Governo avalia Auxílio Brasil temporário para contornar Lei de Responsabilidade Fiscal

Possibilidade foi posta em debate diante da dificuldade de aprovar fonte de compensação para novo programa social

Diante da dificuldade de aprovar uma fonte de compensação para o novo Bolsa Família, o governo passou a estudar a possibilidade de transformar o Auxílio Brasil em um programa temporário, com menos de dois anos de duração.

A medida dispensaria a aprovação da reforma do Imposto de Renda, posta hoje pelo governo como fonte formal para respaldar o novo programa. Isso porque no caso do programa temporário ficaria dispensada a exigência prevista na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) de compensar despesas permanentes.

A demora na tramitação do projeto do IR no Senado tem levado o governo a considerar alternativas para viabilizar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.

O plano para respaldar o programa social continua sendo usar a taxação de dividendos, contida no projeto em análise pelos senadores, que serviria de compensação para o novo gasto. Mas a demora na aprovação do texto tem elevado preocupações e forçado novas discussões.

Em seu artigo 17, a LRF exige corte de gastos ou aumento de receitas para a criação de novas despesas permanentes, consideradas aquelas que se estendem por mais de dois exercícios. Isso levou o governo a usar o projeto do Imposto de Renda como solução para o Auxílio Brasil.

Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas, afirmou que a ideia de fazer o programa temporário é interessante.

“Sabemos que uma agenda social emergencial é absolutamente importante no atual contexto. Uma forma de viabilizá-la fiscalmente sem a obrigatoriedade de compensação é criar um programa temporário”, disse.

Ele afirmou que, caso essa saída seja adotada, será necessário revisar o novo programa no final de 2023 para, então, desenhar algo definitivo. A LRF impede a renovação após dois anos sem que haja compensação.

“Criar um programa temporário segue o caminho da responsabilidade, pois o governo estaria preservando as futuras gerações e a sustentabilidade das contas públicas no médio prazo”, disse. “Teríamos dois anos para discutir a compensação permanente”, afirmou Ribeiro.

A solução dispensaria a taxação de dividendos do IR, mas não a necessidade de abrir espaço no teto de gastos (a ser obtido, nos planos do governo, com a flexibilização dos pagamentos dos precatórios).

Outra alternativa mencionada no governo é o corte de subsídios de empresas e setores, como forma de reduzir despesas e gerar respaldo para o Auxílio Brasil. Mas, neste caso, a saída pode ser ainda mais difícil, graças aos lobbies empresariais que tradicionalmente barram esse tipo de iniciativa em Brasília.

Para o economista Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado), o corte de subsídios é ainda mais difícil de ser aprovado do que a reforma do IR. Além disso, ele vê com ressalvas a ideia de criar um programa temporário.

“É uma opção válida, mas, se é para fazer isso, é melhor majorar o programa que já existe. O que acontece é que o governo quer o argumento político de que criou o Auxílio Brasil, e não quer simplesmente aumentar o Bolsa Família”, disse.

De acordo com Salto, a exigência de indicação de fonte de compensação orçamentária apenas se aplica no caso de criação de um novo programa. Portanto, o governo poderia simplesmente revogar a medida que cria o Auxílio Brasil e reforçar o Bolsa Família sem precisar cumprir essa obrigação acessória.

“O governo criou para ele próprio uma sinuca de bico. Há o precedente de você reajustar o Bolsa Família sem precisar observar o artigo da LRF porque o programa já existe, mas o que eles estão fazendo é criar um novo programa para ter uma marca. Aí não tem escapatória, tem de indicar a fonte orçamentária permanente”, disse.

Outras possibilidades podem ser analisadas, ressaltam membros do governo.

Por enquanto, o combo projeto do Imposto de Renda mais PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios continua como a solução oficial, mas o fim do ano se aproxima e as duas propostas continuam pendentes.

Membros da equipe econômica temem que o Senado não aprove a reforma do IR, o que deixaria o novo Bolsa Família sem fonte de compensação.

A avaliação é que, apesar da aprovação facilitada na Câmara, os senadores tendem a atender à pressão dos governadores, que reclamam da perda de arrecadação gerada pelo projeto.

Para auxiliares de Guedes, mesmo que o projeto avance no Senado, pode não haver tempo suficiente para implementação do novo programa social.

Para valer em 2022, o Auxílio Brasil precisa estar totalmente implementado neste ano para não ferir a lei eleitoral, que proíbe aumento de gastos sociais em ano de eleições.

Paralelamente, a equipe econômica sofre pressão para a prorrogação do auxílio emergencial, criado durante a pandemia e que fica fora do teto de gastos por ter caráter extraordinário.

O time de Guedes tem restrições para mais uma extensão, porque a Constituição só permite esse tipo de despesa em caso de imprevisibilidade e urgência -o que levanta questionamentos jurídicos sobre a existência desses requisitos tanto tempo após a chegada da Covid-19 e com números da pandemia em queda.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou no começo do mês que considera temerário que a criação do novo programa social conte apenas com o projeto da reforma do IR como compensação, lembrando que a proposta ainda nem sequer foi votada na Casa.

“Pode até ser apreciado [o projeto do IR] pelo Senado Federal, mas não é razoável, e é até temerário nós apostarmos as fichas somente nesse projeto”, disse o presidente do Senado.

“Não podemos colocar no colo do Congresso Nacional essa responsabilidade de aprovar um projeto estruturante como condição para algum projeto social, que é o que tem mais apelo popular, mais apelo eleitoral inclusive”, disse Pacheco.

A busca da equipe econômica por alternativas é uma forma de evitar uma nova prorrogação dos pagamentos do auxílio emergencial, ideia que já é defendida pela ala política do governo.

O programa emergencial libera recursos por fora da contabilização do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas do governo à variação da inflação.

Por Fábio Pupo e Bernardo Caram

 

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