Venda de soro de leite em supermercado é alvo do Procon
O produto foi exposto em estabelecimento da rede Nagumo por R$ 4,49, em caixa similar
A venda de bebida láctea anunciada como soro de leite em um mercado de São Paulo chamou a atenção nas redes sociais nesta semana. O produto foi exposto em estabelecimento da rede Nagumo por R$ 4,49, em caixa similar e localizada em um lugar próximo às de leite.
O preço está muito abaixo do valor do litro do leite longa vida nas gôndolas -na rede Sonda, por exemplo, está na faixa dos R$ 7. Dados de inflação divulgados nesta sexta (8) pelo IBGE mostram que o preço do produto disparou 41,8% de janeiro a junho deste ano.
O Procon-SP diz que há indícios de publicidade enganosa no produto “Bebida Láctea – Cristina” e que solicitou explicações à fabricante Nova Mix Industrial e Comercial de Alimentos Ltda., cujo nome fantasia é Quatá Alimentos.
“O consumidor entende que está comprando leite, quando na verdade está comprando o soro do leite”, afirma Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon-SP.
Ele diz ainda que as informações não estão suficientemente destacadas no rótulo. “O consumidor tem noção do conceito do que é bebida láctea? Do que é o soro do leite?”, questiona.
Em comunicado, o Procon-SP afirmou que entrou com pedido de esclarecimentos acerca da tabela nutricional do produto, indicação do consumo por faixa etária, cópia dos materiais publicitários e das mídias de divulgação do produto, documentos que comprovem os testes de qualidade, entre outros. A empresa tem até 14 de julho para responder aos questionamentos.
Procurada, a Quatá Alimentos afirmou que não recebeu notificação do Procon-SP. Em nota, a empresa declarou seguir fielmente as regras de composição e rotulagem determinadas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e que, visando a comunicação clara e objetiva ao consumidor, informa no rótulo que se trata de uma bebida láctea UHT, que contém 60% de soro de leite e que bebida láctea não é leite.
“Mesmo a norma permitindo que esta frase seja colocada em qualquer local do rótulo do produto, a empresa escolheu trazer no painel principal para deixar claro ao consumidor e evitar erro ou equívoco”, disse a empresa.
Quanto à exposição do produto junto às caixas de leite, a Quatá Alimentos afirma não comercializar produtos diretamente ao consumidor e que o ponto de venda anunciou a bebida erroneamente ao caracterizá-la como soro de leite.
“A foto retratada nas redes sociais foi tirada em um ponto de venda onde o produto foi erroneamente anunciado como soro de leite. Ratificamos que o produto comercializado é uma bebida láctea UHT.”
Do inglês Ultra High Temperature (temperatura ultra alta), UHT é um processo em que o leite é submetido a altas temperaturas para sua esterilização.
Procurada, a rede de supermercados Nagumo afirmou que não tem posicionamento sobre o tema. “A respeito do assunto, ainda não há orientação da Direção”, afirmou o departamento de marketing.
QUAL É A DIFERENÇA ENTRE LEITE, SORO DE LEITE E BEBIDA LÁCTEA?
A nutricionista Ana Cláudia Mazzonetto explica que o soro de leite é um subproduto do processamento do leite. “Quando a indústria de alimentos utiliza o leite para preparar, por exemplo, queijos, o que sobra desse processo de feitura do queijo é chamado de subproduto, que é o soro do leite.”
Ana Carolina Fernandes, nutricionista e professora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), detalha que o soro de leite é a parte líquida que sobra quando ocorre a coagulação para fazer o queijo ,que concentra a parte mais sólida do leite, como proteína e gordura.
Já bebida láctea é um termo genérico para bebidas à base de leite, mas que podem ter outros componentes, como o soro de leite ou espessantes. Um iogurte que usa soro de leite, por exemplo, se torna uma bebida láctea.
Fernandes diz que por muitos anos, o soro de leite foi um descarte. “Ele só começou a ser usado, reaproveitado para alimentos, porque esse resíduo estava causando impactos ambientais negativos. É altamente poluente, mais que o esgoto sanitário, ao meio ambiente, mas como se usa muito na industrialização, se começou a estudar como aproveitá-lo e uma das aplicações é baratear os laticínios.”
Em nota, a Quatá Alimentos também afirma que “é preciso desmistificar a visão que o soro de leite seja apenas um descarte da indústria de alimentos, pois é um componente com benefícios nutricionais”.
A empresa também diz que o soro de leite é conhecido como Whey, e é “um líquido composto por proteínas, minerais, gorduras, lactose e água, normalmente obtido da produção de queijos”, com proteínas altamente digeríveis e de alto valor biológico.
Mas Fernandes faz um alerta: “As pessoas podem confundir Whey com Whey Protein. Whey é o soro, Whey Protein, que os atletas tomam, é a proteína isolada do soro de leite. No soro de leite, ela está diluída e não concentrada. Então não é a mesma quantidade, já começa por aí.”
SORO DE LEITE NÃO SUBSTITUI LEITE
Há diferenças nutricionais entre os dois produtos, de forma que não é possível substituir o leite pelo soro. “Como o soro de leite é um subproduto, em comparação com o leite ele acaba tendo menos proteína, menos gorduras totais e menos cálcio”, declara Mazzonetto.
“O que temos visto é a substituição do leite pelo soro de leite e a manutenção da mesma embalagem, por exemplo. Com uma variedade cada vez maior de produtos nos supermercados, é importante que a sociedade civil exija uma rotulagem de alimentos cada vez mais clara e compreensível. E, obviamente, que o governo trabalhe no sentido de garantir a todos o direito a uma alimentação adequada e saudável”, opina a nutricionista.
“A questão principal da discussão é por que chegamos em um ponto em que nosso dinheiro só é capaz de pagar pelo soro de leite, e não pelo leite integral.”
VENDA SE DÁ EM CONTEXTO DE ALTA NOS PREÇOS DO LEITE
A comercialização do soro de leite, subproduto do queijo, se dá em contexto de alta no preço do leite.
Natália Grigol, pesquisadora da área de leite do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Universidade de São Paulo explicou em nota que as altas têm relação com a oferta limitada.
“Com o inverno e o clima mais seco, a qualidade e disponibilidade das pastagens cai e, por isso, a alimentação do rebanho é afetada, levando à queda na produção.”
Grigol também destaca os efeitos da La Niña no final do ano passado e início deste ano, além do aumento nos custos de produção, variação da inflação e taxas de câmbio.
“Segundo pesquisas do Cepea, o Custo Operacional Efetivo da atividade esteve em alta nos últimos três anos e só neste último mês é que começa a mostrar inversão dessa tendência”, diz a pesquisadora.
Por Natalie Vanz Bettoni