Exclusivo: membros do Vale do Amanhecer acusam presidente de transformar doutrina religiosa em mercadoria
OUTRO LADO - Raul Zelaya, presidente da instituição, nega todas as denúncias e se diz perseguido. "É tudo mentira"
Membros da doutrina religiosa Vale do Amanhecer acusam presidente atual, Raul Zelaya, de transformá-la em mercadoria em benefício próprio. A informação, divulgada com exclusividade pelo portal Mais Brasília, vem à tona dias após seis dos membros da doutrina serem expulsos, no dia 16 de fevereiro deste ano, da sede física principal da instituição, localizada em Planaltina, no Distrito Federal.
Dois deles – Joelson Miranda e Marlete Tagana – procuraram a redação do Mais Brasília, municiados de processos judiciais e dezenas de exemplos de casos concretos; apontando suspeição de enriquecimento ilícito próprio pelo atual presidente, falta de prestação de contas do dinheiro arrecadado, manutenção de funcionários trabalhando a décadas para a instituição sem registro em carteira, agressões físicas e verbais, reformas de obras superfaturas e locais públicos insalubres dentro do templo; além de diversas modificações nos rituais da doutrina original.
Segundo os denunciantes, somente entre 2014 a 2018, a entidade arrecadou mais de R$ R$ 8.979.664,23 milhões; porém, a presidência atual não sabe explicar cadê o dinheiro. Os médiuns ainda denunciam o administrador atual por tentar esconder patrimônio físico do Vale do Amanhecer ao dizer que a entidade tem somente 2 imóveis no valor total de R$ 750mil, quando os valores reais destes dois bens ultrapassam R$ 30 milhões; e ao deixar de listar 11 imóveis.
Todos estes dados constam em um processo que corre nas Varas Judiciais desde 2014, quando a telefônica TIM processou o atual presidente como apropriação indébita. À época, ao invés de ganhar a quantia de R$ 952,67, a companhia telefônica depositou, por engano, o valor de R$ 581.294,95 mil na conta de uma das filhas de Raul Zelaya, e precisou mover um processo judicial para reaver o dinheiro. Com 1774 mil páginas, o processo enumera exemplos.
Por causa desde processo da TIM, durante todos estes anos, os imóveis e terrenos do Vale do Amanhecer, no Distrito Federal, em Planaltina, que estão no nome da instituição religiosa OSOEC e são inventariados pelo IPHAN, já que a falecida Tia Neiva (médium clarividente que fundamentou a doutrina) não deixou bens a herdeiros via testamento (vide Certidão de Óbito), correram o risco de serem leiloados para pagar o débito milionário com a telefônica.
Somente agora – em 2023 -, que a Justiça decidiu definitivamente por não leiloar os imóveis e condenou o atual presidente da instituição a arcar com o pagamento da dívida para com a TIM.
Além disso, no último dia 20 de março de 2024, a Justiça do DF também decidiu por derrubar a liminar que impedia os membros expulsos da instituição de entrarem no Tempo. Conforme decisão judicial, “privar um ser humano do direito de exercer seu sentimento religioso é um ato gravíssimo”.
A decisão, da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), é assinada pelo juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros e estabelece que a expulsão “afeta a dignidade humana porque priva diretamente o sentimento religioso daqueles que foram expulsos.” O juiz esclarece ainda que a Constituição garante o direito à liberdade de culto e expressão e o direito ao contraditório.
“Raul nos expulsou no dia 16 de fevereiro, após criticarmos a maneira opressiva e autoritária da atual administração. Com o processo correndo na Justiça, não podíamos entrar no templo para exercer a nossa mediunidade, aquilo que Deus nos deu, nem professar nossa fé.”, cita Joelson Miranda.
A “maneira autoritária” de o atual presidente Raul Zelaya agir, a que se refere o médium, nunca foi fortemente denunciada porque, conforme os denunciantes, os membros da própria doutrina, além de temerem represálias quiseram, durante anos, evitar manchar a imagem do Vale do Amanhecer, envolvendo-se com questões que não fossem estritamente religiosas, como as questões financeiras.
“Seguramos, por décadas, tocar em assuntos que não fossem espirituais porque nós médiuns acreditamos que nossa missão na doutrina é preocuparmos somente com o lado espiritual. Porém, este lado está sendo atacado. Os rituais fundamentados por Tia Neiva e que nós cultuamos no Vale do Amanhecer estão sendo modificados de maneira profana. Portanto, recorremos à Justiça. Queremos agora saber como está sendo gasto todo o dinheiro que fiéis de todo o mundo enviam por meio de doações e taxas ao Vale do Amanhecer”, adianta Joelson Miranda.
O denunciante afirma que os atuais diretores da OSOEC já alteraram mais de 80 rituais deixados por Tia Neiva. Miranda explica que Tia Neiva se preparou para essa missão perante Jesus: “Ela era uma médium clarividente, já nós, não vemos um palmo a nossa frente, temos que respeitar o que ela deixou. Na minha opinião, especialmente nós doutrinadores somos obrigados a honrar os ensinamentos dela.”.
“GOLPE”/ CARGOS VITALÍCIOS
Os pais de Miranda fazem parte da doutrina desde 1973 e ele e seus irmãos nasceram na doutrina. Segundo Miranda, em 2009, Raul Oscar Zelaya, o atual presidente da OSOEC, teria dado “um golpe”.
Isto porque Zelaya convocou uma assembleia tumultuada, com cerca de 60 pessoas, “para alterar o estatuto, tornando os cargos de presidente e vice-presidente vitalícios, colocando nesses cargos ele próprio, filho e neto, fazendo assim uma dinastia para os próximos 60 anos. Imediatamente após assumir a presidência, proibiu o seu próprio irmão e outras dezenas de médiuns a entrar no templo do Vale do Amanhecer (conhecido na doutrina por templo mãe, e localizado em Planaltina, no DF. De lá para cá, ele tem governado [a doutrina] com ‘mãos de ferro’, onde quem não concorda com a sua gestão é perseguido, com destaque para os mestres veteranos, para calar de vez as vozes dissidentes.”
GESTÃO FINANCEIRA SEM TRANSPARÊNCIA
“Na parte material, não há nenhuma transparência na gestão financeira. Não há prestações de contas. Há malversação dos recursos arrecadados pela OSOEC, com fortes indícios de que os valores são desviados para o próprio Raul ou seus filhos. O Conselho Fiscal e de Ética são conivente com toda essa situação, uma vez que são formados por pessoas indicadas por ele, sem eleição. Por denunciar toda essa situação, eu e um grupo de médiuns do Vale do Amanhecer fomos expulsos.”, revela Joelson Miranda.
Um vídeo antigo publicado nas redes sociais mostra a confusão do dia da assembleia a que se refere o médium. Nas imagens, aparecem pessoas gritando e se agredindo, confusão que acabou acionando a polícia.
Considerado um dos maiores centros espiritualistas da América do Sul, o Vale do Amanhecer conta com cerca de 800 mil membros (fiéis) em todo o Brasil e no exterior. Fundada em 1959, a doutrina do Vale do Amanhecer é uma religião cristã espiritualista, fundamentada pela médium clarividente Neiva Chaves Zelayla, conhecida por seus seguidores como Tia Neiva, que funde espiritualismo com antigas civilizações. Entre a simbologia cultuada no Vale do Amanhecer estão estátuas de figuras emblemáticas como o Pai Seta Branca, um índio tupinambá que, segundo Tia Neiva, seria a reencarnação de São Francisco de Assis.
O sincretismo religioso também está expresso nas construções da chamada sede mãe, localizada em Planaltina, distante 40 quilômetros de Brasília. Lá, ao redor de um lago, foram erguidos uma pirâmide, uma construção em forma de espaçonave, um templo de oração com seis pontas e várias esculturas em forma de eclipse. Entre “médiuns residentes” e pessoas sem filiação com a doutrina, o Vale do Amanhecer é o nome pelo qual é conhecida a comunidade religiosa oficialmente denominada Obras Sociais da Ordem Espiritualista Cristã – OSOEC. Nesta Ordem, deixada por Tia Neiva, há 21 falanges.
Raul Zelaya, atual presidente da instituição, nega todas as denúncias e se diz perseguido com a mesma ferocidade com que perseguiram a mãe dele, Tia Neiva, fundadora da doutrina do Vale do Amanhecer, que faleceu em 1985 . “É tudo mentira”, disse à repórter Paula Coutinho, em uma entrevista de quase duas horas.
Entre uma fala e outra, sobre as dezenas de processos a que responde, Zelaya afirmou que “já está tudo nas mãos do juiz”. Mas não entregou documento algum à reportagem. “Sou comandante de mais de 200 templos, no Brasil e na Europa. Sou aposentado do Senado, na Polícia do Legislativo Federal. Minha aposentadoria é de R$ 26 mil. Com isso, eu preciso roubar? Tenho uma casa em meu nome e mais nada.”
Raul Oscar Zelaya Chaves é – no mínimo – uma figura emblemática. Com 73 anos, olhos azuis, fala firme tom de voz que amansa e muda a depender do diálogo. Durante a conversa, questionado sobre qual seria o cargo dele, Zelaya se comparou ao Papa. “O Papa na doutrina Católica. Eu seria o Trino.”
Sobre prestação de contas e mudanças no estatuto, Zelaya diz que “não deve satisfações a ninguém porque é vitalício.” Acerca de como mantém o local, o homem afirmou que o Vale vive de doações voluntárias que, na verdade, são esmolas. “Vivemos de doações, de esmolas, porque doação, na verdade, é esmola”. E emendou: “Não se cobra taxas, dízimos. Não receitamos remédios. A pessoa que trabalha como voluntário não tem horário, compromisso.”
AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS
Elaborada neste mês de fevereiro de 2024, análise preliminar sobre as demonstrações contábeis da OSOEC, no período de 2014 a 2018, contesta os dados apresentados nos autos do processo de nº 0701576-73.2018.8.07.0005, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
No processo, a atual presidência da OSOEC estipula como despesas somente contas de água, luz e, como receita, as doações; esquecendo-se das despesas com cartórios, despesas com marcas e patentes, despesas com material de escritório e expediente e taxas bancárias, fornecedores, salários de funcionários, material de limpeza, manutenção predial; e de receitas como rifas, venda de materiais doutrinários, venda de materiais de consagração, venda de cursos, bazares e bingos, receita de aluguéis e ação entre amigos. O documento contém de 40 páginas, foi assinado por um perito contábil e encaminhado ao juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do Distrito Federal.
Num dos trechos, logo na introdução ao assunto, na página 9, o documento diz:
“Não se pode acreditar que uma entidade religiosa que congrega aproximadamente 200 templos e tem milhares de seguidores arrecada apenas R$ 2,2 mil reais por mês?”. E continua: “Veja que no período de 2014 a 2015, as doações tinham comportamento praticamente idênticos às despesas de CEB e CAESB, ou seja, na faixa de R$ 2.200,00.”
Nas próximas páginas, o texto traz uma amostra das receitas da instituição, listando uma a uma. Segundo documentação, apenas a Lojinha vendeu mais de R$ 1 milhão entre 2014 a 2018.
VENDAS DA LOJINHA NÃO REGISTRADAS
Existe, dentro da sede do Vale do Amanhecer, em Planaltina, uma loja. Conhecida por Lojinha, o local vende broches, colares, anéis, pulseiras, adesivos, livros, entre outros. Lá, comercializa-se também adereços que compõem a vestimenta dos médiuns; a exemplo de fitas, coletes, placas de identificações. A Lojinha existe desde a fundação do Vale do Amanhecer; época em que a fundadora da doutrina estava viva. Toda a operação da Lojinha, de compra, atendimento e comercialização, se dá em nome da OSOEC, entidade detentora dos direitos patrimoniais e imateriais da doutrina do Vale do Amanhecer. Apenas em 2014, a Lojinha movimentou cerca de R$ 246.605,00.
Destaca-se que a Lojinha comercializa esses artigos não apenas para os médiuns do Templo Mãe (em Planaltina, no DF), mas também para médiuns de centenas de templos do Vale do Amanhecer, espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Frisa-se ainda que tais templos são obrigados a comprar os artigos doutrinários exclusivamente na Lojinha da OSOEC.
Ainda segundo documento nos autos do processo, como os valores de comercialização dos produtos aumentaram ao longo do período compreendido entre 2014 e 2018, a cifra de R$ 246.605,00, apenas para o exercício do ano de 2014, foi replicada para todo o período como uma média aproximada, mesmo que com valores abaixo do arrecadado. Estima-se então que, neste período, a Lojinha lucrou R$ 1.233.025,00 milhões.
Durante a produção dessa reportagem, para confirmar como saem os recibos de compra e venda da Lojinha, a repórter foi ao local e comprou dois broches no valor de R$ 16. O dinheiro cai em uma conta de pessoa física – Karla Dryele Almeida da Mata Zelaya -, e não na conta da OSOEC, como deveria constar, já que a Lojinha é pessoa jurídica e pertence a OSOEC. Karla Zelaya é nora de Raul Zelaya, casada com seu filho “Raulzinho”, vice-presidente vitalício da OSOEC.
FUNCIONÁRIOS SEM REGISTRO EM CARTEIRA
De acordo com documentação juntada ao processo, a OSOEC conta com pelo menos três funcionários, sendo duas funcionárias (Conceição e Lúcia) encarregadas das vendas dos artigos doutrinários da Lojinha e um funcionário para auxílio administrativo da diretoria da OSOEC, conhecido como Waltinho.
Embora tais funcionários exerçam as suas funções laborais cotidianamente, “não há relatos ou evidências de assinatura da carteira de trabalho de tais funcionários.”
Ainda segundo os denunciantes, “estes funcionários exercem funções não mediúnicas e são pagos pelo trabalho de maneira informal, sem o cumprimento das obrigações trabalhistas e tributárias sobre a folha de pagamento. Há também despesas com funcionários que fazem a limpeza dos banheiros, ainda que de maneira muito precária.”
Para o pagamento destes trabalhadores, estima-se que a OSOEC gaste, por ano, um valor aproximado de R$ 60 mil. Apesar disso, esses lançamentos não constam dos documentos contábeis apresentados aos juiz da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do TJDFT.
ALUGUEL DE ATACAS
Outra fonte de receita da instituição é o aluguel das atacas, um utensílio religioso usado em rituais exclusivo para os médiuns. Para execução destes rituais, os médiuns homens precisam de uma vestimenta especial, que consiste em uma faixa denominada de Ataca, que cruza o tronco do médium.
As Atacas são alugadas na Lojinha. Atualmente o aluguel de uma ataca custa R$ 15,00. Ao final do ritual, as atacas são devolvidas. Fala-se, no Vale, que essas Atacas são as mesma da época da Tia Neiva; ou seja, de antes de 1985. Em média, estima-se que toda semana, 65 médiuns alugam atacas.
Considerando-se o valor de aluguel de Ataca de R$ 10,00 ao longo do período de 2014 a 2018, e considerando-se que o ano tem 52 semanas; neste período, segundo demonstração contábil dos denunciantes, a instituição movimentou, somente com o aluguel de Atacas, o valor de R$ 169.000,00.
VALORES PAGOS PELOS MÉDIUNS À OSOEC PARA CONSAGRAÇÕES
Na doutrina, há diversos rituais. Porém, a título de análise, em três destes rituais – as consagrações de Iniciação, de Elevação de Espadas e as Centúrias -, segundo balancete contábil nos autos do processo, a OSOEC arrecadou, neste período destes 4 anos, mais de R$ 400 mil.
Com as Consagrações de Iniciação estima-se que foram R$ 150.000,00; com as de Elevação de Espadas o montante foi de R$ 151.200,00; e com as Centúrias a OSOEC teria arrecadado R$ 129.000,00. Ao todo, conforme os autos do processo, as receitas totais com consagrações no Vale do Amanhecer entre 2014/2018, ficaram em R$ 2.151.000,00 milhões.
O documento explica ainda que considerou uma diminuição do número de médiuns participantes das consagrações porque não existe transparência nos dados. Caso seja solicitado em processo dados cadastrais de determinados médiuns – Os Devas – os números acima citados podem ser confrontados e maiores.
CURSO SÉTIMO RAIO
No período de 2014-2018, o curso foi ministrado apenas nos anos de 2015 e 2017. Os valores cobrados pelo curso são exatamente os apresentados; portanto, não se trata de estimativa. Neste período, somente com este curso, a instituição arrecadou R$ 289.600,00.
Ressalta-se ainda que os cursos de Sétimo Raio foram ministrados no Templo Mãe e em aproximadamente 20 templos do Amanhecer espalhados pelo Brasil.
BAZARES DE ROUPAS
Outra receita da OSOEC vem por meio dos bazares de roupas organizados pela instituição. As roupas vendidas são objeto de doações dos médiuns pertencentes ao Vale do Amanhecer. As vendas também são realizadas voluntariamente pelos médiuns. Não há custos na operação dos bazares.
Apesar do montante arrecadado, também não há registros contábeis deste dinheiro. Mas, segundo o balancete contábil apresentado à Justiça pelos denunciantes nos autos do processo, todos os valores arrecadados foram integralmente repassados à OSOEC. Ainda segundo a denúncia, entre 2014 a 2018, o bazar da OSOEC arrecadou aproximadamente R$ 300 mil.
AUSÊNCIA DE BENS PATRIMONIAIS
Segundo a prestação de contas apresentada, assinada pelo presidente da instituição, Raul Zelaya, a OSOEC possui, em seu balanço contábil, apenas dois patrimônios materiais em seu ativo; são eles: o Templo-Mãe, no valor de R$ 300 mil, e o Solar dos Médiuns no valor de R$ 450 mil.
Estes valores listados pela presidência estão muito aquém do real valor dos imóveis.
Para se ter uma ideia, em 2018, um lote vazio, de 300 metros quadrados, localizado nos arredores do Templo Mãe (em Planaltina, no Distrito Federal), custava em torno de R$ 100 mil. A área total do Templo Mãe tem em torno de 40 mil metros quadrados, ou seja; o terreno do imóvel equivale a 133 lotes de 300 metros quadrados cada. Logo, o patrimônio material denominado TEMPLO tem um valor de R$ 13,3 milhões. Já o segundo ativo citado do balanço patrimonial da OSOEC, denominado Solar dos Médiuns, tem uma área aproximada de 70 mil metros quadrados; tendo um valor patrimonial estimado em aproximadamente R$ 23,3 milhões.
Além disso, conforme o processo judicial de nº 0000824-57.2018.8.07.0001, a OSOEC, além de possuir estes dois patrimônios, deixou de fora da lista uma série de outros imóveis.
São eles: o Café do Vale; a Lanchonete Xingu; a Sala dos Magos; a Destinação diversa (antiga fotografia); a Pizzaria Estrela do Sabor (atual Chicago Burger); o Restaurante, a Lanchonete Kamylus; o Salão de Costura e a Lojinha do Vale.
Além destes, o processo cita outros nove imóveis: um terreno vazio e cercado de muro de alvenaria; outro terreno vizinho a este primeiro, com construção de alvenaria, onde ficava localizado um antigo posto policial na década de 90 e que também está cercado com um muro de alvenaria; um complexo de salas denominado Pequeno Pajé, local destinado ao trabalho espiritual com as crianças; o Salão Grupo Jovem, local destinado às aulas de desenvolvimento mediúnico dos jovens; o Auditório Tia Neiva, local destinado às aulas de desenvolvimento mediúnico dos
médiuns; o Antigo Pequeno Pajé, terreno com uma pequena Oca; a Casa de apoio para materiais de obras; o antigo Orfanato, este é localizado fora da área do Templo Mãe e a residência onde morou a fundadora Tia Neiva, que atualmente funciona em formato de museu para visitação.
AUSÊNCIA DE REGISTROS CONTÁBEIS A CERCA DE RECEITAS COM MOEDAS ESTRANGEIRAS
Como citado no processo, atualmente a doutrina do Vale do Amanhecer conta com algo próximo a mil templos espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Desses, mais de 200 são associados à OSOEC, sendo alguns deles estabelecidos fora do Brasil, na América do Sul, do Norte e na Europa. Para esses casos, naturalmente os valores arrecadados em decorrência das consagrações e cursos são em moedas estrangeiras.
Apesar disso, não consta nas demonstrações contábeis da instituição nenhum registro a respeito, levando-se inclusive suspeitas de eventuais ausências de declarações e outras formalidades junto aos órgãos federais competentes. Por esta razão, nos autos do processo, os denunciantes também pede ao judiciário que o Banco Central do Brasil e a Receita Federal do Brasil sejam notificados a respeito.
DOAÇÕES DE TODO O BRASIL E EXTERIOR
Sobre doações, os denunciantes são taxativos: “Se fossem registrados, os valores seriam extremamente vultuosos no período entre 2014 a 2018, chegando na casa dos milhões, mas neste item pela total ausência de informações, deixamos de estimar a respectiva receita.”
CASO TIM/ESCÂNDALO NACIONAL
Segundo os denunciantes, a utilização de contas bancárias pessoais para movimentações financeiras da OSOEC é prática comum usada pelos dirigentes da OSOEC. Para exemplificar, eles citam o caso da operadora telefônica TIM que, à época, virou um escândalo nacional.
Tudo começou com uma antena. O impasse teve início no dia 5 de março de 2014. A TIM Celular S.A. alugava, havia 10 anos, um terreno de 144m² da Ordem, onde tinha instalado antena de transmissão de telefonia. A companhia pagava, regularmente, todos os meses, o valor de até R$ 952,67 mensais.
Porém, transferiu, por engano, R$ 581 mil para a conta bancária de Nitya Santos Zelaya Castro, filha do presidente da Ordem, Raul Oscar Zelaya Chaves. Raul Zelaya é um dos quatro filhos da fundadora do Vale do Amanhecer, a médium clarividente Tia Neiva.
Em 1º de abril de 2014, alegando equívoco, a companhia telefônica solicitou a devolução do montante via judicial. Mas, no dia seguinte, após confirmar o recebimento do valor, a Ordem restituiu à empresa apenas R$ 300 mil. Com o impasse gerado, a TIM recorreu à Justiça.
Ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Raul Zelaya alegou ter gastado o restante do dinheiro “com reformas, benfeitorias e pagamentos de débitos que se encontravam em atraso pela entidade”. Conforme à Justiça, Raul ainda disse ter acreditado “que o depósito foi feito como doação”.
E mais: o presidente da OSOEC propôs um abatimento do valor do aluguel como forma de reembolsar os R$ 281 mil devidos à empresa, a qual rechaçou a proposta, pois demoraria 24 anos para recuperar os recursos.
Em março de 2016, a juíza de direito da 18ª Vara Cível do TJDFT determinou a penhora dos 10 blocos da Ordem, incluindo o Templo-Mãe e o estacionamento. Nem mesmo comerciantes do local, que construíram seus estabelecimentos dentro das instalações do Vale, escaparam da decisão judicial. Um deles, o artista plástico Joaquim Silva Vilela, é proprietário de uma loja no terreno. Vilela chegou ao Vale do Amanhecer há décadas; são dele as obras de arte que decoram a maior parte do local, inclusive o santuário principal.
“Ano passado, 2023, Raul Zelaya foi condenado por apropriação indébita. Ele não pagou pena porque o prazo já estava prescrito. Mas ele foi condenado no processo da TIM, e os valores são corrigidos. Na época, exceto dois boxes em que os proprietários conseguiram comprovar que construíram no local. A TIM solicitou na Justiça a penhora de imóveis – do Bloco A até o Bloco L. Neste processo, eles [Raul Zelayla] não entraram com embargo de terceiros. Tudo aqui ia ser leiloado, só não foi leiloado porque o Ministério Público e a Terracap entraram na questão e a própria juíza indeferiu a liminar de leilão. Em 2020, Raul fez um contrato com outra empresa de antenas, no valor de R$ 8 mil por mês por 10 anos. De 2020 a 2023, estes aluguéis deram quase R$ 300 mil e entraram na conta da OSOEC. Inclusive, a juíza solicitou que este dinheiro fosse utilizado para pagar a TIM.”, diz um dos denunciantes.
Sendo assim, os denunciantes solicitam ao judiciário a quebra do sigilo bancário do presidente da OSOEC, do primeiro, segundo e terceiro vice-presidente, do diretor tesoureiro e seu suplente e dos parentes desses no nível de primeiro grau, caso não se encontre nos extratos bancários da OSOEC movimentações financeiras compatíveis com o que fora apresentado neste documento.
Atualmente, por causa da correção monetária e juros de mora, o valor da dívida está em mais de R$ 1 milhão. No último dia 25 de março de 2024, a Ordem pagou R$ 75 mil, valor de uma das parcelas da dívida com a TIM.
VALE DO AMANHECER COMO PATRIMÔNIO IMATERIAL
Em 2010, a Superintendência do Distrito Federal do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) concluiu o livro-inventário do Vale do Amanhecer, trabalho iniciado em 2007. Nele, o Instituto explicita que, por meio do decreto de número 3551, de 4 de agosto de 2000, que institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e cria o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial, o IPHAN vem realizando políticas públicas voltadas para o reconhecimento, a valorização e o apoio sustentável aos chamados bens culturais de natureza imaterial. O local da sede mãe do Vale do Amanhecer está, portanto, inserido neste contexto de patrimônio imaterial.
Desde então, ofícios e modos de fazer tradicionais, formas de expressão (musicais, coreográficas, cênicas, literárias e lúdicas), lugares onde se concentram ou se reproduzem práticas culturais e celebrações coletivas associadas, em especial, a minorias étnicas e segmentos sociais marginalizados, passaram a ser, de modo sistemático, objeto de ações de inventários, de proposições de registros e de projetos de salvaguarda.
Em Brasília, a Superintendência do IPHAN do Distrito Federal, após realização de pesquisas e inventários voltados para o conhecimento das principais características da demanda religiosa local, destacou dois locais como possíveis patrimônios imateriais: o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) dos Lugares de Culto de Matrizes Africanas e Afro-Brasileiras e o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) do Vale do Amanhecer.
Segundo IPHAN, em 1959, juntamente com um tímido grupo de religiosos, Tia Neiva funda, na região da Serra do Ouro, no município de Alexânia, Goiás, a União Espiritualista Seta Branca – UESB. Já instalada na Serra do Ouro, a pequena comunidade não parava de receber novos adeptos. Em fevereiro de 1964, Tia Neiva e seu grupo se transferem para Taguatinga, mais precisamente para a QNC 11, Lote 15. É o fim da UESB e o começo da OSOEC, fundada em 30 de junho do mesmo ano.
Esse acontecimento é entendido por alguns adeptos como decisivo para a expansão da comunidade religiosa. No entanto, Taguatinga ainda não seria o último local deste grupo. Conforme os adeptos acreditam, orientados pela Espiritualidade, o grupo foi guiado para os arredores de Planaltina e, no ano de 1969, estabelece suas raízes e crenças no espaço hoje conhecido como Vale do Amanhecer.
A PRIMEIRA FALANGE CRIADA POR TIA NEIVA
Neste contexto é que surgiram os fiéis de todos os locais do Brasil e do mundo, com as mais diversas histórias de dor, amor ou superação. Fiéis como Marlete Pereira de Queiroz, de 63 anos, que entrou no Vale do Amanhecer com 15 anos idade.
Na doutrina, ela é conhecida como Marlete Tagana, e é classificada como a Primeira Cigana Tagana, cargo deixado a ela pela própria por Tia Neiva, quando a fundadora ainda estava viva (Tia Neiva desencarnou em 1985).
“Nossa luta é para manutenção da originalidade da doutrina. Nosso estatuto foi alterado de uma forma obscura, ninguém ficou sabendo. Houve muita confusão, brigas. E este novo estatuto dá plenos poderes a este novo dirigente. E nós não o consideramos um líder espiritual. Os médiuns, em sua maioria, não concordam [com essas mudanças], porque a Tia [Tia Neiva] já deixou tudo prontinho. Nós somos espiritualistas, a nossa doutrina é ritualística e ela precisa de leis para que se cumpram os objetivos da própria doutrina. Porém, quem vai contra essas alterações, é expulso, é afastado. Existem grandes retaliações neste sentido.”, relata a Primeira Cigana Tagana.
Marlete está entre os seis membros do Vale do Amanhecer expulsos no dia 16 de fevereiro deste 2024, que conquistaram, via liminar judicial, no 20 de março, o direito de retornar ao templo. A Falange comandada por Marlete conta com 18 mil mulheres.
Dias após a expulsão, algumas dessas mulheres, conhecidas como Ninfas e missionárias, saíram às ruas nos arredores do Vale, em uma manifestação, para pedir à atual administração que não expulsasse a líder delas. Mas o presidente da instituição não quis ouvi-las.
Em vídeos, é possível notar que a manifestação foi pacífica.
“Em um passado próximo já houve listas de médiuns que não podiam entrar dentro do Templo. Entre estes proibidos esteve o falecido Gilberto Zelaya, filho de Tia Neiva. Ele estava nesta lista. Ele não podia entrar dentro do Templo. E continuou assim até o final da vida dele, não entrando no Templo-Mãe, pela proibição do atual presidente, que era irmão dele. Ele morreu enquanto ainda proibido de entrar em um local que a mãe dele construiu”.
E continua: “Na época, os médiuns entenderam que não valia a pena entrar em atrito e ir ao Tempo. Só que nós, neste momento, nós achamos o contrário. Nós temos o direito e precisamos preservar nossa doutrina. Nosso grupo, movimento Renovação do Amanhecer, foi criado única e exclusivamente com esse objetivo, de lutarmos para resgatar a nossa liturgia, as nossas leis, a nossa doutrina; para que ninguém nunca mais passe pela humilhação e pelo desconforto de ser expulso, de ter o nome em uma lista onde não se pode entrar, em um lugar que é para ser de amor e de acolhimento”.
ALTERAÇÕES RITUALÍSTICAS DOS FUNDAMENTOS DE TIA NEIVA
Segundo Marlete, há um descontentamento coletivo com as alterações ritualísticas que muito frequentemente tem sido realizadas, desmantelando a doutrina, algo que já foi constatado até pelo poder judiciário. Para a médium, existe uma tristeza imensa do corpo mediúnico ao ver os ensinamentos da médium fundadora, a clarividente Tia Neiva, serem deixados de lado.
“O Raul acabou de inventar esse broche que usa no colete para trabalhar, que é o Broche da cantora. Então, as Ninfas, as mulheres que cantam, vão ter que comprar este broche, pagar o broche, colocar no colete, para poder cantar. É a mais nova invenção para ganhar dinheiro. Outra coisa é sobre um trabalho chamado Angical. Ele também inventou uma carteirinha no valor de R$ 50, que agora a gente tem que pagar, senão era proibido de entrar no Templo, nunca houve isso antes, e foi um faturamento absurdo”.
Exemplos não faltam sobre mudanças nos rituais e novas cobranças de taxas. Um destes é o caso da Ninfa Marta Geruza, de 66 anos, que ingressou no Vale do Amanhecer aos 14 anos de idade.
“Recebi todas as minhas classificações pelas mãos de Tia Neiva. Essa já foi a segunda vez, a primeira vez eu não registrei nenhum boletim de ocorrência porque eu não sabia se podia e também eu não queria envolver o nome do Vale do Amanhecer. Mas acontece que ‘as pessoas’ não estão preocupadas com isso, em zelar pelo bom nome do Vale do Amanhecer, e da espiritualidade, que está mais do que achincalhada com esses desmandos desse ‘terrorista’ que nós temos aqui no Vale do Amanhecer, conhecido por senhor Raul Zelaya. Mas, quem me tirou de dentro do Templo não foi ele. Foi um menino de nome Pablo, que me abordou. Eu estava prestes a realizar um trabalho de Randy, dentro do Templo, após a saída da Escalada, da entrega da energia da Escalada. Já quase tudo pronto para os pacientes entrarem, porque ali é um trabalho de cura. Aí chegou este jovem que eu não conheço, junto a outro, que também não conheço e não sei o nome. Ele chegou e me abordou. Não perguntou nem quem eu ele. Ele disse: ‘A senhora mudou a sua emissão?’ Eu olhei para ele para saber quem era com quem eu estava falando. Porque até então eu estava me preparando mediunicamente para concluir o trabalho. Eu olhei para ele e disse não. Ele me disse: ‘A senhora é convidada a se retirar. Não pode realizar este trabalho’. Eu disse: Oi? Ele me deu calado como resposta. Eu só me virei para a Pira, porque estávamos num ponto chave do Templo, agradeci a Espiritualidade a oportunidade de realizar um trabalho, mas que fui impedida. Aqui no Vale do Amanhecer, se você não fizer o que ‘eles’ querem, você não trabalha. Não mudo a minha emissão por nada, porque foi Tia Neiva que colocou.”
Em reportagens antigas em vídeo, o atual presidente da OSOEC, Raul Zelayla, afirma que manterá todos os rituais deixados pela mãe, Tia Neiva, ao fundamentar a doutrina do Vale do Amanhecer.
BANHEIRO FEMININO INSALUBRE
Outra reclamação grave dos denunciantes é quanto à condições do banheiro feminino instalado no Tempo para uso das médiuns. Em fotos cedidas ao Mais Brasília, nota-se que fiação desencapada e descascando, fios soltos próximos às pias, sanitários interditados e sem portas, teto caindo e telhas escoradas em janelas, paredes com rachaduras e sujeira. De acordo com os denunciantes, o banheiro masculino também é insalubre.
HISTÓRIA DE TIA NEIVA
Neiva Chaves Zelaya, conhecida por Tia Neiva, é a médium clarividente brasileira que fundamentou a doutrina espiritualista Vale do Amanhecer. Sergipana de Propriá, ela veio para o Distrito Federal na época da construção de Brasília. Casou-se, aos 18 anos, com Raul Zelaya Alonso, então secretário do engenheiro Bernardo Sayão, e com ele teve quatro filhos: Gilberto, Carmem Lúcia, Raul Oscar e Vera Lúcia. Ficou viúva aos 22 anos.
Viúva e com quatro filhos e sem recursos, buscou atividades comerciais para sobreviver – abriu o Foto Neiva, em Ceres (Goiás), trabalhou como costureira, agricultora e, por fim, aprendeu a dirigir e se tornou a primeira motorista profissional do Brasil, caminhoneira.
Com seu caminhão e os filhos a tiracolo, percorreu diversos estados brasileiros, atuando como frentista ou mascate, até fixar-se em Goiânia e receber o convite, por parte de Bernardo Sayão, para trabalhar na construção de Brasília. Mudou-se para o Núcleo Bandeirante (antiga Cidade Livre) onde, aos 33 anos, teve despertada a sua mediunidade. Tia Neiva desencarnou em 1985.