‘Tive que me esconder’, diz médica agredida por pai e filha no Rio
A médica vai ficar oito dias de licença para se recuperar e, mesmo com medo, pretende voltar para o hospital
Com mais de 30 anos de profissão, a médica agredida por pai e filha que se negaram a aguardar atendimento no Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, em Irajá, zona norte do Rio de Janeiro, contou à reportagem que nunca passou por esse tipo de violência e está muito abalada com toda a situação.
“Eu estou indignada. Sempre trabalhei em hospital público, estou acostumada com a convivência e com as pessoas que dependem do SUS, mas a gente tem um descaso muito grande na saúde. Não temos concursos para os profissionais, não temos mais vigilantes, a unidade tem muitos problemas. Na maioria das vezes nós recebemos agressões verbais pesadas, mas dessa vez foi física”, disse Sandra Lucia, de 53 anos, que está de licença após a violência sofrida na madrugada de domingo (16).
PLANTÃO SOZINHA
Sandra contou à reportagem que além dos dois agressores, outros acompanhantes incitaram a violência. Em dois meses, essa é a quinta vez que a médica assume o plantão sozinha, quando na realidade deveriam ter cinco profissionais, segundo ela. Dos 60 pacientes, ao menos 40 estavam na Unidade Intensiva.
A médica vai ficar oito dias de licença para se recuperar e, mesmo com medo, pretende voltar para o hospital.
“Minha família ficou muito preocupada, muito chocada com toda essa situação e estão me dando apoio. Eu estou com medo, mas não posso deixar que isso me afete, que afete a minha profissão. Eu amo o que eu faço e pretendo voltar quando acabar a licença.”
“Muitos colegas recebem agressão e não denunciam, pois acham que não vai dar em nada. Eu já penso diferente, tem que denunciar sim e eu espero que essa violência pare. Sobre os agressores, eles desprezaram qualquer tipo de risco somente pelo egoísmo de ter um atendimento que era irrelevante. Espero que eles tenham a atribuição correta da Justiça. Não quero vingança, só quero que eles recebam as punições legais”, afirma a médica.
A reportagem questionou a Prefeitura do Rio sobre a falta de médicos, mas não recebeu resposta. O conteúdo será atualizado se houver retorno.
O QUE ACONTECEU
Pai e filha chegaram à emergência do hospital na madrugada de domingo por volta das 3h30. Os dois estavam visivelmente alterados e o homem queria atendimento devido a um pequeno corte na mão, que nem de pontos precisava, segundo Sandra.
Como a unidade tinha cerca de 60 pacientes, o homem foi orientado a aguardar ou procurar outra unidade, já que pacientes com quadros mais graves seriam atendidos primeiro;
Ele reagiu dizendo estar armado, invadiu a Sala Vermelha, onde a médica da unidade atendia, e deu um soco na boca da profissional. Ela precisou receber pontos de sutura.
“Estou com vários hematomas, fui agredida quando já estava no chão e precisei me esconder no hospital porque a filha dele queria continuar me batendo”, disse Sandra.
Após a agressão a médica, uma paciente de 82 anos sofreu uma parada cardiorrespiratória às 4 horas e morreu.
Toda a confusão durou cerca de uma hora e os funcionários chegaram a ligar pelo menos 10 vezes para a Polícia.
A filha do agressor depredou a sala de espera, quebrando vidros de portas, janelas e cadeiras. Os dois foram presos em flagrante por homicídio doloso e ele também foi autuado por lesão corporal. A investigação será conduzida pela 27ª DP (Vicente de Carvalho).
De acordo com o delegado Geovan Omena, que investiga o caso, pai e filha permaneceram calados na delegacia. Nenhum dos dois possuíam anotações criminais.
“A Secretaria Municipal de Saúde disse que repudia os fatos lamentáveis ocorridos no hospital. Todas as emergências da cidade atendem por classificação de risco, com prioridade absoluta aos pacientes com quadro de maior gravidade.
Casos de menor risco são atendidos na sequência ou encaminhados a outros serviços. Os profissionais das unidades trabalham com seriedade e devem ser respeitados pelos usuários”, afirma uma nota da Prefeitura do Rio.
Por Daniele Dutra