Trabalhadores resgatados em situação análoga a escravidão no RS voltam para casa

Acordo com autoridades garantiu transporte e pagamento de verbas rescisórias pelo empregador

Os trabalhadores encontrados em situação análoga a escravidão em Bento Gonçalves (RS) começaram a voltar para casa na noite de sexta-feira (24). Em acordo com autoridades, o contratante se comprometeu a pagar as verbas rescisórias de cada um.

São 207 pessoas que trabalhavam para empresa terceirizada, contratada pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região. As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores.

Segundo o MPT (Ministério Público do Trabalho), eles foram alocados em quatro ônibus com destino à Bahia, com garantia de custeio da alimentação durante a viagem. Apenas 12 permaneceram no Rio Grande do Sul, onde residem.

O MPT negociou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) emergencial com o dono da empresa que os contratou, garantindo que cada um recebesse R$ 500 em dinheiro. O restante das verbas rescisórias será quitado até o próximo dia 28.

Estima-se que o total das verbas rescisórias some R$ 1 milhão. Segundo o MPT, o custo do transporte dos trabalhadores de volta à Bahia também ficou sob responsabilidade do contratante.

“A situação verificada acende um alerta sobre a necessidade de atuação focada em toda a cadeia produtiva da uva, que todo ano atrai para a serra gaúcha diversos trabalhadores em busca de emprego e melhoria de condição de vida”, disse a procuradora Franciele D’Ambros, em entrevista neste sábado (25).

“No entanto, nem sempre é isso que ocorre, como visto durante a operação deflagrada. O MPT continuará atuando para garantir que as situações verificadas não se repitam.”

Os valores a serem pagos pela empresa contratante, segundo o TAC, também não quitam os contratos de trabalho, nem significam que há renúncia de direitos individuais trabalhistas. Ou seja, os trabalhadores poderão reclamar esses valores, inclusive com ação trabalhista.

Ao longo da semana, será agendada audiência com a empresa empregadora e com as vinícolas para prosseguimento da negociação de indenizações individuais e coletiva e também para a definição de obrigações que previnam novas ocorrências semelhantes.

Nesse segundo momento, diz o MPT, serão avaliadas também as responsabilidades “dos demais elos da cadeia produtiva”, para averiguar possíveis outras empresas que se beneficiaram da exploração dos trabalhadores.

A operação foi deflagrada na noite de quarta (22), após denúncia feita por um grupo que conseguiu fugir da pousada onde os trabalhadores estavam alojados. Eles relataram que o empregador prometeu custear alimentação, hospedagem e transporte, mas quando chegaram, tiveram que pagar a pousada.

O MPT diz que o local de alojamento também apresentava péssimas condições. A fiscalização constatou ainda a concessão de empréstimos “a juros extorsivos” e ouviu relatos de violência física e psicológica.

Os trabalhadores relataram à Inspeção do Trabalho que eram submetidos a choques elétricos. As armas de choque eram usadas, segundo contaram aos procuradores e auditores, para que acordassem.

A origem desses trabalhadores —todos de Salvador (BA)— também seria citada de maneira pejorativa pelo encarregado. A rotina de trabalho, que começou no início de fevereiro, seria de domingo a sexta, das 5h às 20h, na colheita de uva.

A operação envolveu ainda as polícias Federal e Rodoviária Federal.

Segundo os órgãos que participaram da operação —Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e polícias Federal e Rodoviária Federal—,os resgatados trabalhavam para duas empresas que eram contratadas pelas vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton, importantes produtoras da região.

As três dizem que não tinham conhecimento da situação relatada pelos trabalhadores. A Garibaldi e a Aurora dizem que seus contratos com essas empresas eram somente para o serviço de descarregamento de caminhões.

Segundo a Inspeção do Trabalho, os trabalhadores resgatados na quarta-feira atuavam nos parreirais.

O QUE DIZEM AS VINÍCOLAS

A vinícola Aurora disse que “se solidariza com os trabalhadores e reforça que não compactua” com nenhum tipo de trabalho análogo ao de escravo. Afirmou também que o contrato com a Oliveira & Santana tratava somente carga e descarga de uva.

“A Aurora conta com 540 funcionários, todos devidamente registrados e obedecendo à legislação
trabalhista. Porém, na safra da uva, dentro de um período de cerca de 60 dias, entre janeiro e março,
a empresa depende de um grande número de trabalhadores, se fazendo necessária a contração
temporária para o setor de carga e descarga da fruta, devido à escassez de mão de obra na região.”

A empresa também disse que pagava R$ 6.500 à terceirizada por mês a cada trabalhador e que todos os seus prestadores de serviços recebem alimentação durante o turno de trabalho. A vinícola informa que oferecia condições dignas de trabalho no horário de expediente e os gestores responsáveis desconheciam a moradia desumana em que os safristas eram acomodados pela empresa terceirizada após o período de trabalho.

A Cooperativa Garibaldi, em nota, disse que desconhecia a situação relatada e que, diante do apurado, encerrou o contrato com a empresa para a prestação de serviço de descarregamento de caminhões, mas que “seguia todas as exigências contidas na legislação vigente”.

A cooperativa também afirmou que “reitera seu compromisso com o respeito aos direitos —tanto humanos quanto trabalhistas— e repudia qualquer conduta que possa ferir esses preceitos”.

A Salton, também em nota, disse que “a empresa não possui produção própria de uvas na serra gaúcha, salvo poucos vinhedos […] manejados por equipe própria”, mas que tinha contrato com sete trabalhadores da empresa em cada turno para o descarregamento de carga.

Diante do relatado pela imprensa, disse que “não compactua com essas práticas e se coloca à disposição dos órgãos competentes para colaborar com o processo”.

A Uvibra (União Brasileira de Vitivinicultura) também afirmou não tolerar, “sob nennhuma circunstância, as condições de trabalho e de habitação oferecidas por esta empresa prestadora de serviço”.

A entidade admitiu que, embora as vinícolas não fossem as empresas empregadoras, “existe amplo consentimento de que a cadeia vitivinícola deve ser mais vigilante e austera com relação à contratação de serviços terceirizados.” A Uvibra também se colocou à disposição para participar de um colegiado com autoridades e sindicatos para fiscalizar a questão dos serviços temporários.

Por Nicola Pamplona, Cauê Fonseca e Fernanda Brigatti 

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