Juiz fala em ‘medida higienista’ e manda governo do DF indenizar moradores de rua
Com a verba, a entidade deverá realizar "ações em prol das pessoas em situação de rua de Brasília"
A Justiça do Distrito Federal determinou ao Governo do DF que devolva objetos pessoais e pague R$ 5 mil de indenização a 24 moradores de rua que foram retirados do local em que dormiam em uma operação da Secretaria de Segurança distrital em setembro do ano passado.
A decisão é do juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública da capital, Paulo Carmona, e também manda o Executivo local pagar R$ 300 mil de danos morais coletivos ao Instituto Cultural e Social no Setor, que moveu a ação.
Com a verba, a entidade deverá realizar “ações em prol das pessoas em situação de rua de Brasília”. O magistrado afirmou que a operação do governo do DF não teve “conteúdo racional e proporcional” e “transparece medida de cunho higienista”, na contramão do que prevê a Constituição.
Carmona faz um histórico desse tipo de medida, citando ações do prefeito do Rio de Janeiro Paulo Passos entre 1902 e 1906 que resultaram na expulsão da população mais pobre das áreas centrais do RJ e que contribuíram para as pessoas serem “estigmatizadas como portadores de doenças transmissíveis e ‘vícios morais'”.
Segundo o juiz, a política higienista serve apenas para “esconder os problemas urbanos”, uma vez que, ao expulsar os moradores de rua da área central da cidade, a consequência é que migrem para outras regiões da cidade em que as operações não são comuns.
“Qual o propósito de retirar a população em situação de rua do Setor Comercial Sul se não ‘limpar’ a área para torná-la atrativa economicamente para os que já são mais abastados, usuários e proprietários de imóveis comerciais e residenciais na região?”, afirmou.
O juiz também proibiu o governo local de “praticar operações que violem os direitos fundamentais dos moradores em situação de rua” e de recolher seus pertences, sob pena de ser multado em R$ 3 mil a cada ato praticado desta natureza.
Carmona ainda citou que Ministério Público relatou, nos autos do processo, que “as ações desumanas” do governo local não ocorreram apenas em setembro de 2020, mas também em julho deste ano. E isso teria ocorrido no “período de frio intenso, com a apreensão de cobertores, vestimentas e objetos básicos de garantia da sobrevivência’.
Além disso, afirmou que, apesar de o Executivo local ter políticas públicas adequadas para essa população, neste caso concreto a atuação “destoou do dever de boa administração”. Cabe recurso contra a decisão.
Nos autos, o governo do DF afirmou que a ação não deveria prosperar porque o instituto que a moveu não teria legitimidade para acionar o Judiciário nesse tipo de caso. O argumento, porém, não foi acolhido pelo juiz.