“Era necessário guarnecer as casas da região”, diz ex-secretário de Segurança sobre caso Lázaro – Mais Brasília
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“Era necessário guarnecer as casas da região”, diz ex-secretário de Segurança sobre caso Lázaro

Psicólogo com vasta formação em segurança pública, o coronel Jooziel de Melo Freire, ex-comandante-geral da PMDF e ex-chefe da SSP-DF, faz duras críticas à Justiça brasileira, diz que a polícia está de mãos atadas e torce pela prisão do procurado. Para ele, o caso deveria ser um momento de reflexão

Foto: Arquivo Pessoal

O Mais Brasília entrevistou o coronel da reserva Jooziel de Melo Freire, ex-comandante-geral da Polícia Militar do DF, ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, e com passagem também pelo Ministério da Justiça. Com uma formação maciça no assunto, o militar permaneceu 31 anos na ativa, tendo passado por todos os postos da segurança pública, e faz uma panorâmica sobre o caso Lázaro Barbosa, acusado de diversos assassinatos, um dos maiores desafios às forças de segurança do Estado de Goiás e do DF. Sobre a estratégia utilizada, ele destaca que deveriam ter sido colocados policiais nas casas, à espera de Lázaro.

Durante a conversa, o coronel fez ainda duras críticas à Justiça brasileira. Ele destaca que o bandido sempre está à frente da polícia, e que a estratégia utilizada pelas força-tarefa falhou ao não espalhar equipes previamente nas propriedades. Ele explica por que a sociedade e a polícia estão de mãos atadas frente a casos como esse, que para ele não é único e que muitos outros ainda virão. Freire faz críticas ainda àqueles que tiraram Lázaro da cadeia e torce por um desfecho em que o foragido retorne à prisão.

Atualmente, o ex-secretário se divide entre o consultório de Psicologia e o pastorado na Igreja Presbiteriana.

 

Quais os impactos do caso Lázaro na sociedade?

Observo que o caso Lázaro traz impactos à sociedade de três formas. A primeira delas são as brincadeiras. De modo amplo, nós, brasileiros, levamos as coisas muito na brincadeira, e isso pode tirar do foco aquilo o que deve merecer atenção.

Em segundo lugar, estamos dando uma atenção de uma maneira desvirtuada das ações que o foragido vem propagando. Em nível de divulgação, em nível da abordagem, a atenção deveria estar nele, no banditismo do Lázaro. Mas o que se vê são ações se construindo em nível de narrativas, em nível de proteção ao próprio Lázaro.

Por último, em nível de divulgação ele é uma excrescência jurídica. Se tivéssemos uma Justiça que funcionasse, ele estaria preso, pois, devido à vida pregressa, ele deveria estar era na prisão. Essa seria uma oportunidade de tratar o que precisa ser tratado. Temos, portanto, uma responsabilidade que é direto do Judiciário. Para você ter ideia, o Judiciário já está trabalhando com peso em prol do Lázaro, já tem defensor público se propondo a entrar no caso. Temos filas de pessoas atrás desse apoio jurídico público, enquanto que o Lázaro não precisou entrar em filas nem nada.

Temo que tudo tenha virado uma grande peça teatral com 210 milhões de espectadores. Um enredo que tem ele como protagonista. São políticos, defensoria pública, mídia, e isso traz um cuidado desnecessário.

 

Qual a situação da polícia no caso?

De outro lado, a polícia fica extremamente cuidadosa, em um cuidado cheio de temor de fazer o que tem de ser feito. Um óbito, por exemplo, poderia colocar o policial no banco dos réus, pois o policial não tem respaldo jurídico.

Então o que a sociedade precisa agora é aproveitar essa oportunidade, rediscutir sobre o que se quer, o que se espera, da polícia. Estamos falando de uma corporação que é competente.

Para você ter ideia, a primeira coisa que vai acontecer quando o Lázaro for preso é que os policiais terão de comparecer a uma audiência para comprovar que ele foi bem tratado. E com isso a polícia perde a fé pública, e ficam todos de mãos atadas. Então, são memes na web, advogado fazendo propaganda. E, no final das contas, ele vai ter um tratamento cheio de privilégios. Vai poder sair no Dia das mães. E vai voltar a matar. E não há interesse de que o sistema penal seja alterado. A sociedade deve exigir. Pensemos na situação de quem está na chácara, sendo ameaçado, tendo as mulheres estupradas.

O caso do Jacarezinho foi um exemplo. A milícia submete a população às mais horríveis humilhações, e quando a polícia atua é condenada pelos direitos humanos. Sim, deveria haver educação, emprego.

 

Em sua avaliação, a polícia agiu da forma correta?

O que deveria estar sendo feito não foi feito, que era guarnecer as casas da região. E é importante lembrar que um bandido como ele não está preocupado se vai viver ou morrer, não age dentro de uma racionalidade. Ele decide os próximos passos em segundos, e não está preocupado com o próprio bem-estar, conforto ou sono. Isso faz com que os planos dele não tenham uma lógica.

 

Por que tem gente apoiando o fugitivo?

Agora, o Lázaro também sabe, em determinados momentos, ser cordial. Ele consegue apoio de alimento, fuga, veículo. Então, a pergunta que vem é como é que alguém o apoia? E vem também o discurso de que ele é um produto social, resultado do meio. Ora, o meio influencia, mas não determina.

O Lázaro sabe o que está fazendo. A motivação dos atos dele é que deve ser verificada. Por exemplo, pode ser psicótica, oriunda de um trauma.

 

Então o bandido está à frente da polícia?

O bandido está sempre à frente da polícia, todos os bandidos sempre estão. E a primeira coisa que contribui para isso é impunidade.  Devido a princípios eleitos como miserabilidade, para justificar atos, temos um índice de 70% ou mais dos crimes no Brasil praticados por reincidentes. Os bandidos têm apoios no Brasil. Nós somos contra a pena de morte, então temos uma lógica prisional de reeducação, mas que na prática não funciona. A lei segue seu caminho, com todas fases de um processo, e isso leva às vezes vinte anos ou mais. Não se têm psicólogos, assistentes sociais

 

Os bandidos têm vantagens no desdobramento dos casos?

Ele tem outro fator que o coloca à frente, que é o fato de estar à margem da lei. Os bandidos têm um salvo-conduto pronto, pois a polícia não pode agir como deveria agir. No passado, por exemplo, o Marcola deu entrevista duas vezes à revista Veja.  Enquanto mantivermos questões tacanhas, ignorando que Brasil vive uma guerra, continuaremos a ter 60 mil vítimas de uma guerra em mortes violentas. E 80% eram bandidos.

Nosso ordenamento jurídico favorece isso.  Fiz vários cursos fora do País. Na Itália, por exemplo, o preso deixa de ser cidadão, tem seus direitos caçados.  Se ele tivesse sido preso e tratado em suas demandas, talvez não estivéssemos vivendo nada disso. Então, é besteira pensar que em qualquer situação o bandido não estará à frente da polícia. As forças de segurança estão sempre atrás, atrás de bandido, de política, do Ministério Público, dos Direitos Humanos.

Mas mesmo assim ainda temos ótimos resultados, e o DF é exemplo. Temos policiais educados, preparados. Mas nada disso é fator determinante para dizer que estamos na frente. Infelizmente, ainda vamos ter N Lázaros, sem querer ser pessimista, nos próximos 100 anos.

 

Há risco de o Lázaro virar uma lenda?

Não vejo risco de o Lázaro virar uma lenda. Cito por exemplo o Marcola, o Fernandinho Beira-Mar, o José Carlos dos Reis Ensina (Escadinha), que tiveram notoriedade, mas não viraram lendas. Bandido não se torna lenda. Pode até ser popularizado pela mídia. Já tivemos outras pessoas e isso não aconteceu.

 

Como o senhor acha que vai ser o desfecho?

Eu torço para que ele seja preso, e não morto. Ele tem um comportamento de fuga, um comportamento autodestrutivo. Se ele estiver armado, ele vai reagir, pois está disposto a morrer. Ele poderá ser imobilizado com um disparo. Ele vai passar por uma audiência de custódia, julgamento, todas as fases dos processos que existem contra ele. Então, espero que ele seja preso e não morto.

 

Que recado a soltura de Lázaro, no passado, traz?

Lázaro é um símbolo de tudo o que precisa mudar no País. Ele exemplifica a necessidade de mudança, e nesse ponto dele deverá ser lembrado por muitos e muitos anos. Torço para que seja um divisor de águas no que diz respeito à forma como a sociedade deve enxergar a lei. E pense no seguinte as pessoas que soltaram o Lázaro oneraram Estado, pois toda essa mobilização tem gastos homéricos, e essas pessoas não foram nem serão responsabilizadas. Quando há uma responsabilização, é no máximo a aposentadoria com vencimentos integrais. Então que ele seja um divisor de águas.

 

O que seria válido para uma mudança na sociedade?

É necessário mostrar já na escola o que é segurança pública. Hoje em dia os meninos e meninas crescem sem saber o que é isso. E veja, nem todo mundo que não teve ensino formal vira bandido.

 

O caso Lázaro é exemplar?

O caso Lázaro recebeu um aparado midiático maravilhoso. Existem N Lázaros espalhados pelo País, matando famílias no sertão, no interior do Pará, no Amazonas. Existe uma infinidade de bandidos como ele, com o mesmo modus operandi, que já foram presos, soltos, e estão por aí? Ele ganhou uma bandeira. Mas, e os outros que a mídia não deu importância? Nós deveríamos realmente refletir sobre os nossos atos. As famílias perdem as suas vidas, então não se pode fazer brincadeiras ou matérias desrespeitosas sobre o caso. É necessário, portanto, tratar as causas e esquecer as consequências.

Todos devem entender que todos estamos inseridos na mesma situação, eu mesmo corro o risco de o Lázaro bater na minha porta. Eu tenho que ter consciência social para essa realidade. Na época da Copa do Mundo, por exemplo, todo mundo vira técnico, a cada dia que passa ele ganha mais notoriedade.

 

O senhor arriscaria dizer quem é Lázaro?

Tenho visto meus colegas psiquiatras e psicólogos traçando perfis do Lázaro, mas eu não faço isso, pois não conheço o caso de perto, não conheço as condições, não tenho acesso a tudo o que ele fez antes. As pessoas mudam de um dia para o outro.

De toda sorte, o foco agora deve ser apenas prender o Lázaro e discutir o nosso sistema penal. Esse é um momento que deve ser de reflexão.