Área jurídica do governo contraria Guedes e avalia precatório fora do teto
A ideia é apoiar a aprovação de uma PEC a ser votada nesta quinta (16)
Enquanto a equipe econômica trabalha para limitar o pagamento de precatórios em 2022, ganhou força no governo um plano para quitar os débitos integralmente e retirar essa despesa da contabilização da regra do teto -que limita o crescimento dos gastos públicos à variação da inflação.
A ideia é apoiar a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) elaborada pelo vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), para flexibilizar a regra fiscal. Isso tornaria desnecessárias, portanto, as alternativas buscadas atualmente pelo ministro Paulo Guedes (Economia).
O Executivo tenta solucionar a explosão de gastos com o pagamento das dívidas do governo reconhecidas pela Justiça e que não têm possibilidade de recurso. A conta das sentenças judiciais saltou de R$ 54 bilhões neste ano para R$ 89 bilhões.
O crescimento dessa despesa comprimiu o Orçamento de 2022, forçando o governo a buscar soluções para abrir espaço nas contas e tornar possível a ampliação do Bolsa Família.
Guedes atua em dois eixos simultâneos. No mais simples deles, a ideia é que o próprio Judiciário estabeleça um teto para o pagamento de precatórios em 2022, sem a necessidade de aprovação do Congresso.
O plano, negociado com o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux, dependeria apenas de uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A medida reduziria esse gasto em R$ 49,1 bilhões no ano que vem.
Membros da área jurídica do governo, no entanto, avaliam que a medida tem alto risco de judicialização e tende a não prosperar.
A justificativa é que a simples decisão do CNJ, sem amparo em instrumento previsto em lei ou na Constituição, acabará questionada no STF. Por isso, a avaliação é que seria necessário aprovar uma proposta no Congresso para garantir essa base da legislação.
O plano sofre com a resistência de parte dos ministros do STF. Membros da corte ficaram incomodados com a pressão feita por Guedes para que o CNJ resolva o caso. Segundo relatos, o ministro foi alertado que o colegiado não resolverá o problema por conta própria, mas apenas se for provocado após ingresso de ação no STF ou aprovação da uma proposta pelo Congresso.
Em outra frente, Guedes enviou ao Legislativo uma PEC para tratar do tema. A medida abre margem de R$ 33,5 bilhões em 2022 ao parcelar precatórios. O texto ainda cria um fundo com recurso de privatizações para abater dívida pública e fazer pagamentos antecipados de precatórios sem contabilizar no teto.
A proposta, alvo de críticas de especialistas, também foi recebida com cautela em outras áreas do Executivo. Segundo membros do governo, a medida é mais ampla que o necessário e de difícil aprovação.
O texto deve ser votado nesta quinta-feira (16) na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara.
Membros da área jurídica argumentam ainda que a PEC de Guedes também pode acabar judicializada. Isso porque os credores do governo poderão entrar com ações questionando o parcelamento dos precatórios.
Diante desse diagnóstico, ganhou força no governo a ideia de apoiar a aprovação da PEC apresentada pelo deputado Marcelo Ramos. O texto retira os precatórios integralmente da regra fiscal e faz uma espécie de rebaixamento no teto.
A medida estabelece que o governo deve recalcular o teto de gastos. Para isso, seria necessário retroagir a 2016, ano anterior à entrada em vigor da regra fiscal, e subtrair do teto o valor correspondente aos precatórios. Em seguida, o limite de gastos seria novamente calculado ano a ano, adicionando a variação da inflação no período.
Ao elaborar a proposta, que garante a manutenção do pagamento integral dos precatórios, o deputado argumentou que parcelar esses débitos colocaria em risco a credibilidade do país.
“A PEC proposta pelo governo, sob a ótica do credor, é um calote, e sob a ótica fiscal é uma pedalada”, criticou.
Ramos argumenta que os precatórios são um tipo de dívida e se assemelham a gastos como a amortização da dívida pública, que não é contabilizada no teto. Além disso, ele justifica que o governo não tem qualquer ingerência sobre essas despesas, cuja definição cabe ao Judiciário.
De acordo com o deputado, a aprovação de sua PEC permitirá ao governo abrir um espaço de até R$ 27 bilhões no Orçamento de 2022, permitindo a ampliação do Bolsa Família.
“Você paga 100% dos precatórios, não cria essa insegurança jurídica, não passa essa mensagem de descompromisso do governo com suas contas”, disse.
Ramos está coletando assinaturas para a PEC, que exige 171 apoiamentos para começar a tramitar.
Em nota, o Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se posicionou a favor da PEC de Ramos.
“Essa solução é juridicamente correta e fiscalmente responsável. A PEC do vice-presidente da Câmara respeita o teto de gastos e, ao contrário de outros caminhos aventados, não culminará com ajuizamento de ações questionando sua validade”, diz a manifestação.
Em evento nesta quarta-feira (15), Guedes disse que fez “um pedido desesperado de socorro” ao Legislativo e ao Judiciário para solucionar o impasse em torno dos precatórios.
Em debate no mesmo evento, o presidente do STF defendeu o diálogo entre as instituições e, em tom de brincadeira, disse que Guedes é “tão amigo, que coloca no meu colo um filho que não é meu”.
Na avaliação do economista Marcos Mendes, as alternativas avaliadas são fiscalmente irresponsáveis e fragilizam o teto de gastos. Para ele, o governo busca argumentos frágeis para viabilizar uma ampliação de gastos no ano que vem.
Mendes, que é um dos formuladores da regra do teto, afirma que precatórios não são similares à dívida pública. Segundo ele, também é frágil o argumento de que o governo não tem controle sobre esses gastos porque há outras despesas também fora desse poder de decisão e que estão sob o teto, como os benefícios previdenciários.
“Se retirar do teto é inevitável –e eu acho que não é–, que se faça explicando que está tirando porque considera que vai comprimir outros gastos e vai tirar do teto para pagar outras despesas. Mas não me venha com princípios jurídicos e econômicos que não existem”, disse.
Para o economista, eventual flexibilização do teto deveria ser acompanhada de medidas compensatórias, como a ativação de gatilhos que travam despesas públicas. Para ele, porém, não há clima político para esse tipo de medida.
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que vai tentar acelerar a discussão na Casa, levando em consideração as sugestões de Fux e outros ministros. Ele anunciou que instalará uma comissão especial para debater o tema.
Em relatório, a IFI (Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado) afirmou que a retirada de precatórios do teto pode abrir um espaço de R$ 48,6 bilhões no Orçamento de 2022. O órgão pondera que a solução não anularia os efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos e, consequentemente, sobre câmbio, inflação e juros.
Texto: Bernardo Caran, Danielle Brant e Marcelo Rocha