Tubarões e raias correm risco de extinção com consumo de cação – Mais Brasília
FolhaPress

Tubarões e raias correm risco de extinção com consumo de cação

O consumo de cação traz problemas ambientais sérios

Um dos peixes mais consumidos no país, o cação é, na verdade, o nome comercial de um conjunto de cortes de animais que inclui diversas espécies de tubarões e até raias. É o que dizem especialistas no estudo dos elasmobrânquios (grupo dos tubarões e das raias).

Para divulgar o tema, a ONG Sea Shepherd Brasil criou recentemente a campanha Cação É Tubarão.
O consumo de cação traz problemas ambientais sérios, dizem os ativistas, uma vez que esses animais estão gravemente ameaçados em todo o mundo. As populações estão em declínio desde a década de 1990, e cerca de 40% das espécies conhecidas hoje sofrem risco de extinção.

De acordo com dados levantados pela Sbeel (Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios), o Brasil é o principal consumidor e importador de carne de cação no mundo.

“Nós temos uma produção de 20 mil toneladas por ano de carne de tubarão e raia e, desde 2012, também importamos a mesma quantidade, então a gente dobrou nossa demanda”, afirma Rodrigo Barreto, pesquisador do Cepsul/ICMBio e secretário-executivo da Sbeel.

Apesar do alto consumo, cerca de 7 em cada 10 brasileiros não sabem que cação é carne de tubarão ou raia, indica uma pesquisa com mais de 5.000 pessoas feita pela entidade em agosto deste ano.
“Sob o guarda-chuva de ‘cação’ temos espécies que não são consumidas em nenhum outro lugar do mundo, só em países como México, Brasil e outros em que há ausência de informação, tornando esses locais centros para o depósito da carne desses animais”, afirma Barreto.

Recentemente a proposta de compra da carne de cação para abastecer a merenda escolar na rede municipal de educação de São Paulo foi alvo de críticas da Sea Shepherd. Em reação, a ONG fez uma petição online para derrubar o edital. Até o dia 10 de novembro, quando foi adiado pela primeira vez o pregão, o texto tinha reunido mais de 1.300 assinaturas.

Em nota enviada na noite de terça-feira (23), a prefeitura de SP, por meio da Secretaria Municipal de Educação, informou que a licitação em questão foi revogada, e a decisão, publicada no Diário Oficial da última quarta (24). A gestão não comentou os motivos da desistência.

Desde 2009 o Brasil, assim como outros países fizeram depois, adotou leis para proibir a prática conhecida como finning, nome dado para a retirada das barbatanas dos tubarões para venda em mercados especializados, enquanto o restante do corpo do animal –o “charuto”– é jogado no mar.

Só que, com a proibição, países que consumiam a carne passaram a receber nos seus portos os animais inteiros, não mais as carcaças. As barbatanas costumam ser então cortadas e vendidas, principalmente para o mercado chinês, onde chegam a custar até US$ 5 mil (cerca de R$ 28 mil), e a carne é aproveitada para consumo.

“A proibição do finning não inibiu a pesca desses animais, ao contrário, gerou uma mudança logística das empresas pesqueiras, que agora precisam fazer mais viagens até a costa de países que têm interesse na carne do tubarão. E o custo é baixo porque eles lucram em cima das barbatanas”, afirma Nathalie Gil, diretora executiva da Sea Shepherd Brasil.

Como os peixes chegam ao consumidor final já limpos e no formato de postas, é mais difícil diferenciar uma espécie da outra. “E em muitos casos os vendedores cortam os animais em formatos diferentes para mascarar sua aparência que permite a identificação”, diz Gil.

É o que acontece, por exemplo, com o tubarão-martelo, espécie incluída na lista do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) como criticamente em perigo. É comum ver o animal em peixarias com a cabeça cortada na diagonal, para disfarçá-lo.

Por não haver a distinção da espécie no produto que é popularmente chamado de cação, a fiscalização de órgãos como o Ibama ou o Ministério da Agricultura fica prejudicada. Gil explica ainda que o sucateamento das instituições e a prática de autofiscalização nas embarcações agravam a situação.

“Não há recursos financeiros suficientes dos órgãos fiscalizatórios, como Ibama, para fazer o sequenciamento genético de todas as espécies que compõem a carne de ‘cação’. E nos barcos os chamados olheiros, que fiscalizam a pesca de espécies ameaçadas, são funcionários da própria pesqueira e não denunciam”, diz.

Para o biólogo e professor da Unesp do Litoral Paulista e presidente da Sbeel, Otto Bismarck, mesmo o consumo considerado “sustentável” de tubarões e raias não deveria existir. “Não existe pesca sustentável quando se fala de tubarão e raia porque, por serem animais predadores de grande porte, é a mesma coisa que dizer que vamos criar a indústria de caça [legalizada] da onça. É inviável”, diz.

Bismarck lembra que esses são animais de topo de cadeia e possuem características biológicas que acabam acelerando ainda mais o seu declínio populacional quando são pescados de maneira predatória.

“São espécies com baixa produção de filhotes, tempo elevado de gestação, demoram para atingir a idade reprodutiva. Então a matemática é simples: se morrem mais indivíduos do que nascem, vai haver um desequilíbrio populacional”, explica.

A redução das populações de tubarões traz consequências aos ecossistemas marinhos, pois, com uma menor quantidade deles, os animais dos quais se alimentam crescem de maneira explosiva.
Já as raias estão ainda mais ameaçadas, explica o biólogo, porque as cerca de 30 espécies de água doce que existem na América do Sul têm sofrido com a degradação ambiental. “Além disso há uma procura específica por carne de raia nas regiões Sul e Nordeste do país, diminuindo essas populações”, afirma.

Além do problema ambiental, os tubarões e raias acumulam no organismo metais pesados e outros elementos que podem ser prejudiciais à saúde.
A FDA (agência que regula alimentos e medicamentos nos EUA) contraindica o consumo de cação por mulheres gestantes, lactantes ou crianças, devido ao alto teor de mercúrio presente nesses peixes, que pode afetar o desenvolvimento.
“O problema é que cada país adota um valor referencial, e o do Brasil é duas a três vezes o que é recomendado nos Estados Unidos”, afirma Barreto.

Por Ana Bottallo