Analistas se dividem sobre uso do FGTS na oferta da Eletrobras – Mais Brasília
FolhaPress

Analistas se dividem sobre uso do FGTS na oferta da Eletrobras

A reserva das ações poderá ser feita entre os dias 3 e 8 de junho

Foto: Reprodução

A partir desta sexta-feira (3/6) os investidores poderão participar da oferta de ações da Eletrobras, no processo de privatização da estatal de energia elétrica, que irá reduzir a participação do Estado na companhia. A reserva das ações poderá ser feita entre os dias 3 e 8 de junho.

Pessoas físicas poderão investir o dinheiro do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), até o limite de 50% do saldo, para comprar ações da empresa, nos mesmos moldes do que já foi feito no início dos anos 2000 com os papéis da Vale e da Petrobras.

Embora a rentabilidade obtida com o investimento nas ações das duas companhias tenha superado de longe o retorno do FGTS nas últimas duas décadas, analistas de mercado se mostram divididos em relação à atratividade do investimento para os investidores de varejo.

Se por um lado o investimento em ações da Eletrobras na Bolsa pode entregar ao cotista retornos bem acima daqueles proporcionados pelo Fundo de Garantia, por outro, é preciso considerar também o risco sensivelmente maior de se fazer uma alocação em renda variável, em comparação ao retorno garantido do FGTS.

Segundo a Caixa, a lei 8.036/1990 estabelece que os depósitos feitos nas contas do FGTS serão corrigidos monetariamente pela TR (Taxa Referencial) mais capitalização de juros de 3% ao ano.

A partir de 2016, com a Medida Provisória 763/2016, posteriormente convertida na lei 13.446/2017, os trabalhadores passaram a ter direito à distribuição de parte do lucro do FGTS, cujo valor é definido pelo Conselho Curador do fundo. Essa distribuição anual vem ampliando a rentabilidade das contas vinculadas do FGTS, além da remuneração prevista na lei.

Nos anos de 2019 e 2020, o rendimento nominal do Fundo de Garantia ficou em torno de 4,9%. O Conselho Curador do FGTS definirá qual percentual será distribuído e creditado nas contas vinculadas até agosto, momento em que será possível indicar a rentabilidade no ano de 2021.

PETROBRAS E VALE ENTREGARAM RETORNOS BEM ACIMA DO FGTS NOS ÚLTIMOS ANOS
Análise feita pela equipe Genial Investimentos mostra que o trabalhador que investiu recursos do FGTS nas ofertas de ações da Petrobras e da Vale, no início dos anos 2000, obteve resultados bem acima dos entregues pelo Fundo de Garantia.

O investimento em ações da Petrobras, de 18 de agosto de 2000, até 24 de maio de 2022, rendeu cerca de 1.153%, contra 185% do FGTS, e 289% da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo).

Ainda de acordo com o levantamento da Genial, o investidor que tivesse aportado um valor de R$ 5.000 nas ações da Petrobras na ocasião, teria hoje aproximadamente R$ 58 mil, ante R$ 14,2 mil aplicados no FGTS, e R$ 19,5 mil, corrigidos pela inflação.

Já no caso da Vale, o rendimento foi ainda mais expressivo. Desde a oferta em que os investidores também puderam se valer dos recursos do FGTS para comprar ações da mineradora, em 28 de março de 2002, até 24 de maio de 2022, os papéis da empresa acumularam valorização de aproximadamente 3.900%. O FGTS rendeu 156% no mesmo período, enquanto a inflação foi de 247%.

Com R$ 5.000 aplicados nos papéis da Vale na ocasião, o investidor teria atualmente um saldo de R$ 195 mil, contra R$ 12,8 mil no FGTS, e R$ 17,3 mil corrigidos pelo IPCA no intervalo.

“Nosso foco não é fomentar que o cliente invista nos fundos da Eletrobras, mas colocar em perspectiva o custo de oportunidade em relação ao FGTS, que no ano passado ficou bem abaixo da inflação”, diz Bruno Stuani, executivo responsável pela área de relações com investidores da Genial.

Ele acrescenta que o investidor precisa ser prudente e só deve alocar na oferta um pedaço dos recursos que ele esteja disposto a manter no longo prazo, de modo a suportar a volatilidade intrínseca ao mercado de ações, ou seja, os altos e baixos do mercado.

PERFIL DE RISCO DO INVESTIDOR DEVE SER LEVADO EM CONSIDERAÇÃO
Segundo Louise Barsi, sócia do projeto de educação financeira AGF (Ações Garantem Futuro), sempre que o investidor realizar uma análise sobre uma nova empresa que deseja inserir em seu portfólio, ele deve levar em consideração uma série de fatores, comparando todos os prós e contras.

“Não se compra uma empresa baseada apenas em um único evento, neste caso, a privatização. A privatização é um gatilho muito importante, mas não deve ser o único”, diz a especialista, acrescentando que a Eletrobras é uma das maiores empresas de energia do mundo, responsável por, aproximadamente, 30% de toda geração renovável do país e a maior transmissora da América Latina.

Louise afirma ainda que a decisão sobre o aporte na oferta dependerá não apenas do perfil de risco de cada investidor, mas também em como o trabalhador encara a gestão desses recursos. Para muitos, assinala a sócia do AGF, o FGTS representa um complemento à reserva de emergência, que será usado em momentos de vulnerabilidade, como desemprego e doença grave.

“Logo, se o trabalhador já precisou desses recursos antes, em momentos delicados, ou não tem, por exemplo, uma reserva de emergência na renda fixa, a recomendação é que ele adote uma postura conservadora e invista, no máximo, de 5% a 10% dos recursos do Fundo de Garantia”, afirma a especialista.

ANALISTA RECOMENDA INVESTIMENTO, MAS APENAS COM OS RECURSOS DO FGTS
Sócio fundador da casa de análise de investimentos Nord Research, Bruce Barbosa avalia que, considerada a rentabilidade anualizada de 3% do FGTS, mais a distribuição anual de lucros, o aporte na oferta da Eletrobras com os recursos do Fundo de Garantia faz sentido.

Em especial, considerando o potencial para novos investimentos e o consequente crescimento dos resultados operacionais da empresa após a capitalização, afirma o especialista.
Ele acrescenta, contudo, que o investimento nos papéis da Eletrobras com os recursos do FGTS não deve superar uma fatia de 10% do saldo disponível, para evitar que o investidor fique excessivamente exposto a um único ativo.

Já se o investidor estiver considerando alocar parte dos recursos na oferta da empresa de energia sem se valer do FGTS, nesse caso, o sócio da Nord entende que não vale a pena o risco.
“Isso porque há na Bolsa nomes mais interessantes, que tendem a entregar em um horizonte de médio e longo prazo retornos melhores do que a Eletrobras”, diz Barbosa.

No próprio setor de energia, ele aponta papéis de empresas como Neoenergia e EDP (Energias do Brasil). “E dentro da Bolsa como um todo, ações como das locadoras de veículos Unidas e Movida, além da petroleira privada PetroRio.”

ALTA RECENTE DAS AÇÕES DA ELETROBRAS JÁ EMBUTE GANHOS DA PRIVATIZAÇÃO
Já para Flávio Conde, chefe de análise de renda variável da Levante Ideias de Investimentos, seja com ou sem o saldo do FGTS, o investidor não deveria aportar qualquer valor na oferta da Eletrobras.

Conde diz que, ao longo dos últimos meses e anos, os papéis da companhia já registraram uma valorização bastante significativa, bem acima da média de mercado, justamente por conta da expectativa dos agentes sobre a privatização e os eventuais ganhos de eficiência trazidos pelo processo.

Nos últimos cinco anos, as ações ordinárias da Eletrobras acumularam valorização de 206,4%, até 31 de maio, contra 77,5% do índice Ibovespa em igual intervalo.
Para que o movimento de alta dos papéis prossiga no mesmo ritmo, afirma o especialista da Levante, seria necessária uma evolução bastante radical da empresa em termos de lucratividade nos próximos balanços trimestrais.

“Só que esse cenário ainda não está claro no momento atual”, afirma Conde, acrescentando que a própria Bolsa de forma mais ampla ainda pode vir a atravessar momentos de maior volatilidade à frente, com os juros mais altos tanto no Brasil como no exterior, e com as incertezas relativas à disputa eleitoral.

Por isso, diz o chefe de análise da Levante, é mais prudente que o investidor mantenha os recursos no FGTS, com ganho modesto, porém garantido, do que arriscar colocar em ações da Eletrobras, que podem ter uma valorização bem superior ao do Fundo de Garantia, como também trazer retornos negativos para o portfólio nos próximos anos.

40 MILHÕES DE TRABALHADORES ESTÃO APTOS A INVESTIR DINHEIRO DO FGTS
Conde lembra ainda que, se a compra for feita por meio dos recursos do FGTS, o investidor terá de manter as ações por um prazo de, no mínimo, 12 meses.

Após esse período, a venda estará liberada, mas, em caso de negociação dos papéis, o saldo obtido com a comercialização ficará na conta do Fundo de Garantia e só poderá ser sacado conforme as regras legais, ou seja, demissão sem justa causa, compra da casa própria e aposentadoria, entre outras (veja aqui as 16 situações que permitem o saque do FGTS).

Além disso, o valor a ser investido pelo trabalhador na oferta da Eletrobras com os recursos do FGTS deixa de ser considerado como saldo no Fundo de Garantia, exceto como referência para o cálculo da multa rescisória devida ao trabalhador em caso de demissão sem justa causa, de acordo com informações da Caixa.

Com isso, o valor aportado na oferta com os recursos do FGTS deixará de ser considerado para fins de cálculo do lucro do Fundo de Garantia a ser distribuído aos trabalhadores, uma vez que será debitado da conta FGTS e transferido para a administradora do FMP-FGTS em que o trabalhador fez a aplicação.

O trabalhador terá reservado um valor mínimo de R$ 5.000 para usar seu FGTS, segundo o comunicado divulgado pela Eletrobras na sexta-feira (27). O limite é de R$ 50 mil e será permitido usar até 50% do saldo no fundo.
Segundo a Caixa, são cerca de 40 milhões de trabalhadores que possuem conta de FGTS com saldo e passíveis de utilização nas ações da Eletrobras.

“Contudo, para aplicar, os valores não podem estar bloqueados por qualquer motivo, como garantia de operação de crédito de antecipação de saque-aniversário e determinação judicial”, informa o banco.
A oferta dos papéis será aberta a investidores que já detêm ações ordinárias ou preferenciais da companhia, empregados e aposentados da estatal, trabalhadores que tenham recursos no FGTS e demais investidores.

Por Lucas Bombana