‘Catártico’, Criador da série ’30 Monedas’ explica sucesso do terror atual
Série da HBO Max mostra cidade cheia de fenômenos paranormais
Prato cheio para os fãs do gênero, a série espanhola “30 Monedas” (30 moedas), da HBO Max, é recheada de elementos de terror. Desfilam pela tela desde possessões de jovens que brincaram de invocar os mortos até espelhos que não refletem apenas o que está na frente deles, passando por monstros mais ou menos humanos.
Os elementos são costurados com bom humor pelo criador Álex de la Iglesia, 55, responsável pelo clássico “O Dia da Besta” (1995), pelo qual recebeu o prêmio Goya. Além da direção, ele assina os roteiros ao lado de Jorge Guerricaechevarría, seu colaborador habitual.
“O terror é o lugar mais livre da atualidade”, avalia ele em entrevista exclusiva ao F5. “É o lugar onde você pode se encontrar como autor. Quase diria que atualmente os cinemas de arte e experimental se esconderam no cinema de terror, disfarçados de cinema de gênero.”
Ele cita filmes como “Midsommar” (2019) e “Hereditário” (2018), ambas do americano Ari Aster, como responsáveis por uma nova forma de enxergar essa variedade de filmes. “Estamos assistindo a um renascimento do gênero”, afirma.
Isso se deve, na opinião dele, a alguns fatores. “É um tipo de trama propenso a brincar com a loucura e com o inverossímil, à ficção mais extrema e a contar histórias que mexam com o espectador”, conta. “É exatamente o lugar onde tudo cabe, onde o mais importante é o jogo, a estrutura, e é preciso seduzir o espectador, levá-lo ao seu terreno para que ele também possa brincar.”
O cineasta brinca que, atualmente, a vida real pode estar dando mais medo que a ficção. “Mas, por outro lado, o terror também é a uma via de fuga extraordinária”, comenta. “Com a pandemia, estamos vivendo verdadeiras tragédias, mas o terror, assim como a comédia, tem um quê de catártico.”
“Você vê as pessoas em situações absurdas, mas para as quais há saídas”, explica. “Nos filmes, sempre há uma saída. E isso, de alguma forma, é libertador. Ver uma pessoa ser perseguida por um monstro faz você se sentir melhor porque você se identifica com a situação, então isso também te liberta de alguma forma.”
“É uma terapia maravilhosa para poder enfrentar os problemas reais depois, porque esses ninguém vai tirar de você”, brinca.
Na trama imaginada por ele, a pacata cidadezinha de Pedraza passa a ser cenário de diversas manifestações paranormais. Isso ocorre depois que chega à cidade uma das 30 moedas que teriam sido recebidas por Judas como pagamento por trair Jesus Cristo.
O padre moderninho Vergara (Eduard Fernández), o prefeito atrapalhado Paco (Miguel Ángel Silvestre) e a veterinária intrépida Elena (Megan Montaner) passam a investigar. Eventualmente, eles descobrem um complô internacional envolvendo até a cúpula da Igreja Católica para reaver as relíquias.
De la Iglesia diz que as teorias da conspiração costumam ser atrativas para o público. “O terrível da vida é que ela é sem sentido”, avalia. “A conspiração dá sentido às coisas. Se alguém diz que há um conluio por trás de tudo de ruim que ocorre na sua vida e que há pessoas tentando lhe destruir, você se sente melhor porque encontra um sentido. Aí você diz: ‘Ufa, ainda bem!’.”
“Se você não entende as coisas que fazem você sofrer, seja porque não está suficientemente informado ou porque simplesmente não percebeu tudo, você não pode se preparar para reagir”, diz. “A verdade é que a vida é um caos absurdo, não há forma de se preparar. Então usamos a imaginação para criar essas teorias porque, no fundo, elas nos fazem felizes.”
O autor também conta que ficou feliz de poder realizar a série em parceria com a HBO, a quem ofereceu o projeto logo que a marca abriu uma filial na Espanha. “Tinha uma vontade louca de contar essa história, que talvez não tivesse cabido em nenhum outro lugar”, afirma. “Tentamos em vários lugares e, em todos, me diziam educadamente que era uma série difícil de fazer.”
Com o sinal verde para o projeto, ele conseguiu escalar para alguns papéis atores com os quais já havia trabalhado no cinema, como o próprio Eduard Fernández. Os dois trabalharam juntos em “Perfeitos Desconhecidos” (2017).
“Você economiza muito tempo de set trabalhando com quem já conhece”, garante o diretor. “Não precisa ficar explicando tudo. E tenho a sorte de conhecer vários atores que, na minha opinião, são os melhores da profissão.”
Por outro lado, ele elogia os atores com quem nunca havia trabalhado. “Megan [Montaner] é uma descoberta e o Miguel Ángel Silvestre é muito divertido, além de muito comprometido com o personagem. Ele vinha com tudo muito estudado, é muito rigoroso no trabalho.”
Já a cidade de Pedraza, que de fato existe, é quase um personagem a mais na trama. “É um lugar absolutamente tranquilo, muito pacífico, onde as pessoas passam o tempo todo assando cordeiros”, conta. “Eu precisava de uma cidade que tivesse criações por perto.”
Tem também o aspecto estético do povoado. “É um lugar sem prédios modernos, fica numa colina e tem uma muralha da Idade Média ao redor da cidade”, descreve. “E tem um único portão para entrar e sair da cidade.”
“O prefeito me contou que uma vez houve um roubo na cidade e os ladrões tiveram que se entregar porque fecharam o portão, e eles não tinham outra forma de sair”, ri. “Isso também veio a calhar com a história.”
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