Mulheres negras são as principais vítimas de feminicídios no DF
Estudo do MPDFT revela que avaliação de risco nos casos de violência doméstica é fundamental para evitar crimes contra a mulher
As mulheres negras do Distrito Federal representam 77% das vítimas de feminicídio ocorridos na capital do país. A afirmação é do estudo realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), que identificou os principais fatores de risco para a ocorrência deste tipo de crime.
A pesquisa, realizada pela primeira vez no país, revelou que a avaliação de risco nos casos de violência doméstica é fundamental para evitar crimes contra a mulher. Segundo os pesquisadores, “a compreensão e estimativa de risco de ocorrência de feminicídio em um caso concreto envolve a identificação de padrões de comportamento, características e circunstâncias que anunciam o perigo”.
Ao todo, foram analisados os 34 feminicídios ocorridos no DF entre 2016 e 2017. Os resultados revelaram que, em todos os casos, houve anteriormente a morte, episódios de violência prévia, física ou psicológica. Ainda segundo a análise, em pelo menos 80% das situações, seis ou mais fatores de risco estavam presentes.
Dos 23 fatores de risco avaliados pela equipe, o mais presente foi o ciúme excessivo, reportado em 88,2% dos casos. Histórico de ameaça ou tentativa de matar aparece na sequencia com 73,5% e histórico criminal do agressor com 64,7%.
“Não existe um único perfil do autor de feminicídio no âmbito da violência doméstica. Contudo, existem características individuais do autor e da vítima que, associadas a elementos situacionais, aumentam o risco de um feminicídio”, aponta o promotor de Justiça Thiago Pierobom.
A mineira Rosa Melo, 42 anos, mãe de três filhos, viveu em um relacionamento abusivo durante 18 anos. Ela conta que não sabia o que era violência doméstica e achava que as agressões físicas e psicológicas eram normais. “Eu achava que o meu parceiro iria mudar, fiquei naquela esperança que ele mudasse, só que durante um determinado tempo as pessoas me aconselhavam, que quando eu desse um filho seria uma nova pessoa e que na igreja seria transformado. Então, a gente vai entrando nessas ilusões e a vida vai passando, entramos numa dependência emocional. Eu não tinha forças para sair da situação”, relata.
“Só que dentro desse relacionamento, com o passar do tempo foram surgindo as agressões físicas e psicológicas, que eu também achava que era normal, porque ele estava nervoso. Normalmente, essas pessoas quando agridem a gente assim, é aquela história de que bate e vem curar com uma flor”, disse Rosa. Ela saiu de Minas, foi para o estado de Goiás e chegou ao Distrito Federal, onde a maioria das agressões aconteciam dentro do relacionamento.
Apesar de viver em um meio de agressões, foi na capital federal que a mineira recebeu ajuda da delegada Grace Justa, da Polícia Civil do Distrito Federal, que a orientou a fazer parte do Instituto Umanizzare – grupo que integra vítimas de violência doméstica. “Aqui no Distrito Federal, eu conheci esse grupo que me deu apoio de não ter totalmente o ciclo de violência doméstica. Devido ao relacionamento, eu perdi o cabelo, tive problemas de saúde, tomei vários antidepressivos, fiz tratamento psicológico e, desde então, que eu comecei a participar do grupo do qual a doutora Grace proporciona às mulheres, eu fui começando a sair”, revela.
Segundo Rosa, o ex-companheiro era “mestre” em colocá-la para baixo com comentários relacionados ao seu corpo. “Eu era mulher feia, eu era seca. Tanto que eu era constrangida a respeito da magreza, porque além de tudo ele falava também que eu era negra”, lembra a vítima.
Análise de dados
Também foram analisados dados sociodemográficos como idade, raça ou cor, estado civil, escolaridade, profissão, renda, local e situação de moradia, quantidade de filhos, vínculo com o agressor, tempo de relacionamento e naturalidade.
O estudo comprovou que tanto agressores quanto as vítimas tinham baixa escolaridade. As mulheres, em sua maioria, atuavam em atividades socialmente desvalorizadas e tinham renda média inferior à dos parceiros ou ex-parceiros.
A pesquisa também evidenciou que, em quase metade dos casos (47%), a diferença de idade entre agressor e vítima era de dez anos ou mais. Esse dado também se relaciona com a renda dos envolvidos: nas situações em que o agressor era ao menos dez anos mais velho, a diferença de renda entre os dois chegava a cinco salários mínimos, em média. Nos casos em que a diferença de idade era menor, a disparidade de renda caía para 1,5 salário mínimo, em média.
O fim da relação foi outro fator de risco significativo. Em 61,8% dos casos, as vítimas haviam se separado ou estavam tentando se separar; 26% e já haviam sofrido ameaças para não deixar o agressor. Entre os casais que haviam se separado, o tempo médio entre o término do relacionamento e o feminicídio foi de 38 dias. O período mais longo foi de 150 dias e, no caso mais rápido, o crime ocorreu no mesmo dia do rompimento.
Números no DF
O Distrito Federal registrou oito casos de feminicídio somente nos primeiros quatro meses de 2021. No mesmo período do ano passado, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) havia contabilizado seis ocorrências da mesma natureza.
No ano passado, o Distrito Federal contabilizou 17 vidas perdidas pelo crime. Em 2019, 32 casos foram registrados. Com relação às tentativas de feminicídio, entre janeiro e abril deste ano, foram 23 ocorrências e em 2020, 16 notificações.
Colaboração Larissa Passos