Entenda como a alta dos juros nos EUA afeta os brasileiros
Quando os juros estão baixos, o crédito fica mais acessível
Em uma época em que empresas têm cada vez mais negócios, clientes e investidores espalhados pelo mundo, o sobe e desce das ações na Bolsa pode ser mais influenciado pelo que acontece lá fora do que por questões internas.
Essa lógica será reafirmada na tarde desta quarta-feira (26), quando companhias brasileiras podem ganhar ou perder valor de mercado conforme o teor do pronunciamento do Fed (Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos) sobre a política de controle da inflação na maior economia do planeta.
O comunicado do presidente da entidade, Jerome Powell, apresentará os pontos discutidos em uma reunião de dois dias pelos membros do Fomc, sigla em inglês para Comitê Federal de Mercado Aberto. Essa é a primeira das oito reuniões anuais do grupo, cuja principal função é definir a meta de juros dos fundos federais. Tarefa que é semelhante à do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central do Brasil.
A taxa das operações de mercado do Fed influencia os juros cobrados nos empréstimos diários que os bancos privados realizam entre si, um instrumento importante para o acerto diário de caixa. Isso tem reflexo no custo do mercado de crédito em geral.
Quando os juros estão baixos, o crédito fica mais acessível. O baixo custo do empréstimo estimula pessoas a comprar bens e a consumir. Empresas colocam projetos em curso e geram mais empregos. Economistas chamam isso de política monetária expansionista.
Por isso o Fomc rebaixou a sua meta de juros para um intervalo entre 0 e 0,25% ao ano quando a pandemia de Covid paralisou atividades econômicas globais em março de 2020. A ideia era colocar mais dinheiro em circulação através do crédito frouxo e, assim, evitar uma explosão de demissões.
O avanço da vacinação contra a Covid possibilitou a reabertura da economia global. Nos Estados Unidos, a oferta de emprego é considerada plena. Mas a combinação de economia aquecida, crédito barato e escassez de produtos e materiais básicos –reflexo das restrições geradas pela pandemia– resultou na maior inflação em quatro décadas no país. Isso impõe ao Fed a necessidade tirar dinheiro de circulação por meio do aperto no crédito.
Representantes do Fed estão alertando para a necessidade de aumento dos juros para conter a inflação desde o segundo semestre do ano passado. Nesta quarta, o pronunciamento de Powell poderá indicar quando essa medida será adotada e com qual intensidade. Até o momento, a aposta é que haverá até quatro aumentos a partir de março, segundo Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos.
Além dos juros, os conselheiros também discutem quanto dinheiro o banco central dos Estados Unidos precisa investir no mercado financeiro para manter a economia aquecida. Entre o início da pandemia e o segundo semestre do ano passado, o volume mensal de compras de ativos (nesse caso, títulos do Tesouro e do mercado imobiliário) era de US$ 120 bilhões (R$ 664 bilhões).
Essa dinheirama jorrou nas bolsas de valores americanas, que quebraram recordes de ganhos diversas vezes ao longo de 2021. Também por causa da inflação, o Fed decidiu reduzir suas compras. O afilamento teve início no fim do ano passado e foi planejado para cessar o fluxo em março. Eles chamam esse processo de tapering.
“Espera-se que o banco central americano forneça orientação sobre a trajetória de aperto da política monetária antes da reunião de março, na qual os investidores esperam a primeira alta de juros pós-pandemia”, disse Paula Zogbi, analista de investimentos da Rico.
efeitos no seu investimento O foco do Fomc é a inflação doméstica americana. Já os efeitos colaterais afetam investimentos de pessoas e empresas em todo o mundo. E isso não mexe apenas com a vida de investidores e empresários. Empregos, salários e o valor da conta do supermercado de trabalhadores, inclusive os brasileiros, estão em jogo.
Em tempos de dinheiro abundante e barato, grandes investidores ficam mais dispostos a comprar ações de empresas de países de economia emergente, como é o caso do Brasil, um tipo de aplicação considerada arriscada devido à instabilidade desses mercados. Os recursos permitem o crescimento de negócios e a geração de trabalho e renda.
O aperto da política monetária nos Estados Unidos reduz as chances de ações de empresas listadas na Bolsa brasileira serem compradas porque, simplesmente, há menos capital disponível. Mas não é só isso.
Ao aumentar os juros, o Fed eleva a recompensa para quem aplica no Tesouro americano, cujo risco de perdas devido a um calote é considerado inexistente. Com uma opção segura pagando mais, os investidores ficam mais seletivos. Muitos desistem das ações de empresas, principalmente as mais arriscadas.
dólar pode subir (ou cair) A alta dos juros americanos também afeta o câmbio. Os investimentos de estrangeiros no Brasil, sejam eles no mercado de renda variável ou na renda fixa, trazem dólares para dentro do país. Se a moeda entra em menor quantidade, ela fica mais escassa e o seu valor frente ao real tende a subir.
“A alta dos juros e a redução nas compras de títulos pelo Fed têm efeito parecido: tiram liquidez do mercado”, resumiu Daniel Miraglia, economista-chefe da Integral Group.
O dólar valorizado é um potencial gerador de inflação no Brasil porque torna mais cara a importação de maquinário e componentes utilizados na indústria local, além de diversos itens de consumo.
Materiais básicos exportados por companhias brasileiras pelo exterior também são precificadas em dólares. O petróleo produzido pela Petrobras é o exemplo mais conhecido. O preço mais alto pago em dólares pelas commodities no exterior também torna esses produtos mais caros para o consumo aqui no Brasil.
O crescimento das exportações pode, eventualmente, favorecer a entrada de dólares no país. Isso depende de onde os exportadores decidem investir os ganhos com as vendas no mercado externo. É nesse ponto que a política ganha importância.
Um cenário político conturbado, com ameaças ao funcionamento de instituições democráticas e de interferência agressiva do governo no mercado financeiro, afugenta investidores.
Há consenso entre analistas de que o temor desse tipo de instabilidade afastou investimentos do Brasil no ano passado, mesmo com um contexto favorável no exterior devido à política expansionista dos EUA e por outras das principais economias globais.
Em 2022, quando Jair Bolsonaro (PL) disputará a reeleição para a Presidência da República, investidores estão especialmente atentos a medidas que podem aumentar os gastos públicos para favorecer o presidente na corrida eleitoral.
Despesas elevadas dificultam a execução do Orçamento, como investimentos em infraestrutura, pagamento das dívidas da União e outras ações planejadas pelo governo no ano anterior. É o chamado risco fiscal.
Mais risco significa menos disposição de investidores para investir no Brasil e nas empresas brasileiras, pois eles avaliam que as condições ficam desfavoráveis para o crescimento do mercado interno.
A escassez de liquidez no exterior dificulta o jogo para o Brasil porque, com menos capital, investidores querem mais segurança e lucros maiores ao decidir onde aplicar.
Por Clayton Castelani