Chuvas abaixo da média tiram R$ 80 bi por ano do PIB brasileiro – Mais Brasília
FolhaPress

Chuvas abaixo da média tiram R$ 80 bi por ano do PIB brasileiro

O cálculo é do economista Bráulio Borges

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Seca, reservatórios de hidrelétricas em baixa, conta de luz mais cara e choque nos preços dos alimentos. Essas imagens, que se tornaram corriqueiras ao longo de 2021, apontam para um dado impactante: o Brasil perde, em média, R$ 80 bilhões do PIB (Produto Interno Bruto) por ano devido à falta de chuvas.

O cálculo é do economista Bráulio Borges, da LCA Consultores e do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas), e já considera efeitos da inflação no período.
Embora o quadro de chuvas tenha se revelado especialmente dramático em 2021, com graves meses de seca e ficando 26% abaixo da média (1980-2019), desde 2012, as chuvas no Brasil têm sido abaixo do esperado, em todos os anos exceto em 2013, segundo dados do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

“A baixa intensidade das chuvas é um dos ingredientes que contribuíram para a década perdida do PIB, mas que costumava ser ignorado”, diz Borges. “Geralmente, os maiores destaques são fatores internacionais e problemas de política econômica doméstica, como a nova matriz econômica.”

O Brasil foi de um extremo ao outro em um intervalo de tempo curto: na década anterior, entre 2002 e 2011, o saldo foi inverso, com as chuvas acima da média histórica em nove dos dez anos.
Segundo Borges, ao se considerar os efeitos diretos e indiretos da escassez de chuva, o impacto acumulado no PIB no período de 2012 a 2021 é de 17%, em termos reais.

Caso a situação fosse outra, a inflação no período seria menor, e o PIB nominal deste ano, maior. A projeção atual é que chegue a R$ 8,7 trilhões, mas sem os choques que ocorreram, poderia estar indo para R$ 9,5 trilhões.
Trata-se de uma diferença de R$ 800 bilhões -ou de R$ 80 bilhões por ano, na média, para o período, explica o economista.

Dos R$ 80 bilhões perdidos por ano, R$ 50 bilhões são pelos efeitos diretos da falta de chuvas, como no caso da produtividade da atividade agropecuária e da energia mais cara, que provoca um choque de custos para a economia como um todo.

Borges explica que esses efeitos sobre a economia são como uma bola de neve: com a falta de chuvas reduzindo a produtividade agrícola e tornando a energia mais cara, o PIB cresce menos, gerando esse choque.

De forma indireta, a energia mais cara também reduz a renda das famílias, sobretudo por ser um gasto mais difícil de contornar, e elas acabam podendo consumir menos outros itens. A falta de chuvas afeta, ainda, o turismo e as hidrovias.
As empresas também perdem fôlego e capacidade de investimento, a energia impacta na inflação e a política monetária acaba ficando mais restritiva, com a alta dos juros.

Projeções do Banco Mundial trazem um cenário preocupante sobre as precipitações em diferentes países, a partir de cenários para emissões de gás de efeito estufa. Na maior parte deles, o Brasil vai continuar mais seco pelos próximos anos, com chuvas 10% abaixo da média.

Além disso, um relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) deste ano aponta que, enquanto a intensidade das chuvas deve crescer em algumas regiões, aumentos de seca são esperados em outras, como o sudoeste da América do Sul.

“Isso só reforça a prescrição de reduzir a dependência da hidroeletricidade, que deve acontecer a passos largos, para tirar essa restrição da frente e o país poder crescer com menos risco de suprimento de energia”, diz Borges.

A matriz hidrelétrica representa hoje cerca de 63,5% do total, segundo o Ministério de Minas e Energia. “As energias eólica e fotovoltaica têm custos cada vez mais próximos da hidrelétrica. É preciso caminhar no sentido de que a matriz fique em um terço para hidrelétricas, o outro para eólica e sola e o restante para termelétricas.”

“Isso vai acontecer naturalmente, já que os principais pontos para instalação de hidrelétricas estão ocupados”, avalia Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV. “A expansão se dará na margem em outros tipos de usina, e o impacto da seca vai estimular mais ainda esse movimento.”

Do ponto de vista do agronegócio, os impactos da seca e da geada se fizeram sentir na queda de 8% do PIB do terceiro trimestre, divulgado na última semana pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Além de fatores sazonais, os choques climáticos prejudicaram o plantio.

“A realidade do agronegócio em todo o mundo -e especialmente no Brasil- vai ser produzir mais com cada vez menos água e impactos ambientais. Não é algo para o futuro, mas para agora”, diz Paulo Camuri, economista sênior do WRI Brasil.
O Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) destaca que não tem governança das águas, mas diz acompanhar o cenário meteorológico para análise e estimativa de safras agrícolas.

Em outubro, o ministério lançou o Programa Nacional de Manejo Sustentável do Solo e da Água em Microbacias Hidrográficas, o Águas do Agro. “A meta é promover o desenvolvimento sustentável no meio rural, por meio da adoção de tecnologias e práticas de conservação de solo e água.”

Borges ressalta que, além de iniciativas pontuais, o país deveria adotar um pacote de investimentos verde, nos moldes dos países desenvolvidos. O BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) estima que o Brasil poderia gerar até 7 milhões de empregos da transição energética.
“Seria um caminho para contornar o problema da falta de chuvas e da recuperação da economia após a pandemia, mas é preciso liderança e coordenação para atrair capitais. O que a gente vê hoje, infelizmente, é negacionismo na agenda climática.”

Por Douglas Gavras