Mercado financeiro recebe com ressalvas nomeações de Haddad

Tiveram aspectos bastante positivos, mas também bastante negativos, na avaliação de especialistas

As primeiras nomeações para a equipe econômica do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nesta terça-feira (13) tiveram aspectos bastante positivos, mas também bastante negativos, na avaliação de especialistas.

Enquanto a indicação de Bernard Appy como secretário especial para a reforma tributária no Ministério da Fazenda recebeu muitos elogios, pelo conhecimento dele sobre o tema para conduzir as discussões sobre as alterações nos tributos do país em 2023, a nomeação do ex-presidente do Banco Fator, Gabriel Galípolo, para a secretaria-executiva da Fazenda, provocou uma avaliação mais neutra.

Analistas citaram aspectos positivos a respeito de seu histórico no mercado financeiro para fazer a ponte com agentes financeiros, mas com ressalvas sobre um pensamento mais desenvolvimentista atribuído a ele.

APPY É TIDO COMO A MELHOR ESCOLHA ENTRE AS NOMEAÇÕES FEITAS PELO GOVERNO

Segundo o ex-ministro da Fazenda e sócio da consultoria Tendências Maílson da Nóbrega, a escolha de Bernard Appy para capitanear a discussão sobre a reforma tributária foi “nota 10”.

“É o melhor nome para exercer essa função. Não há brasileiro que conheça melhor o assunto”, afirma Maílson, acrescentando que Appy tem se dedicado nos últimos anos no desenvolvimento de projetos que miram a modernização da tributação do consumo no Brasil.

O ex-ministro no governo Sarney diz que o secretário tem um amplo conhecimento acerca da experiência internacional de uma série de países a respeito da adoção de impostos nos moldes do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e possui um profundo conhecimento das distorções do sistema tributário brasileiro, que “são causa relevante das ineficiências e da queda de produtividade e do potencial de crescimento do país”.

Na mesma linha, o economista-chefe da consultoria MB Associados, Sérgio Vale, afirma que a indicação de Bernard Appy para conduzir a discussão acerca da reforma tributária foi, de longe, a mais acertada entre os anúncios feitos nesta terça-feira pelo governo eleito para compor a equipe econômica.

“O Appy está por trás da formulação da PEC 45 em tramitação no Congresso que trata da questão tributária e foi uma excelente indicação para garantir o avanço da reforma. Foi a melhor escolha do Haddad até aqui”, afirma Vale.

A indicação do Bernard Appy também foi elogiada por advogados da área tributária.

“A confirmação de seu nome é a certeza de que a reforma será técnica, bem feita, e que haverá diálogo amplo e de alto nível”, afirma Luiz Gustavo Bichara, sócio fundador do Bichara Advogados.

Marcelo Vicentini, sócio do Madrona Advogados e responsável pela área tributária do escritório, lembra que Appy é um dos autores da PEC 45/2019, que unifica cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), e que esse texto deve ser a base da proposta do novo governo para simplificar a tributação do consumo.

“A indicação do Bernard Appy é excelente. Ele conhece a fundo não só a tributação brasileira, mas também internacional. É uma indicação de alguém técnico e que tem trânsito político”, afirma o advogado.

Para ele, a proposta faz com que o país caminhe para um sistema tributário mais moderno, mais eficiente, mais compatível com os sistemas globais, o que facilita o acesso do Brasil à OCDE.

ANALISTAS DA GUIDE FAZEM RESSALVAS EM RELAÇÃO AO NOME DE GALÍPOLO, APESAR DO HISTÓRICO NO MERCADO FINANCEIRO

Vale, da MB Associados, afirma ainda que Gabriel Galípolo na secretaria-executiva do ministério da Fazenda acabou sendo um nome mais neutro, que se não é tão positivo como é Appy para o avanço da reforma tributária, tampouco tem o aspecto negativo na percepção do mercado como Mercadante para o BNDES.

“O Galípolo não tem experiência no setor público, mas isso pode ser adquirido rapidamente, até por ele ter experiência no setor privado como presidente do Banco Fator, tendo participado de negócios importantes como projetos de parcerias público privada”, diz Maílson da Nobrega, acrescentando que o histórico do executivo no mercado financeiro pode servir como uma ponte de interlocução entre o governo e os agentes financeiros.

No entanto, embora seja egresso do mercado financeiro, a nomeação da Galípolo não foi unanimidade entre os agentes financeiros, que preveem uma política ‘morde e assopra’ de Haddad na Fazenda.

“Embora a intenção de Haddad com isso seja tornar Galípolo um intermediário com o mercado financeiro, o viés ideológico dele é muito mais ligado ao núcleo duro do PT do que a economistas do mercado. Tanto em seus trabalhos acadêmicos como em declarações públicas, Galípolo mostrou-se contra algumas medidas caras para o mercado, como a independência do Banco Central e a manutenção do teto de gastos”, apontaram os analistas da Guide Investimentos em relatório.

Vale, da MB Associados, diz também que cargos importantes para a formação da equipe econômica, como do secretário de política econômica e do Tesouro, seguem indefinidos.

“Depois dos anúncios de hoje, precisamos cada vez mais de nomes que suscitem uma maior responsabilidade fiscal, nomes com perfil mais liberal para lidar com o desafio fiscal que teremos no ano que vem”, afirma.

Professor da FGV Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas), Augusto Sales avalia que as nomeações para a equipe econômica pelo governo eleito decepcionaram a ala do mercado que apoiou a eleição do presidente Lula na corrida presidencial, como Armínio Fraga e Persio Arida.

“Acho que decepcionou, porque se esperava, de alguma forma, certa continuidade da agenda que vinha sendo adotada pela última administração”, afirma Sales.

O professor da FGV Ebape assinala que, embora venha se discutindo um aumento dos gastos voltados à proteção social, o Brasil já é o emergente que mais investe nessa frente, com um percentual em torno de 12,7% do PIB (Produto Interno Bruto) voltado para benefícios focados no atendimento à população mais carente.

Pelos cálculos do especialista, o segundo emergente que mais gasta na área é a Rússia, com cerca de 6,6%. “E a gente está vislumbrando expandir isso ainda mais”, diz Sales.

MERCADANTE PARECE ESTAR NOS TEMPOS DA DILMA, DIZ EX-MINISTRO

A indicação de Mercadante para o BNDES, por outro lado, vai na direção oposta, avalia o economista-chefe da MB Associados.

“A indicação do Mercadante representa a incerteza do que vai ser a gestão do BNDES e dos bancos públicos no novo governo”, diz Vale.

A nomeação de Mercadante para o BNDES, afirma o economista, aumenta o temor no mercado financeiro sobre a orientação que será dada ao banco de fomento e aos bancos públicos Caixa e Banco do Brasil, aumentando as chances de eles serem usados para tentar estimular o crescimento por meio de uma atuação mais incisiva do Estado na economia.

Refletindo o receio dos agentes financeiros sobre a condução dos bancos públicos a partir de 2023, as ações do BB fecharam o pregão nesta terça em forte queda de cerca de 5%, contra uma baixa de 1,7% do índice Ibovespa.

O economista-chefe da MB Associados acrescenta que, na ata do Copom (Comitê de Política Monetária) do BC divulgada na manhã desta terça, a autoridade monetária deixou bastante claro o risco que uma política fiscal de caráter expansionista pode trazer para a inflação e para a condução da política monetária à frente.

O ex-ministro Maílson da Nóbrega também faz uma leitura mais crítica sobre Mercadante à frente do BNDES.

“Declarações recentes do Mercadante sobre o BNDES dão a impressão de que ele ainda está no tempo do governo da Dilma [Rousseff]”, afirma o sócio da Tendências, em referência a sinalizações do petista para promover alguma flexibilização nas taxas praticadas para os financiamentos de longo prazo do banco de fomento.

O Brasil tem um sistema cada vez mais robusto de financiamento de longo prazo que é o mercado de capitais, e o foco do BNDES precisa seguir voltado para financiar projetos com maior dificuldade de se capitalizar junto aos bolsos privados, como as pequenas e médias empresas, defende Maílson.

“Espero que o Mercadante faça uma reflexão com base nas críticas que têm sido feitas e se dedique a reforçar o papel do BNDES no sentido de suprir as falhas do mercado e não para atuar como um direcionador de investimentos, na escolha de campões nacionais”, afirma o ex-ministro.

Por Lucas Bombana e Eduardo Cucolo 

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