Governo desiste de propor repasse de verba de privatização a vulneráveis fora do teto e diz que ideia é complexa
A previsão de criação do fundo permanece no texto, mas para outras destinações
O governo desistiu de inserir na PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios a destinação de recursos gerados com privatizações a famílias pobres. A previsão era trazer esse mecanismo no texto que parcela precatórios e cria um fundo com ativos da União para pagar despesas fora do teto, mas a equipe econômica recuou da ideia com a justificativa de que a discussão é complexa.
A previsão de criação do fundo permanece no texto, mas para outras destinações. Os recursos poderão ser usados apenas para abatimento da dívida pública e para a antecipação de pagamento de precatórios a serem parcelados a partir de 2022.
De acordo com a equipe econômica, essas destinações terão caráter de dívida pública –que fica fora do teto de gastos (norma que proíbe o governo de ampliar despesas acima da inflação).
O fundo será formado por recursos oriundos de medidas como vendas de imóveis e ações de empresas da União.
Também vão compor o fundo receitas de dividendos recebidos de estatais (deduzidas as despesas com empresas dependentes), outorga de delegações de serviços públicos e concessão, antecipação de valores do excedente de óleo em contratos de partilha de petróleo, além de arrecadação com redução de benefícios tributários no primeiro ano.
Versão preliminar da PEC, que estava sobre a mesa do Ministério da Economia na última semana, trazia o mecanismo para os mais vulneráveis e ainda previa o percentual de recursos que seria destinado a eles.
O texto estabelecia que, do total de recursos que entrassem no fundo, 60% seriam destinados ao abatimento da dívida pública. O restante da divisão seria de 20% para pagamento de precatórios e 20% para a área social.
Agora, além de retirar a previsão para repasses sociais, a PEC não traz mais percentuais especificados.
Hoje, os recursos de privatizações não podem ser usados para pagar uma despesa corrente, como parcelas do novo Bolsa Família. A previsão está na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
O artigo 44 da lei, que trata da preservação do patrimônio público, veda a aplicação de receitas da alienação de bens para financiar gastos correntes, exceto se o direcionamento for para custear benefícios previdenciários.
O secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, afirmou que a ausência da previsão para os mais vulneráveis tem como objetivo dar prioridade ao parcelamento dos precatórios e não misturar as discussões agora.
“A discussão de precatórios já tem sua complexidade por si só. A gente acredita que adicionar esse tema [dos dividendos sociais] agora iria aumentar essa complexidade”, disse.
“O problema que a gente está tratando é precatório e em outro momento pode ser discutido os dividendos sociais. Mas agora, neste momento, o problema já é complexo, é [importante] focar no problema de harmonizar o crescimento dessa despesa obrigatória com a regra fiscal, acho que esse é o principal ponto”, afirmou.
Em visita ao Congresso para apresentar as medidas nesta segunda-feira (9), o ministro Paulo Guedes (Economia) havia afirmado que a proposta traria esse mecanismo, com distribuição de recursos a famílias pobres em caso de privatização de estatais ou venda de outros ativos.
“Ele [Bolsonaro] vai começar a transferir o que é do povo para o povo. Os recursos com dividendos sociais, com os desinvestimentos, de forma que aconteça transferência não só de renda mas transferência de riqueza para os mais frágeis”, disse o ministro.
Nos bastidores, membros do Ministério da Economia já afirmavam que seria difícil justificar tecnicamente o pagamento ao programa social fora do teto.
Os técnicos justificavam que esse argumento seria mais fácil no caso dos precatórios porque pagar esse passivo seria comparável a abater a dívida pública, algo que não tem equivalência no repasse aos mais pobres.
Apesar do recuo, componentes da pasta afirmam que a ideia ainda está de pé e que o plano é dar protagonismo ao Congresso deixando algum parlamentar apresentar o mecanismo.
Em entrevista à imprensa, Funchal negou que a estratégia seja uma forma de empurrar ao Legislativo a responsabilidade pela manobra fiscal.
“É muito mais para focar na discussão principal do que jogar para o Congresso alguma coisa”, disse.
De acordo com o secretário, a pasta fez projeções sobre os possíveis ganhos para o fundo no ano que vem. Estão previstos ganhos de R$ 5,1 bilhões com concessões e R$ 2,4 bilhões com a venda de petróleo.
A diferença entre estatais que pagam dividendos e aquelas que dão prejuízo deve ficar zerada no ano.
Em relação às privatizações e vendas de ativos, Funchal explicou que a estimativa é para ganhos ao longo do tempo, e não apenas em 2022. Segundo ele, o potencial de receita é de R$ 369 bilhões, sendo que R$ 122 bilhões são considerados prováveis.
A PEC como um todo, considerando o parcelamento de precatórios, deve gerar uma economia menor do que a divulgada na última semana pela pasta. O impacto, antes previsto em R$ 41,5 bilhões, agora é estimado em R$ 33,5 bilhões. Técnicos afirmam que a redução foi causada apenas por um refino nos cálculos.
O governo aguarda a aprovação da PEC para considerar os efeitos do parcelamento dos precatórios –e, consequentemente, da redução das despesas– no Orçamento de 2022. Por alterar a Constituição, a proposta precisa do apoio de 60% da Câmara e do Senado, além de duas votações em cada Casa.
Apesar do rito longo de uma PEC, a equipe econômica e ministros do Palácio do Planalto querem acelerar a análise do texto do Congresso para garantir mais espaço no Orçamento de 2022 para medidas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como a criação de um novo programa social, o Auxílio Brasil, para substituir o Bolsa Família.
Os técnicos rechaçaram a proposta que retira os precatórios do teto de gastos da União, movimento capitaneado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
“Não acho isso uma alternativa boa, começar a excluir despesa do teto. No fundo, acaba sendo uma despesa e você não está trazendo previsibilidade para essa despesa. Você tem menos incentivo para tratar e entender por que ela está crescendo tanto”, afirmou Funchal.
Ele afirma que a medida poderia abrir espaço de R$ 50 bilhões no ano que vem. Os recursos estariam disponíveis em ano eleitoral. “Pode soar muito oportunismo”, afirmou Funchal.
Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro, afirmou que uma flexibilização nessa magnitude seria retornar a práticas do passado. “É uma âncora importante, seria um precedente ruim tirar uma despesa dessa magnitude [dos precatórios] do teto. Seria como voltar para ideias apresentadas no passado, que não eram boas, ‘Previdência é um problema, solução é tirar do teto’. Não, não é a solução”, afirmou.
Em relação às críticas de que o governo manobra para contornar o teto de gastos ao parcelar passivos e retirar despesas da regra fiscais, o ministério afirmou que não há desrespeito à norma, mas sim uma “compatibilização” com o teto.
“A medida que estamos trazendo busca compatibilizar esse crescimento nos precatórios com a regra fiscal mais importante que temos, que é a regra do teto de gastos. É uma medida para que seja viável a manutenção de um fluxo de pagamento de precatórios sem comprometer as atividades do Estado e sem comprometer o cumprimento da nossa principal regra”, disse Bittencourt.
Os técnicos também defenderam outro ponto da PEC, que estabelece a correção da Selic para os precatórios a serem parcelados. Hoje, essas dívidas podem ser corrigidas também pela inflação acrescida de juros.
“Hoje em dia, mesmo em um ciclo de aperto da política monetária, a gente não tem títulos públicos que pagam IPCA mais 6%”, afirmou Bittencourt. “É algo que não fere o balanço de ativos e passivos nem do governo e nem dos agentes”, disse.
Texto: Bernardo Caram, Fábio Pupo e Thiago Resende