‘No Ritmo do Coração’, premiado em Sundance, é agradável e inofensivo
Longa mostra jovem dividida entre as necessidades da família surda e uma carreira incerta na música
Em outros tempos não era para esperar por isso, um filme como “No Ritmo do Coração” levando uma penca de prêmios em Sundance, o grande festival de filmes independentes dos Estados Unidos, encantando a plateia e sendo disputado a tapas por vários streamings. Seria mais um filme para Hollywood, qualquer grande estúdio mobilizaria suas estrelas para produzi-lo e lhe garantiria um belo circuito para exibição.
Os elementos estão todos ali, uma família pobre de pescadores; uma garota que se sente deslocada na sua escola e tem vergonha família; o talento musical que ela revela de repente e sua dificuldade para escolher entre ir para uma faculdade e ficar para ajudar a família.
Alguns dados a acrescentar: o pai, a mãe e o irmão da jovem Ruby são surdos -o que já nos leva ao lado inclusivo do filme. Ao menos os pais constituem uma estranha mistura de hippies, pelos sentimentos e aspiração a uma vida livre, e “white trash”, ou seja, brancos pobres um tanto perseguidos pelas regulações do Estado.
Toda a trama principal passa por aí. Ruby precisa desenvolver sua grande habilidade, que é cantar, num grupo familiar que precisa desesperadamente dela para intermediar suas relações com o mundo áspero dos que falam e escutam.
A única oportunidade na vida da garota surge com o rigoroso -e de início um tanto afetado- professor de música, que reconhece o seu talento. Mas como fazer? O professor é exigente, não permite que ela se atrase. Ruby, porém, precisa acordar de madrugada e gramar no barco da família, explorada pelos intermediários.
Estamos, então, numa espécie de mistura entre o Visconti de “A Terra Treme” e algo como “A Noviça Rebelde”. No caso, Ruby divide-se entre a família com suas necessidades imediatas e o futuro incerto na música.
Mas não estamos no ponto em que ela luta para se destacar entre outros talentos. Seu destino está entre tutelar as relações da família ou se desenvolver numa escola superior, com bolsa de estudos, coisa em que ela jamais poderia pensar. Eis a questão.
Em resumidas contas, eis um filme que em outros tempos se chamaria de água com açúcar, uma coisa simpática, bem intencionada, inócua e, sobretudo, emocional.
Mas por que um filme com esses elementos um tanto triviais, até mesmo ultrapassados, provocaria tamanha comoção justamente em Sundance -e nos streamings?
Digamos que é um filme competente em vários aspectos, inclusive na escolha da suave atriz principal. Ele também corre sem grandes sobressaltos, nos introduzindo a um mundo pouco conhecido -uma pequena comunidade de pescadores no nordeste dos EUA.
À ideia de trabalhar com a garota talentosa de família pobre acrescentam-se os problemas familiares, que são físicos. A questão central, mais do que o sucesso ou não da garota em seu intento vocal, é a permanência da família unida. Isso está acima de tudo.
Os personagens que circulam pelo filme são todos invariavelmente bons. Claro, por vezes dão suas mancadas, ou pensam mais em si próprios do que nos outros etc. O bastante para que o espectador não pare de ver o filme -no streaming- ou durma -no cinema-, e para que se sinta comovido de tempos em tempos.
Enfim, “No Ritmo do Coração´” é um filme agradável e inofensivo, bem apropriado a um tempo em que o cinema, menos do que propor questões, busca confortar pessoas acossadas por pandemia, desemprego e similares.
No Ritmo do Coração
Quando Estreia nesta quinta (23)
Onde Nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Emilia Jones, Marlee Matlin, Troy Kotsur
Produção EUA/França, 2021
Direção Sian Heder
Avaliação Bom
Por Inácio Araújo