DF e oito estados iniciam 2024 com explosão de casos de dengue
Diagnósticos se multiplicaram por dez na região Sul (958%) em relação ao começo do ano passado; calor e chuvas ajudam a explicar aumento e projeção de recorde
O Distrito Federal e oito estados iniciaram 2024 com expressivos aumentos nos caos de dengue, de 100% ou mais em comparação ao mesmo período do ano passado, mostra análise da Folha com dados do Ministério da Saúde.
Os números são mais alarmantes no Sul do país, onde foram contabilizados 10.961 diagnósticos nas duas primeiras semanas deste ano, somando os registros no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. O salto é de 958% em relação ao mesmo período de 2023, quando haviam sido infectadas 1.036 pessoas na região.
A alta ocorrência nesses e em outros estados populosos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, levou a um aumento geral de 105% no país entre os dois anos. A soma no território nacional disparou de 27.076 para 55.584 na primeira quinzena —os casos recentes estão sujeitos a revisão, mas ainda podem estar subestimados devido a atrasos nas notificações.
“Iniciamos desde 2023 uma preparação para o período de alta transmissão, que já era esperado para o início deste ano. O que não esperávamos era essa alta precoce”, afirma Alda Maria da Cruz, diretora do Departamento de Doenças Transmissíveis do ministério.
Acre, Amazonas, Distrito Federal e Roraima completam a lista de unidades da federação em que os diagnósticos dobraram ou mais. Os dados são do Painel de Monitoramento das Arboviroses (doenças virais transmitidas por mosquitos), baseado no Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
“Geralmente, temos casos em janeiro, mas nunca tantos. Março é o pico, e em junho começa a cair. Agora precisamos nos preocupar com a dengue o ano inteiro”, afirma Kleber Luz, coordenador do Comitê de Arboviroses da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) e integrante do grupo técnico da OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre o tema.
Autoridades preveem um patamar recorde de casos em 2024, possivelmente muito superior à máxima histórica. As estimativas divulgadas em dezembro pelo Ministério da Saúde em parceria com o grupo InfoDengue, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), são de entre 1,7 milhão e 5 milhões de diagnósticos, com projeção média de 3 milhões.
No ano passado, o país registrou o recorde de mortes provocadas pela doença, com 1.094 vítimas confirmadas e outros 218 óbitos em investigação. Já os casos chegaram a aproximadamente 1,66 milhão, perto da máxima histórica de quase 1,69 milhão registrada em 2015.
Segundo os especialistas, a expectativa para este ano está associada a uma combinação de diversos fatores favoráveis à proliferação do mosquito transmissor do vírus, especialmente a intensidade do calor e das chuvas no país.
“A saúde não é estranha a toda essa discussão ambiental. As mudanças climáticas têm um impacto geral na saúde, em especial nos grupos mais vulneráveis, e também um impacto muito acentuado em relação às arboviroses”, disse a ministra Nísia Trindade ao anunciar as projeções e os planos de ação do governo no fim do ano passado.
Além disso, foi observado o ressurgimento recente dos sorotipos 3 e 4 do vírus da dengue no Brasil. As quatro variações da doença estão circulando de forma simultânea no país, situação classificada como “incomum” na ocasião pela secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente da pasta federal, Ethel Maciel.
“Primeiro, a chegada do sorotipo 3 vai encontrar uma população suscetível, porque faz mais de 15 anos que ele não circula. E a região Sul, que não registrava muitos casos de dengue, agora não só registra como é uma das campeãs por conta do aquecimento global, que aumenta a proliferação do mosquito e a sua duração de vida. Ele vive mais dias e pica mais gente”, acrescenta Kleber Luz.
Neste ano, além dos estados com aumentos acima de 100% citados anteriormente, os casos da doença também se elevaram em São Paulo, Tocantins, Sergipe e Pernambuco na comparação com as primeiras semanas de 2023.
Em números absolutos, as unidades da federação com mais pessoas infectadas no início deste ano são Minas Gerais (14.189), São Paulo (9.824), Paraná (8.348), Distrito Federal (7.449) e Rio de Janeiro (4.352).
Já em termos proporcionais, o Distrito Federal registra a maior incidência na população, com 2.644 casos a cada 1 milhão de habitantes na primeira quinzena. Na sequência aparecem Acre (819 por milhão), Paraná (729), Minas Gerais (691) e Goiás (418).
As chuvas intensas e seguidas desde o fim do ano passado têm dificultado as atividades de campo e a remoção dos criadouros do mosquito, ressalta Ivana Belmonte, coordenadora de Vigilância Ambiental da Secretaria da Saúde do Paraná, um dos estados mais afetados.
“Realmente, estamos com dados bastante elevados no atual período epidemiológico [agosto de 2023 a julho de 2024]. Isso era previsto, por conta do fenômeno El Niño”, diz Belmonte, reafirmando a expectativa de novo recorde no estado.
COMO MINIMIZAR O IMPACTO DA DENGUE?
Evitar a formação de criadouros do mosquito Aedes aegypti é a melhor solução para evitar a dengue, a zika e a chikungunya.
“A segunda recomendação é a monitorização do mosquito, que é ação do governo. Outro aspecto importante é a capacitação dos médicos, no sentido de tratar a doença, senão vai morrer gente. E claro, como última ação, a vacinação das crianças de 6 a 16 anos. Que os pais levem realmente os filhos para vacinar”, orienta Kleber Luz.
“Vacinação sempre prioriza criança, porque vive mais que adulto. Tecnicamente, uma criança terá muito mais tempo de proteção do que o adulto. Varia de estado para estado, mas na Paraíba morreu muito mais criança [de dengue] do que idoso no ano passado. A única vez que não funcionou essa regra foi na Covid, porque morria mais idoso”, diz o especialista.
Em meio à explosão de casos nos primeiros dias de 2024, a preocupação do governo federal é com a capacidade de estados e municípios implantarem ações de vigilância e controle.
Uma das iniciativas do Ministério da Saúde é a sala nacional de arboviroses —espaço permanente para monitorar em tempo real os locais com maior incidência de dengue, chikungunya e zika. Nela há reuniões com estados e municípios para disseminar ações de controle vetorial e de manejo clínico —treinamento de médicos e enfermeiros.
O Ministério liberou R$ 256 milhões para enfrentamento das arboviroses. A verba é pactuada através de portaria com os estados e municípios. “A nossa área técnica, o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde, o Conselho dos Secretários de Saúde Estaduais e dos Secretários de Saúde Municipais avaliam quem mais precisa desses recursos no momento”, diz Alda Maria da Cruz.
Os agentes de combate às endemias e os agentes comunitários de saúde têm importância no combate à dengue. “Eles são as nossas formiguinhas, que fazem as ações de campo, não só com relação aos pacientes mas também com o controle vetorial. É muito importante que a população esteja receptiva a esses profissionais capacitados para a orientação e o controle dos criadores do mosquito”, ressalta Cruz.
O ministério iniciou o processo de estratificação de risco intramunicipal em áreas prioritárias para a implementação de novas tecnologias, como armadilhas disseminadoras de larvicidas, wolbachia (bactéria que contamina mosquitos) e borrifação residual intradomiciliar em prédios públicos, locais onde há maior circulação de pessoas.
“A estratificação de risco permite ao município identificar quais são os bolsões de maior transmissão e atuar especificamente nesses locais. Temos estratégias para identificar os locais com maior número de postura de ovos —o que significa que está tendo mais mosquitos e mais casos. E o importante é que todas essas medidas estão validadas cientificamente”, explica Cruz.
“A wolbachia é aquela metodologia onde nós liberamos no ambiente mosquitos infectados com uma bactéria que impede com que o Aedes transmita o vírus. Isso tinha em alguns municípios em nível de pesquisa e nós incluímos mais seis neste ano.”
Por Cristiano Martins e Patrícia Pasquini