Série traz boneco Chucky matando jovens que fazem bullying com um garoto gay

Trama dá continuidade aos filmes de 'Brinquedo Assassino'

Historicamente, o bullying é uma parte quase indissociável da vida escolar, por mais nocivo que seja. Intimidar e agredir colegas sempre foi e continua sendo prática frequente nos corredores colegiais, tanto que a figura do jovem deprimido, solitário e perseguido é lugar comum nos filmes e séries adolescentes.

Isso era verdade enquanto Don Mancini crescia, nos anos 1970, e continua sendo hoje. Aos 58 anos, no entanto, ele decidiu pôr seu mais famoso personagem para se vingar, simbolicamente, dos valentões -Chucky, o boneco assassino que ele criou para o cinema em 1988, invade agora a televisão para proteger seu atormentado dono.

Na série que leva o nome do serial killer de brinquedo, que estreia no Star+ nesta quarta, acompanhamos Jake, um adolescente que quer ser artista plástico e tem uma predisposição a criar obras com pedaços de bonecas velhas, o que o torna uma aberração aos olhos do primo popular, um coitado para a patricinha do colégio e uma “bicha” para o pai, que enviuvou há alguns anos.

Mas, numa venda de garagem, o protagonista, que de fato é gay, encontra Chucky, o boneco possuído pelo espírito de um homicida apresentado ao público em “Brinquedo Assassino”, e decide ficar com ele. A criatura, quem diria, parece ter coração e decide proteger o garoto dos valentões de sua vida, dando início a uma nova temporada de assassinatos grotescos.

“Essa série é um grande dedo do meio para os caras que me perseguiam no ensino médio. Nas minhas redes sociais, onde as pessoas que estudaram comigo estão, eu posso esfregar essa série na cara delas e finalmente dizer ‘ser gay é legal'”, diz Mancini, ele próprio homossexual, que vê a história como “justiça poética”.

Não que a violência deva ser a resposta ao bullying, mas o roteirista e diretor opera num terreno em que a única regra é quanto mais sangue, melhor. Chucky, afinal, é um dos personagens mais icônicos do slasher, subgênero do terror em que um assassino mata inúmeras vítimas de forma bastante explícita e muitas vezes absurda.

Aqui, não é diferente. Na primeira morte que vemos em “Chucky”, um homem vai até o quadro de energia de sua casa, que ficou subitamente sem luz. Descalço, ele mexe em alguns botões e uma lâmpada acende. Ela ilumina um fio solto e o rosto maligno do boneco, que vomita litros de bile no chão, fazendo com que o personagem seja eletrocutado até a morte.

Isso não deve chocar quem está acostumado com o boneco. Desde 1988, Chucky vem fazendo vítimas de formas criativas. Ao todo, o “Brinquedo Assassino” seminal rendeu seis sequências, a última de 2017, e um remake que, há dois anos, ignorou a mitologia da franquia e tentou recomeçar a trama do zero.

Nela, o boneco não estava possuído -ele matava por causa de um vírus que se apossou de seu sistema de inteligência artificial, após um caso de sabotagem industrial. Os frutos não foram tão bons quanto o esperado e, agora, na série “Chucky”, os produtores decidiram dar continuidade à linha narrativa original.

A ideia de se voltar para a televisão pela primeira vez, diz Mancini, se deve à constante tentativa de reinventar a franquia. “Foi assim que nós sempre mantivemos o personagem no zeitgeist. Começamos como um slasher, depois com ‘A Noiva de Chucky’ nós nos voltamos para a comédia e depois, com ‘A Maldição de Chucky’, nós o trouxemos para o horror gótico.”

Essa, no entanto, é a maior reinvenção pela qual Chucky já passou, diz o criador e diretor da série, já que o novo formato permite que outros personagens e as eventuais vítimas do serial killer de plástico sejam explorados profundamente.

O que pode parecer novo para a franquia num primeiro momento, mas, na verdade, está longe de ser, é a temática LGBTQIA+. Numa cena de “Chucky” que viralizou nas redes sociais, o personagem-título conversa com o adolescente Jake. “Sabe, eu tenho um filho queer, de gênero fluido”, diz ele. “E você está de boa com isso?”, pergunta o menino. “Eu não sou um monstro, Jake”, responde ele, num dos lampejos de humor da série.De fato, em 2004, muito antes de a discussão de gênero e sexualidade invadir as telas, os fãs da franquia foram apresentados ao filho de Chucky, que às vezes se identificava como Glen e, outras, como Glenda. O aceno à diversidade não era escancarado, mas estava lá.

“Eu comecei a injetar conteúdo queer na franquia, conscientemente, em 1998, com ‘A Noiva de Chucky’. Claro, eu escrevi um personagem que era abertamente gay para o filme, mas a estética também conversava com um tipo de sensibilidade gay; alguns atores, como a Jennifer Tilly, tinham uma conexão com esse público. O filme foi um sucesso, e eu me senti encorajado a continuar fazendo isso”, conta Mancini, que pôs Glen para matar a princesinha do pop Britney Spears num dos longas.

“Hoje eu sinto certa responsabilidade, principalmente com essa série, porque eu gosto de dar ao público LGBTQIA+ jovem, fã de terror, um personagem com o qual possa se identificar -eu não tive isso nos anos 1970 e 1980.”

Talvez por essa escassez de representatividade no gênero, um dos sonhos profissionais de Mancini, diz ele, é juntar Chucky e Freddy Krueger, o monstro deformado de garras metálicas de “A Hora do Pesadelo”. O segundo capítulo da franquia de slasher, afinal, é hoje celebrado como uma metáfora para o medo da homossexualidade presente na década de 1980 -e, além disso, tem inúmeras cenas que não destilam apenas sangue, mas também homoerotismo.

Esse é só um dos planos de Mancini para continuar apresentando Chucky às novas gerações. A expectativa é que outras temporadas sigam esta estreia televisiva do personagem -no que depender de crítica e público, isso deve acontecer- e que elas convivam simultaneamente com novos filmes. “Nós basicamente queremos que o Chucky domine o mundo”, brinca o diretor-roteirista.

CHUCKY
Quando: Estreia nesta quarta (27), no Star+
Elenco: Brad Dourif, Zackary Arthur e Teo Briones
Produção: EUA/Canadá, 2021
Criação: Don Mancini

Por Leonardo Sanchez 

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