Bolsas mundiais caem após alta histórica dos juros nos EUA
O aumento aplicado nesta quinta pelo Fed elevou a taxa de referência para o empréstimo diário entre bancos
Os mercados de ações globais mergulhavam em pessimismo nesta quinta-feira (16), um dia após o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) ter confirmado um aumento de 0,75 ponto percentual da sua taxa de juros.
É a maior alta aplicada pela autoridade monetária dos Estados Unidos desde 1994, indicando uma postura mais agressiva no enfrentamento à maior inflação no país em quatro décadas.
O movimento das Bolsas de Valores mundiais nesta quinta contrariava a reação positiva do mercado imediatamente após a divulgação da taxa do Fed na véspera, o que levou analistas a considerarem que investidores já tinham absorvido o impacto do aumento dos juros.
A alta era aguardada desde a última sexta, quando dados dos preços ao consumidor americano de maio mostraram uma aceleração da inflação acima do esperado.
Nesta quinta, porém, participantes do mercado passaram a pesar os impactos que uma alta extremamente agressiva dos juros nos Estados Unidos provocará na economia mundial.
Às 12h30, os principais indicadores do mercado de ações de Nova York estavam negativos. O S&P 500, referência da Bolsa, afundava 3,34%. O Dow Jones, que acompanha os papéis de três dezenas de grandes companhias do país, tombava 2,51%.
O indicador da Nasdaq desabava 3,79%. Esse índice é um bom termômetro para avaliar o temor da alta dos juros, pois é composto por empresas de médio porte do setor de tecnologia que dependem do crédito barato e farto para crescer.
Na Europa, as Bolsas de Londres, Paris e Frankfurt despencavam 3,05%, 2,48% e 3,43%, respectivamente. Na Ásia, o mercado de Hong Kong fechou em queda de 2,17%. O índice que acompanha empresas chinesas de Xangai e Shenzhen recuou 0,66%.
No Brasil, os mercados de ações e de câmbio não funcionam devido às celebrações de Corpus Christi. Na véspera, o Ibovespa fechou em alta de 0,73%, a 102.806 pontos, interrompendo uma sequência de oito quedas diárias consecutivas.
O aumento aplicado nesta quinta pelo Fed elevou a taxa de referência para o empréstimo diário entre bancos (parâmetro para o setor de crédito em geral) para um intervalo entre 1,5% e 1,75% ao ano. O ciclo de aumentos, porém, está longe do fim.
Projeções divulgadas pelos jornais The Wall Street Journal e Financial Times apontam para uma taxa perto de 3,4% ao final deste ano, ou um adicional de aproximadamente 1,75 ponto percentual nas próximas quatro reuniões das autoridades que compõem o Fomc, o conselho monetário do Fed.
Após a divulgação da decisão, o presidente do Fed, Jerome Powell, disse esperar que altas dessa magnitude não se tornem comuns, mas também comentou que considera provável um novo aumento entre 0,50 e 0,75 ponto na próxima reunião do órgão.
Powell reforçou que os próximos passos serão ditados pelas pressões inflacionárias, destacando em seu comentário os problemas na cadeia global de abastecimento decorrentes da Covid na China e da Guerra da Ucrânia.
Analistas de mercado voltaram a comentar nesta quinta que o aperto monetário mais agressivo representa uma ameaça de severo resfriamento da atividade econômica.
“Acho que existe a percepção de que realmente podemos estar caminhando para uma recessão”, disse Altaf Kassam, chefe de estratégia de investimento para Europa, Oriente Médio e África da State Street Global Advisors, em entrevista ao The Wall Street Journal.
APERTO AO CRÉDITO NOS EUA TEM IMPACTO GLOBAL
O aperto monetário -que significa tornar o crédito mais caro para, assim, esfriar o consumo e desacelerar a inflação- nos Estados Unidos aumenta o rendimento dos títulos do Tesouro americano, considerado o investimento mais seguro do planeta.
Isso leva investidores a diminuírem suas aplicações em mercados mais arriscados, como as Bolsas de Valores. É um momento em que o mercado quer tirar proveito da renda fixa mais atrativa nos EUA.
Esse aumento do fluxo de dólares em direção aos títulos soberanos nos Estados Unidos torna a moeda mais escassa e cara, provocando uma reação em cadeia no mundo dos negócios.
Em países de economia emergente, como o Brasil, a alta do dólar eleva custos de importação e faz disparar a inflação.
Bancos centrais são forçados a elevar juros para convencer investidores de que o retorno oferecido por seus títulos soberanos compensa o risco que eles correm ao não levarem seus dólares para os EUA.
O principal problema desse movimento é a falta de liquidez no mercado, uma vez que investidores passam a ter a chance de obter ganhos confortáveis com juros altos pagos pela renda fixa em todo o mundo. O dinheiro que sai das Bolsas faz falta para as empresas, pois elas perdem capital com a queda das suas ações e deixam de crescer e gerar empregos.
Mas a crise atual é ainda mais difícil de se enfrentar porque o aperto ao crédito não é o único remédio capaz de frear a inflação. Ainda como consequência das paralisações de atividades provocadas pela pandemia de Covid, o mundo enfrenta a falta de bens e insumos.
A alta de preços, portanto, precisaria também ser combatida com o aumento da oferta. Mas há ao menos dois grandes impedimentos para a normalização da comercialização global de mercadorias.
Em primeiro lugar, a China, que concentra boa parte da produção de bens industrializados do mundo, mantém severas restrições ao funcionamento de empresas para tentar conter as infecções pelo coronavírus.
Além disso, a guerra na Ucrânia reduziu a oferta de petróleo e fez o preço da matéria-prima disparar, uma vez que a produção russa foi banida dos Estados Unidos e de parte da Europa. Também devido ao conflito, a produção de grãos da Ucrânia enfrenta obstáculos para ser escoada, colaborando com o aumento global dos preços dos alimentos.
Por Clayton Castelani