintes e não uma verdadeira política pública de transparência”, diz o tributarista.

Tecnicamente denominadas de gastos tributários, as isenções representam uma perda estimada de R$ 456 bilhões para a União neste ano e devem chegar a R$ 486 bilhões no ano que vem.
Os setores de comércio e serviços, saúde e agricultura ficam com mais de 50% do gasto tributário federal, conforme apresentado no mapa de gastos tributários elaborado pela Folha de S.Paulo com base em dados da Receita.

Por Eduardo Cucolo

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