Fundos que compram dívidas em atraso esperam ano cheio de oportunidades
Esses operadores se dedicam a comprar ativos
A combinação do aumento dos juros pelo BC (Banco Central) para combater a inflação e um crescimento fraco da atividade econômica neste ano deve fazer com que uma série de pessoas e negócios enfrente mais dificuldades para honrar suas dívidas nos próximos meses.
O que é péssima notícia para muitos, porém, deve ser oportunidade de negócios para outros.
Na temporada de balanços, os grandes bancos foram unânimes em sinalizar a expectativa por um aumento da inadimplência, tendência que já começa a aparecer nos dados mais recentes do BC.
Além disso, levantamento do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) aponta que uma em cada três famílias brasileiras possui dívidas em atraso.
Neste cenário, gestores de fundos de investimento que atuam no mercado de dívidas em atraso esperam por um ano repleto de oportunidades.
Esses operadores se dedicam a comprar ativos considerados problemáticos no mercado, especialmente carteiras de crédito de pessoas jurídicas e físicas inadimplidas, que estão nas mãos de grandes bancos.
Os bancos muitas vezes preferem se desfazer dos títulos em troca de um valor menor do que receberiam se as dívidas fossem pagas a seguir na tentativa de recuperar os valores devidos.
Sob a posse dos créditos vencidos, adquiridos com uma boa margem de desconto, os gestores partem então para tentar recuperar ao menos uma parcela dos débitos.
Para isso, se valem de uma equipe de cobrança e de um corpo jurídico reforçados, para ir atrás dos devedores e costurar possíveis acordos, o que garante o investimento feito na compra dos papeis.
Guilherme Ferreira, sócio responsável pelas áreas de originação e estruturação de investimentos da gestora Jive Investments, prevê para este ano desembolsar uma cifra ao redor de até R$ 4,5 bilhões na aquisição de créditos em atraso, o dobro do valor despendido em 2021.
“Ainda vamos ter muito mais volatilidade pela frente, o que tende a ser favorável para o surgimento de oportunidades em ativos estressados”, diz o especialista.
Ele faz referências às incertezas tanto na cena global, com a guerra na Ucrânia e o aumento de juros nos Estados Unidos, como internamente, com um PIB (Produto Interno Bruto) baixo, a taxa Selic de volta aos dois dígitos e as incertezas eleitorais.
O setor imobiliário e o de consumo e varejo, dos mais sensíveis ao aumento dos juros, são apontados pelo sócio da gestora entre os que podem gerar um número maior de oportunidades para os fundos. “Aumentou a probabilidade de as empresas desses setores terem dificuldades financeiras.”
Com cerca de R$ 8,2 bilhões em ativos sob gestão, a Jive iniciou as atividades em meados de 2010, quando arrematou o que restou das operações do Lehman Brothers na América Latina, banco que veio à falência em 2008 e se tornou um dos símbolos da crise imobiliária americana.
Entre os investimentos já realizados pela Jive no mercado local, Ferreira aponta a construtora Viver e a empresa de tratamento de resíduos Orizon, ambas com ações listadas na Bolsa de Valores, a B3.
Ferreira explica que, além de dívidas vencidas, é comum no chamado “ramo de ativos estressados” o investimento em empresas que atravessam uma fase complicada, mas mostram capacidade de se reestruturar mediante a aplicação de capital estratégico.
“Viver e Orizon eram negócios que passavam por um momento difícil do ponto de vista financeiro e operacional quando receberam nossos investimentos, mas que conseguiram se restabelecer com essa ajuda”, diz Ferreira.
Pelo grau de complexidade e nível de risco assumido, os três primeiros fundos da Jive foram destinados somente ao investidor classificado pela legislação de mercado como profissional -aquele com ao menos R$ 10 milhões em aplicações financeiras. A expectativa de retorno dos fundos é de cerca de 20% ao ano.
No final do ano passado, após um aporte de recursos liderado pela XP, a Jive captou cerca de R$ 400 milhões com o lançamento do fundo multimercado Bossanova High Yield, de caráter um pouco mais acessível -voltado aos investidores qualificados, com ao menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras.
O fundo é aberto de tempos em tempos para receber novos aportes, mas está neste momento fechado sem previsão de abertura.
Como o risco dos títulos selecionados para a carteira do fundo é menor, o retorno esperado também diminui, para aproximadamente 5% anuais, além do CDI. A taxa de administração é de 2% ao ano, com 20% de performance sobre o que exceder o benchmark.
Está nos planos da gestora lançar ainda neste semestre um novo fundo, desta vez de previdência. Por seguir as regras para a categoria previdenciária de perfil mais conservador, o produto poderá ser distribuído a qualquer investidor interessado na estratégia.
Com uma atuação similar, a gestora Starboard Restructuring Partners está em vias de encerrar o processo de captação do seu terceiro fundo de private equity, que deve levantar cerca de R$ 1,5 bilhão até meados de junho.
Óleo e gás, energia, varejo e até o agronegócio, são apontados pelo diretor da Starboard, Marcus Bitencourt, entre os setores no radar da gestora, fundada em 2017 por executivos egressos do banco Brasil Plural.
A Starboard soma cerca de R$ 5 bilhões em ativos sob gestão, com o foco voltado para identificar negócios em situação financeira delicada, necessitando de um fôlego financeiro para se reestabelecer.
Para isso, a gestora assume nas empresas escolhidas participações relevantes, que lhe deem a capacidade de sugerir as estratégias de recuperação.
“Buscamos empresas que precisam de uma reestruturação de capital. Entramos no ‘management’ [gestão] da companhia para fazer um choque de gestão e levar governança”, afirma o diretor, que diz ter identificado, na volatilidade recente do câmbio, exportadoras de commodities que tiveram problemas para fazer as proteções adequadas de modo a se proteger dos solavancos de mercado.
A meta de retorno dos fundos, voltados somente aos investidores profissionais, começa a partir de 5% ao ano, além da variação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), mas Bitencourt diz que já houve investimento em que o retorno foi até nove vezes o valor aplicado.
Por causa do nível de risco assumido, contudo, há exemplos de negócios que não atenderam exatamente às expectativas. Um deles foi a aposta feita no Grupo Máquina de Vendas, controlador da varejista Ricardo Eletro, do qual a Starboard se tornou uma das principais credoras no começo de 2019.
Bitencourt recorda que a empresa até chegou a apresentar alguma melhora dos resultados após o investimento, mas, com a pandemia, o desenvolvimento não se deu como o planejado.
O impacto das medidas de isolamento social levou a uma saída precoce da Starboard em agosto de 2020, pouco antes do pedido de Recuperação Judicial (RJ) da Ricardo Eletro.
“Acreditávamos que o negócio ia dar certo, senão não teríamos investido, mas o futuro é imprevisível”, diz Bitencourt, acrescentando que a gestora estrutura todas as operações com garantias, créditos tributários no caso da varejista, de modo a se resguardar de qualquer intercorrência.
Já um caso considerado de sucesso estruturado pela gestora foi o da 3R Petroleum. A empresa é uma resultante de alguns investimentos da Starboard no setor, entre eles na Ouro Preto Óleo e Gás, petroleira fundada por Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. Landim chegou a ser apontado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para presidir o conselho da Petrobras, mas abriu mão da posição para se dedicar ao clube.
Se valendo dos planos de desinvestimento da estatal para adquirir uma série de campos maduros de exploração de petróleo, a 3R fez a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa brasileira em novembro de 2020 e soma atualmente um valor de mercado de aproximadamente R$ 8,5 bilhões.
Na esteira da disparada na cotação do petróleo por causa da guerra na Ucrânia, as ações da companhia acumulam valorização de cerca de 26% no ano.
A Starboard segue com uma participação relevante na empresa, próxima de 10%, por meio do Fundo de Investimento em Participações (FIP) Esmeralda.
“Com a alta dos juros pelo BC, o dinheiro que as empresas mais alavancadas [endividadas] precisam tomar para financiar as operações e rolar as dívidas fica mais caro e elas podem começar a precisar de um fôlego financeiro. São oportunidades que surgem”, afirma o diretor da Starboard.
No dia 30 de março, o BTG Pactual informou em comunicado ao mercado que se comprometeu a adquirir o controle acionário do Banco Econômico, que teve a liquidação extrajudicial decretada pelo BC em 1996.
“A operação faz parte da estratégia de investimentos da área de Special Situations [situações especiais] do BTG Pactual, focada na aquisição e recuperação de carteiras de créditos inadimplidos e compra de ativos financeiros alternativos, a qual acumula expertise em ‘turnaround’ [reestruturação] de instituições financeiras em regime especial”, diz o documento do BTG Pactual. O valor da operação não foi divulgado.
Em setembro do ano passado, o banco adquiriu em leilão por R$ 937,7 milhões uma carteira de crédito do Econômico que estava detida pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e pelo FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Segundo comunicado do BNDES divulgado na ocasião, os créditos devidos pelo Econômico somavam cerca de R$ 14,88 bilhões.
Fundado em 1834 em Salvador, na Bahia, o Banco Econômico passou a enfrentar dificuldades após a implementação do Plano Real, em 1994, segundo disse à época o empresário Ângelo Calmon de Sá, ex-controlador da instituição financeira.
Em 1996, o Econômico foi adquirido pelo Banco Excel, se tornando o Excel Econômico, instituição que dois anos depois foi comprada pelo Bilbao Vizcaya. Em 2003, o banco espanhol vendeu suas operações no país ao Bradesco.
Em 2014, Calmon de Sá teve a prisão decretada pelos crimes de evasão de divisas e fraude contra o sistema financeiro, que teriam gerado prejuízos aos acionistas e correntistas do Econômico de acordo com as denúncias.
Por Lucas Bombana