Projeto da UnB com a SES-DF garante direitos sexuais e reprodutivos de mulheres vulneráveis na pandemia
Profissionais e estudantes de Medicina e de Saúde Coletiva que atuam em UBS traçam estratégias para aprimorar cuidado a pacientes
Projeto coordenado pelo professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília e médico da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) Danilo Amorim, em parceria com o órgão distrital, zela pela saúde sexual de mulheres desde o início da pandemia.
Intitulada Estratégias para a garantia de direitos sexuais e reprodutivos durante a pandemia de covid-19 no âmbito da atenção primária à saúde, a iniciativa oferece assistência médica a moradores do Pôr do Sol – região vulnerável do Distrito Federal – na Unidade Básica de Saúde (UBS) 17 de Ceilândia.
A experiência foi selecionada em primeiro lugar no edital do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) para a Mostra Nacional de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, na categoria (eixo 3), intitulada Ações de educação permanente em saúde (eps) no enfrentamento à pandemia da covid-19.
O evento acontece de 30 de novembro a 2 de dezembro, de forma remota, no canal do Conass no YouTube, e o foco é identificar, incentivar e premiar as experiências dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) no enfrentamento da covid-19. O projeto também foi selecionado para integrar um livro, que será publicado pelo Conass junto com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
“O reconhecimento da mostra foi muito bom. A equipe recebeu de forma muito positiva. Isso serviu para incentivar que continuemos implementando as ações dessa experiência, mas também fez com que tivéssemos mais gás para conduzir as outras experiências que já estávamos planejando”, declara Danilo Amorim. “E isso vai ajudar bastante a pensar e construir novas estratégias [de atenção à saúde na UBS]”, completa.
A concepção das ações desenvolvidas na unidade envolveu seis estudantes da graduação em Medicina e oito do curso de Saúde Coletiva da Faculdade UnB Ceilândia (FCE), além de pós-graduandos da Escola Superior de Ciência da Saúde (ESCS) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Os profissionais de saúde da UBS 17 também colaboraram na execução.
“O projeto apresentou novos conhecimentos e formas de abordagens, que puderam ser aplicados durante as consultas, além de propiciar uma rede de contato dentro da UBS em que podíamos buscar apoio em caso de dúvidas ou necessidade de suporte em procedimentos administrativos, atendimentos e condutas nessa área [de saúde sexual reprodutiva]”, relata Tainã Sousa, interna na UBS 17 e graduanda do nono semestre de Medicina.
CONHEÇA – A iniciativa nasceu em junho de 2020, com o objetivo de diminuir o impacto causado à saúde das mulheres no cenário pandêmico. As estratégias elaboradas se basearam na troca de expertises entre profissionais de saúde e estudantes.
“Quem já sabia foi ensinando e virou uma troca de aprendizado muito grande. Isso é muito importante em todo o processo de trabalho para o profissional se sentir valorizado. A autoconfiança melhora e a visão que os pacientes têm da gente também, porque percebem que nós estamos sempre ali nos atualizando e melhorando os processos de trabalho”, analisa Andressa Lima, residente de Medicina de Família e Comunidade pela ESCS na UBS 17.
A partir da percepção de que a pandemia estava impactando de forma desproporcional a vida das mulheres, o Grupo de Educação Permanente – espaço de troca dialógica entre os profissionais de saúde da UBS 17 – identificou alguns problemas que expuseram as mulheres ao risco de não terem seus direitos sexuais e reprodutivos garantidos.
“Em alguns casos, principalmente do nosso território, o desemprego aumentou muito”, menciona Danilo Amorim. “Então, a gente percebeu que a vida delas [das mulheres] foi desproporcionalmente afetada durante a pandemia.”
Os fatores foram atrelados à percepção de que, no período, também houve um aumento no número de gestações indesejadas e de abortos inseguros. Com isso, profissionais e estudantes sensibilizaram-se a desenvolver estratégias para diminuir esse impacto e conseguir garantir os direitos sexuais das pacientes atendidas na unidade.
DIFUSÃO DO DIU – Com as ações promovidas, a equipe, que antes não fazia a inserção de dispositivo intrauterino (DIU), hoje conta com nove profissionais qualificados e confiantes para prestar o serviço. A demanda era grande, mas graças ao projeto mais de cem mulheres – de setembro de 2020 a junho de 2021 – já foram beneficiadas. A fila está zerada e, por isso, a unidade faz a inserção do DIU no mesmo dia em que a paciente sinaliza o desejo.
Danilo Amorim descreve como foi a experiência: “A primeira estratégia foi a do DIU, que exigiu uma mudança muito grande [nos serviços], mexeu com toda a unidade e com vários profissionais e com a gestão, para conseguir o material, os próprios DIUs, as bandejas de esterilização e [adequar] o fluxo de esterilização. Mudou muito a rotina, inclusive de acesso para essas pacientes”.
Uma das beneficiadas com a inserção do DIU foi Eliane Alkmim, de 35 anos, que é dona de casa e tem dois filhos. Ela é fumante, na última gestação foi diagnosticada com pressão alta e não estava se adaptando com o anticoncepcional. A paciente também não conhecia o método contraceptivo.
“Estou gostando muito, sinto-me bem com ele e arrependo-me de não ter colocado antes”, compartilha. “Para mim foi muito importante. Na rede particular é caro, eu não tinha condições de colocar, e na rede pública de saúde, na UBS, me ofereceram essa oportunidade. Foi ótimo para mim e para minha saúde também”, comemora Eliane.
OUTRAS AÇÕES – Os profissionais e os estudantes que trabalham na UBS também implantaram ações para tornar a unidade um ambiente acolhedor para a comunidade LGBTQIA+. Houve diálogo entre a equipe e uma das preocupações foi melhorar a abordagem com esse grupo de pacientes. No mês da visibilidade lésbica, celebrado em agosto, o local foi preparado com o intuito de mostrar sua capacidade para atender os temas relacionados à saúde da mulher lésbica.
Também foi elaborado um perfil com competências relacionadas à saúde sexual reprodutiva (SSR) consideradas essenciais para os profissionais assistirem a população.
Outra ação com foco na excelência foi a realização de treinamentos na UBS para padronizar algumas condutas. Para isso, foi aberto um espaço para compartilhamento de saberes, buscando tornar o coletivo profissional mais seguro na hora de prescrever medicamentos.
A partir de uma oficina ministrada por uma enfermeira e uma residente de Medicina, a equipe treinou habilidades e estratégias de comunicação na abordagem sobre saúde sexual com adolescentes.
Tainã Sousa destaca que, logo após a oficina, atendeu uma adolescente que estava iniciando a vida sexual e pôde utilizar o saber teórico adquirido na reunião. “Percebi, na prática, os desafios de iniciar a conversa, abordar questões sobre orientação sexual e identidade de gênero, perguntar sobre o uso de métodos contraceptivos, gestação e rastreamento de ISTs [infecções sexualmente transmissíveis].”
“Com certeza, já nesse primeiro contato, fui capaz de aplicar alguns conhecimentos que haviam sido passados no encontro e melhorar meu atendimento, tanto do ponto de vista da relação médico-paciente, necessária para que o paciente possa expressar seu real problema ou necessidade, quanto da parte técnica das condutas”, ressalta.
O projeto também fomentou a participação masculina na saúde sexual das mulheres, no sentido de incluir os parceiros na decisão do uso do método contraceptivo, no pré-natal e no cuidado da criança, no caso dos pais. As estratégias foram debatidas em grupo pela equipe. No momento, estão sendo consolidados os dados do aumento da participação dos homens no pré-natal. Para isso, as consultas com a presença dos parceiros têm sido registradas.
Os estudantes que participaram do projeto também produziram vídeos instrutivos sobre pré-natal do parceiro (PNP) e métodos anticoncepcionais para serem transmitidos nas televisões da recepção da unidade.
AMBIENTE COLABORATIVO – Antes da implantação das estratégias, foi aplicado um questionário a estudantes e profissionais da UBS 17 para mapear expertises e dificuldades na execução de determinadas técnicas, partindo de problemas oriundos do cotidiano do trabalho na unidade, como a inserção do DIU.
Após o levantamento, aqueles que tinham mais habilidade e domínio dos procedimentos ensinavam os demais colegas por meio de rodas de conversas, oficinas ou atividades práticas.
Além de permitir o desenvolvimento de ações para alcançarem resultados duradouros relacionados à SSR, o projeto fortaleceu as relações institucionais. “Isso permitiu que não só o projeto avançasse bastante, mas que também a relação entre os trabalhadores se tornasse mais horizontal e mais colaborativa”, conta Danilo Aquino.
Ele compartilha que os profissionais e os discentes da UBS se sentiram mais seguros na hora de tirar dúvidas ou discutir o caso de um paciente com um colega de trabalho que possui mais afinidade com determinada área.
Andressa Lima é graduada em Medicina pelo Centro Universitário Atenas (UniAtenas) de Paracatu-MG, já passou por outras unidades de saúde e confirma o relato do professor Danilo Amorim. “É um ambiente de trabalho muito colaborativo, todo mundo se ajuda, todo mundo se ensina. Eu acho isso um diferencial muito importante lá da UBS comparado a outros lugares que eu já passei”, expõe a residente.
HOJE – No momento, o projeto está focado em intensificar atividades relacionadas à violência sexual. Serão realizadas reuniões com o Centro de Especialidade para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica (Cepav), para ajustar os fluxos de colaboração com a UBS em relação aos atendimentos e encaminhamentos de pacientes.
Está em fase de planejamento intervenção para ampliar a atenção às trabalhadoras do sexo. “É uma população que atendemos muito pouco na unidade, a gente percebe que elas não procuram muito. Pretendemos fazer com que a unidade também seja acolhedora para esse público então estamos pensando em algumas estratégias para conseguir avançar nisso”, informa Danilo Amorim.
Por UnB