Crise abre oportunidade para bancos brasileiros crescerem no exterior, dizem especialistas
Ações de gigantes locais sofreram muito menos que seus pares nos Estados Unidos e na Europa nesta semana
O sistema bancário brasileiro é reconhecido como referência global de solidez no setor. Esta imagem foi testada nos últimos dias, com as crises enfrentadas por bancos de médio porte nos Estados Unidos, e pelo gigante europeu Credit Suisse. Além de passar no teste, a crise internacional pode abrir boas oportunidades aos gigantes locais, segundo especialistas.
A semana entre os dias 13 e 17 de março foi bastante turbulenta para o sistema financeiro global. Nos Estados Unidos, houve a quebra do Signature Bank e do SVB (Silicon Valley Bank), falências comparáveis só às registradas em 2008, mesmo se tratando de instituições de médio porte no país.
Para evitar mais uma quebra, 11 grandes bancos americanos se uniram para injetar cerca de US$ 30 bilhões em capital no First Republic Bank.
Na Europa, a crise tem contorno ainda mais preocupantes. O Credit Suisse, um dos maiores bancos do continente, precisou de ajuda do banco central da Suíça, que disponibilizou uma linha de US$ 54 bilhões à instituição.
Enquanto isso, no Brasil, os bancos passaram praticamente ilesos a todo o noticiário. O desempenho das ações serve como parâmetro para esta conclusão.
Desde o fechamento do último dia 10 de março, as ações de Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander Brasil tiveram quedas que ficaram abaixo dos 4%, no pior dos casos. Baixas muito potencializadas pelos desempenhos desta sexta-feira (17), dia de pessimismo global nos mercados.
No mesmo período, a ação do Credit Suisse negociada na Bolsa de Zurique caiu mais de 25%. Mesmo depois de recuperar parte das perdas na quinta-feira (16), quando subiu quase 20%.
O papel do First Republic, negociado em Nova York, acumulou queda de quase 70% na semana. Depois de subir quase 10% na quinta-feira, depois do anúncio da ajuda dos bancos, a ação voltou a cair quase 30% nesta sexta-feira.
Mas a desconfiança contaminou também outros grandes bancos americanos e europeus. O Santander é um caso curioso. Enquanto as Units da subsidiária brasileira recuaram 3,71% na semana, a ação da matriz, negociada em Madri, recuou mais de 12%.
O também suíço UBS, o francês BNP Paribas, o alemão Deutsche Bank e o britânico Barclays acumularam perdas de pelo menos 10% em seus valores de mercado.
Nesta sexta, após o fechamento dos mercados, surgiu a notícia de que o UBS está em negociação para comprar parte ou a totalidade do Credit Suisse.
Os conselhos de administração dos dois maiores bancos da Suíça se reunirão separadamente no final de semana para discutir a fusão bancária mais significativa da Europa desde a crise financeira de 2008, de acordo com fontes ouvidas pelo Financial Times.
Entre os gigantes americanos, o estrago foi menor. Ainda assim, as quedas foram mais intensas que as registradas pelos brasileiros.
O pior desempenho ficou com o Citigroup, que caiu mais de 8%. Goldman Sachs, JPMorgan e Morgan Stanley tiveram quedas próximas de 6% na semana.
OPORTUNIDADES QUE SE ABREM
Para especialistas que acompanham de perto o setor bancário no Brasil e no mundo, a crise abre a chance de maior internacionalização dos bancos locais. Inclusive para aqueles que estão fora do círculo dos cinco gigantes.
“No curto prazo, os preços dos bancos no exterior ficarão mais baratos. Nas últimas 24 horas, já ouvi muitas conversas no mercado sobre isso. Acredito que podem acontecer alguns movimentos”, afirma Eduardo Centola, diretor executivo e sócio do Banco Master.
O próprio Master está próximo de colocar seus pés na Europa. Em 2022, o banco fechou a aquisição de 100% do BNI, de Portugal. Para ser concluída, a operação precisa da aprovação do Banco Central do Brasil e das autoridades europeias.
Centola afirma que até mesmo a estrutura societária dos bancos no exterior facilita a entrada de capital brasileiro. “Na maioria dos casos, o capital é bastante pulverizado. Quando se compra uma participação de 10% a 15%, na prática, a atuação é como controlador. Terá a maioria das cadeiras no conselho, por exemplo”.
Alexandre Espirito Santo, economista-chefe da Órama Investimentos, também acredita que pode aumentar a atenção dos bancos brasileiros para mercados no exterior. “Acho muito razoável. Não é necessariamente o que vai acontecer. Mas além de sólidos, os bancos aqui são rentáveis, então se torna algo possível”.
Outra característica do mercado brasileiro que pode começar a ser notada no exterior é a concentração. Espírito Santo lembra que o segmento bancário nos Estados Unidos ainda é bastante pulverizado.
“Na crise de 2008, foram mais de mil bancos quebrados por lá. Mesmo assim, cerca de 30% dos depósitos estão nas mãos de bancos de menor porte”, diz o economista da Órama.
QUAIS AS CAUSAS DA CRISE?
Nos Estados Unidos, a causa da quebra de bancos de médio porte, como o SVB, está basicamente na alta recente da taxa de juros no país, e o impacto deste movimento no balanço dos bancos.
Centola, do Banco Master, explica que o SVB tinha em sua carteira títulos do Tesouro americano de longo prazo. Com os juros subindo, estes títulos perdem seu valor. E os bancos precisam fazer a marcação a mercado destes títulos, ou seja, atualizar esta perda de valor dos papéis em seus resultados.
“Se o banco ficasse com este título até o vencimento, não teria qualquer problema. Mas quando esta perda de valor no balanço foi percebida pelo mercado, muitos clientes correram para tirar seus recursos do SVB. O banco teve que vender seus títulos com valores depreciados. Isso criou uma crise de liquidez”, diz Centola.
Em análise sobre o tema, Bruce Barbosa, fundador da Nord Research, diz que “qualquer estagiário de mesa de operações” perceberia que o SVB teria problemas com sua estratégia de alocação de recursos. “Desde os anos 1980 não se tinha um aperto tão grande nos juros dos Estados Unidos. Os bancos não estão sabendo lidar com isso”, diz Barbosa.
O caso do Credit Suisse é diferente, diz Centola. “Eles têm mais um problema de imagem, depois de tantos escândalos e perdas desde o ano passado. Os clientes e o mercado não sentem mais segurança no banco”.
AJUDA CRITICADA
Para assegurar que os clientes do SVB e do Signature Bank ficassem sem seus recursos, o Fed disponibilizou US$ 25 bilhões para este fim. Este tipo de ajuda levanta questionamentos até mesmo entre agentes de mercado.
Para Espírito Santo, da Órama, este movimento dos bancos centrais carrega o conceito de “risco moral”. “O banco faz várias bobagens, e acaba sendo ‘premiado” com uma salvação. A questão é que os bancos centrais e os governos precisam fazer escolhas. Se os bancos começarem a quebrar, a economia real entra em colapso”.
Ele diz que o maior risco de um banco falir está no efeito cascata que provocará nas empresas, com falta de recursos para pagar funcionários e fornecedores.
Para Centola, neste ponto, o Brasil também tem um mecanismo que deveria ser referência global. “O FGC (Fundo Garantidor de Crédito) é montado pelos próprios bancos, e garante depósitos de até R$ 250 mil. O grande problema é quando um banco central quer garantir todos os depósitos. Aí o sistema acredita que pode correr qualquer tipo de risco, que será salvo”, diz o sócio do Master.
O modelo para auxiliar o First Republic Bank é o mais próximo do ideal, diz Centola. “Acredito também que é preciso ter algum tipo de contrapartida quando um banco é auxiliado”. Neste sentido, o FRC anunciou nesta sexta a suspensão do pagamento de dividendos, o que derrubou as ações do banco.
Por Renato Carvalho