Yanomamis encontrados foram cooptados pelo garimpo, diz liderança indígena
Questionado, ele não soube precisar quantos parentes foram encontrados
Após dizer em depoimento à Polícia Federal na quinta-feira (5/5) que os yanomamis supostamente desaparecidos da aldeia de Aracaçá (em Roraima) haviam sido encontrados e que parte deles estava em outra comunidade, a liderança indígena Júnior Hekurari afirma acreditar que eles foram cooptados pelos garimpeiros da região.
Em conversa por telefone com a reportagem, Hekurari, que é presidente do Condisi-YY (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana), diz que essa informação chegou por meio de imagens por ele obtidas e ainda por intermédio de parentes –como os indígenas se referem a membros da etnia– de confiança, que avistaram os desaparecidos.
“Estão na mão do garimpo. Eles estão coagidos, os garimpeiros entraram na cabeça deles.” Segundo ele, fotos publicadas por integrantes do garimpo ilegal mostram pessoas que antes viviam na aldeia de Aracaçá entre os mineradores.
Na manhã de quinta-feira (5), Hekurari havia prestado depoimento à Polícia Federal dizendo que os yanomamis desaparecidos da aldeia de Aracaçá (em Roraima) haviam sido encontrados.
Mais tarde na quinta, Hekurari soube que parentes seus tinham visto integrantes da Aracaçá em acampamentos de garimpeiros.
Questionado, ele não soube precisar quantos parentes foram encontrados, mas disse que foram vistos no rio Uraricoera, a cerca de 5 km de onde ficava a aldeia.
Hekurari e outras pessoas ouvidas pela reportagem (essas em anonimato) afirmam que a cooptação dos indígenas já era uma possibilidade cogitada por eles, uma vez que os garimpeiros “dominaram tudo” na região do Aracaçá. O medo, agora, é que a aldeia desapareça de vez.
O paradeiro destes yanomamis virou caso de polícia desde que a comunidade foi encontrada queimada, após a Condisi denunciar que uma menina de 12 anos teria sido estuprada e morta por garimpeiros. A Política Federal afirma que não encontrou indícios deste crime.
A reportagem teve acesso a um vídeo, gravado por garimpeiros após a denúncia. “Nós estamos na comunidade do Aracaçá”, diz um integrante do garimpo ilegal. Na gravação, ele questiona os yanomami ao seu redor se é verdade ou mentira que houve uma menina foi morta e estuprada –a resposta, cabisbaixa, é negativa.
Para Hekurari, as imagens são mais uma evidência de que os parentes desaparecidos estão na mão dos garimpeiros. O presidente da Condisi ainda identifica uma das yanomami que aparece nas imagens, e diz que ela vivia na comunidade antes da queimada.
Hekurari diz que, por enquanto, ainda não é possível ter certeza de quem queimou a aldeia, como, nem porquê –os povos são nômades e têm a tradição se mudar quando um parente morre.
Mas afirma que é remota a possibilidade de que os yanomamis tenham feito residência em outro lugar, ou que tenham se mudado para outra comunidade.
“Eu sou yanomami. Eles não fizeram preparo para ir para outro lugar”, afirma, de acordo com o que viu na visita ao local, no fim do mês passado. Segundo ele, o povo tem mesmo a tradição de se mudar a cada cinco ou oito anos, ou então de se esconder no mato por alguns meses caso a comunidade esteja ameaçada.
“A comunidade [de Aracaçá] fica muito isolada. Não tem outra comunidade tão perto, só tem essa. Os yanomami não abandonam suas casas se não estão ameaçados”, completa sobre a possibilidade de estarem junto a alguma outra aldeia.
Ele diz ainda que, no momento, está sofrendo ameaças e que não consegue visitar pessoalmente nenhuma das aldeias de seu povo.
Nesta sexta, a Polícia Federal afirmou mais uma vez que não encontrou indícios de estupro na investigação sobre o caso até aqui, mas que as investigações do caso seguem.
Hekurari pede para que a apuração dos fatos não diminua de ritmo e afirma que há diversas evidências de que a prática de crimes por parte de garimpeiros é recorrente na região.
Ele diz que os testemunhos acerca da compra do silêncio indígena com ouro estão nas mãos das autoridades, assim como outras evidências colhidas por ele e outras lideranças.
“Estamos sozinhos, enquanto os garimpeiros nos dominando, dominando a terra. Estou impedido de visitar meu próprio povo, porque estou ameaçado pelos garimpeiros, eles dominaram a terra. A terra indígena yanomami está sofrendo, não é um caso isolado. Todos conhecem. As terras são invadidas, sofrem ataques. E quando vão investigar tudo isso? Cadê o governo para nos proteger?”, completa.
A violência de garimpeiros contra yanomamis em Roraima não é novidade. Na noite desta quinta-feira (5), por exemplo, a PF prendeu um condenado de participar do massacre do Haximu, ataque do garimpo que deixou 12 indígenas mortos, em 1993.
Em 2021, a região de Palimiú, vizinha de Aracaçá, sofreu ataques de garimpeiros armados. Em 2020, uma decisão do Tribunal Regional Federal determinou que o governo federal retirasse o garimpo ilegal da terra Yanomami em Roraima, o que ainda não aconteceu.
Por Fábio Serapião e João Gabriel