Projeto mapeia baobás, árvores símbolo do continente africano, no DF
Iniciativa conta com visitas de alunos de escolas e discussão sobre formação de Brasília
Uma das maiores e mais antigas árvores do mundo, os baobás significam não apenas biodiversidade, flores e frutos, mas cultura, saúde, religiosidade e história dignas de serem consideradas um símbolo do continente africano, de onde são nativas.
Estão hoje ao redor do mundo em virtude da diáspora africana, e um projeto do professor de português e doutor em linguística do Distrito Federal André Lúcio Bento, 48, busca mapear a presença delas na capital do país e introduzi-las aos estudantes locais, junto de todos os seus significados.
Ajudado por uma série de voluntários, inclusive alunos seus, o docente também quer fazer da árvore um meio de colaborar para uma educação antirracista e pressionar o governo a torná-la um patrimônio cultural do Distrito Federal.
O professor, que viveu a infância rodeado pelo cerrado nas áreas periféricas de Brasília, conta que iniciou o projeto em novembro de 2019, no Dia da Consciência Negra, ao propor a plantação de duas mudas de baobás em um projeto de requalificação da Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação.
A ideia era inserir a espécie no local como uma atividade coletiva para celebrar a data, e ele achou que seriam as primeiras da região. Em março do ano seguinte, foi convidado para uma transmissão ao vivo sobre cultura afro-brasileira e citou o plantio, o que interessou uma funcionária do Jardim Botânico brasiliense.
Lá ela descobriu que havia mais dois baobás, o que o fez questionar se não existiam então ainda mais árvores da espécie espalhadas pelo Distrito Federal. André passou, assim, a fazer mais pesquisas e a catalogar as que encontrava ao percorrer Brasília, com a ajuda de alunos, que viam algumas árvores na rua e o avisavam.
À época, havia um verbete da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) citando os baobás em estados como Pernambuco —onde há a maior concentração da árvore fora da África—, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Ceará, sem registrar a presença no DF.
Até agora foram 73 os mapeados na cidade em áreas públicas e privadas, disponibilizados por eles em mapa na internet. André pondera, entretanto, que o número pode ser volátil, porque as árvores podem morrer ou sofrer alguma interferência humana, como serem arrancadas quando pequenas, por exemplo.
O professor conta que o projeto sofreu restrições pela pandemia de Covid-19, mas manteve a publicação de fotografias, reportagens e artigos científicos reunidos em um site (baobabrasil.com), buscando colaborar para criar um ambiente que concentrasse todo o conhecimento já criado sobre o assunto.
Passadas as limitações sociais impostas pelo coronavírus, o docente deu início a uma outra etapa: coordenar visitações aos baobás de alunos de escolas, universidades e institutos federais.
André conta ser convidado pelas instituições de ensino para levar os alunos até os exemplares, mostrando não só as características biológicas, mas contando toda a importância histórica, religiosa e cultural deles. Ele acredita que os baobás, neste caso, ajudam para a promoção de uma educação antirracista.
“Ensinar e levar os alunos aos baobás colabora também para promovermos a herança africana do país, expandi-la para além dos estereótipos, o que colabora para a discussão de outras questões, como o racismo e a intolerância religiosa, já que a árvore está ligada a isso”, diz o professor.
André cita a importância da espécie para as diversas nações africanas como parte marcante da vida social. “Eles eram pontos encontro entre os griôs [aqueles conhecidos na comunidade como detentores dos saberes] com os mais novos para passar conhecimento”, lembra o docente.
Além disso, os baobás possuem grande relevância religiosa e espiritual, considerados testemunhas da história, dada a sua sobrevivência milenar —podem chegar a mais de 6.000 anos de vida, calculam cientistas.
São ainda vistos pelas religiões de matriz africana como o princípio da conexão entre o mundo material e o espiritual e, por isso, amplamente cultuados nos candomblés de várias nações ou na umbanda.
No mês passado, pesquisa realizada por universidades do Reino Unido, da China e de Madagascar e publicada pela revista acadêmica Nature alega que o espécime teria surgido pela primeira vez no continente há 21 milhões de anos, posteriormente transportadas por correntes oceânicas para a Austrália e evoluindo para árvores distintas.
Para completar, o mukua, fruto dos baobás, possui alto teor de vitamina C e outros nutrientes como cálcio, ferro, potássio e zinco, o que colaborava com a dieta e a nutrição em diversos locais.
Os esforços do professor com o projeto têm sido reconhecidos até fora do país. Em setembro passado, André foi convidado para expor a iniciativa no 11º Festival Cultural do Brasil, ocorrido no Museu Etnográfico de Viena, na Áustria, com programação sobre ancestralidade, ecologia e tecnologia.
Ele também celebra que muitas pessoas de todo o Brasil passaram a enviar fotos de baobás de outros estados. André, porém, mantém o projeto com seus próprios recursos, sem apoio de nenhuma entidade ou de governos, o que limita a expansão do mapeamento.
Para André, o próximo passo do projeto é tornar os baobás patrimônio cultural do Distrito Federal. Ele diz que o tombamento traria não apenas uma proteção jurídica à espécie, mas ampliaria a discussão para o tema da educação patrimonial e traria um valor simbólico à árvore.
“Daria reconhecimento oficial dos baobás como parte importante da cultura brasiliense, como parte importante da cultura brasileira e afro-brasileira.”
O professor também é escritor e lançou o livro “Tâmara e Tamarindo na Terra das Coisas e Pessoas Doces” (ed. Imeph), personificando a história dos dois frutos, também de origem africana, em um mundo onde tudo parece ser doce. O texto trabalha a diversidade e traz personagens negros.
Por Matheus Tupina