TikTok vai além da dancinha e vira vitrine profissional
Advogados, médicos e professores são alguns dos exemplos de trabalhadores que utilizam a plataforma de vídeos para alavancar suas carreiras
Surfando no boom do TikTok nos últimos anos, profissionais de diversas áreas estão produzindo conteúdo na plataforma para promover a imagem e aumentar a renda.
Advogados, médicos e professores são alguns dos exemplos de trabalhadores que utilizam a plataforma de vídeos para alavancar suas carreiras. Afastando-se das populares dancinhas do aplicativo, eles buscam mostrar de forma descontraída que possuem conhecimento sobre suas áreas, ganhando seguidores, tornando-se referência para o público e, assim, conquistando clientes.
Esse foi o caso de Fayda Belo, advogada criminalista focada na defesa de minorias que começou a gravar vídeos para o TikTok em março de 2021. Por meio da rede social, começou a explicar conceitos do mundo jurídico e a destrinchar casos de racismo, homofobia e machismo que ganhavam projeção na internet.
Hoje, menos de um ano depois, Fayda tem mais de 1 milhão seguidores na rede e viu a demanda de clientes triplicar em seu escritório.
“Foi uma virada que não tenho como explicar. Quando meu primeiro vídeo viralizou, percebi que podia usar o conhecimento jurídico que tenho para explicar às pessoas os direitos delas com uma linguagem simples, fácil e alegre. Quando a gente fala em Direito, sempre pensa em algo engessado, robusto, que ninguém entende nada. Eu fiz o oposto: peguei o Direito e levei de uma forma que todo mundo entende”, diz Fayda.
A advogada atribui o sucesso justamente ao foco em sua área de atuação. Seu escritório busca atender apenas casos envolvendo grupos subrepresentados, como mulheres, pessoas negras e a comunidade LGBTQIA+, em consonância com seu conteúdo no TikTok. Com os vídeos, mostra seu conhecimento jurídico.
“Não há razão para a gente criar um card com um número e a legenda ‘ligue para mim’. O que o cliente quer ver é que você tem o conhecimento técnico sobre o assunto, porque quando ele for em busca de um advogado, vai procurar o que realmente entende. Gravar vídeos sobre esses temas fez com que o público visse que tenho esse conhecimento.”
A psiquiatra Maria Clara Silveira também surfou na popularização da rede para turbinar seus atendimentos. Já em 2020, começou a produzir conteúdo para o Instagram, com o intuito de se projetar no mercado de trabalho, mas ao notar o crescimento do TikTok, percebeu que a rede poderia ser uma oportunidade maior.
Assim, em meados de 2021, começou a migrar seu conteúdo sobre psiquiatria para a plataforma, mas, sem saber, restringiu os comentários das postagens e viu que os vídeos não iam muito longe. Depois de corrigir a falha, abrindo espaço para interação com seus vídeos, começou a crescer rapidamente e hoje já tem mais de 120 mil seguidores e postagens com mais de 1 milhão de visualizações.
“Depois disso, foi muito rápido o crescimento. Eu estava trabalhando no Instagram há mais de um ano, e não é que ele não ajudava, mas o que faz muita diferença na minha agenda é o TikTok. Quando abri os comentários lá, no mês seguinte eu já estava com a agenda cheia”, conta Maria Clara, que estima que 40% de seus atendimentos vêm da rede social.
No TikTok, a médica aborda temas relacionados à psiquiatria, como ansiedade, depressão e relações abusivas. Seus vídeos vão desde explicações sobre termos da área a encenações de humor sobre o cotidiano da profissão, além de responder a perguntas de usuários e analisar personagens de séries e filmes que possam render pautas da área.
Hoje, Maria Clara faz atendimento psiquiátrico online com pessoas de diversos locais do país, além da modalidade presencial. Seu plano é investir ainda mais na produção de conteúdo na internet para conseguir aumentar sua renda.
“Como eu trabalho com consultas, estou presa às 24 horas do dia e não consigo atender muitas pessoas, tanto pelo tempo quanto pelo desgaste emocional e cognitivo. Se as pessoas gostam do meu conteúdo, faz sentido tentar transformar isso num trabalho. Isso apareceu como uma oportunidade para mim e está dando certo”, diz.
O pesquisador de Direito e tecnologia do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio), Christian Perrone, afirma que a transformação das redes sociais em trabalho mostra que a separação entre lazer e trabalho está se diluindo, em especial depois da pandemia, quando horários e espaços de trabalhos tornaram-se mais flexíveis.
“Nessa erosão de barreiras também entram as redes sociais, que originalmente eram pessoais, mas agora têm uso mais profissional”, diz ele.
Por isso, apesar de ser uma oportunidade de impulsionamento, o uso do TikTok e outras redes para trabalho pode trazer sobrecarga, como alerta Perrone.
“Isso gera um potencial nível de ansiedade significativo, porque você não tem um espaço delimitado entre a hora do trabalho e a hora do relaxamento. Quanto tempo a gente passa trabalhando? As redes sociais se tornaram um trabalho a mais em diversos sentidos, inclusive no número de horas”, explica o pesquisador.
A rotina do professor Gabriel Cabral, por exemplo, é dividida entre os 30 tempos de aula semanais e gravação de vídeos sobre química para o Youtube, o Instagram e o TikTok. Tem, ainda, um curso online em plataforma própria. A produção dos conteúdos toma dois dias inteiros de sua semana, já que o professor é responsável por todo o processo, desde o roteiro até a edição.
Produzindo conteúdo para alunos do ensino médio desde 2017, Cabral foi aconselhado por outros professores, em novembro de 2020, a ir para o TikTok como uma forma de crescer na internet. “Eu sabia que os alunos estavam indo para lá, então eu também teria que estar lá ensinando química para eles.”
No começo, teve dificuldade, principalmente pelo formato da plataforma, que só permitia vídeos de no máximo um minuto. Acostumado a escrever e gravar videoaulas mais longas, precisou estudar o TikTok e adequar seu conteúdo a ele.
“Ninguém entra no TikTok pesquisando vídeos de química. As pessoas estão vendo várias coisas e você aproveita para ensinar rapidinho entre uma e outra. Aí ele aprende sem nem saber que está estudando”, diz o professor.
Em pouco tempo, o TikTok tornou-se a rede na qual Cabral possui maior público, com mais de 650 mil seguidores, superando com folga as que ele utilizava há anos.
“Acho que a principal vantagem do TikTok é ser visto. O algoritmo permite que você tenha um alcance muito grande mesmo que você não seja famoso, se o seu conteúdo for relevante. Ele privilegia a qualidade”, diz o professor.
A rede, porém, não remunera todos os produtores por visualizações, o que os obriga a buscar outras fontes de renda. Gabriel, por exemplo, possui um curso online de química para vestibulandos e ainda grava vídeos para o Youtube, que oferece monetização. Mesmo assim, sua principal fonte de renda continua sendo as aulas em escolas e cursinhos pré-vestibulares presenciais.
Christian Perrone chama atenção, ainda, para a possível exposição excessiva do profissional nas redes, que pode trazer consequências.
“Um profissional que utiliza as redes sociais para a promoção do seu negócio tem que cuidar muito bem do que ele posta, quando ele posta, de que forma faz essa postagem. De um lado, ele está perdendo oportunidades se não entrar nesse ambiente. De outro, precisa cuidar muito bem de sua imagem pessoal, que está sendo exposta”, explica.
O cuidado com a imagem é algo que a dentista pediátrica Simone Cesar considera essencial em sua rotina de produtora de conteúdo. Com mais de 3 milhões de seguidores no TikTok, produz vídeos em seu consultório com as crianças que atende. Por isso, diz buscar sempre ter cuidado para não expor os pacientes de alguma forma e estar em linha com o código de ética da profissão.
Quando começou, há quatro anos, seu objetivo era tentar tirar o medo que as crianças tinham de profissionais de sua área. Por isso, começou a gravar vídeos com músicas e brincadeiras no consultório. Após seis meses no TikTok, um dos vídeos viralizou e, desde então, seu perfil teve crescimento constante, e Simone decidiu adotar o nome de Dentista Musical na rede.
Com o sucesso, teve até que mudar o horário das consultas, adicionando 15 minutos no fim de cada atendimento para gravar vídeos com os pacientes. “Eles adoram, pedem, gravam stories. Às vezes a criança até anestesiada quer gravar vídeos comigo”, conta. Além de dublagens, a dentista também faz posts relacionados a higiene bucal, com dicas para passar o fio dental e parar de roer unhas, por exemplo.
A dentista atende uma média de 12 crianças por dia e sempre está em busca de novas ideias para alimentar as redes. “É muito exaustivo, tenho que me dividir em dez e minha cabeça não para, porque tudo pode ser uma ideia. Mas o TikTok me ajudou a reinventar a carreira. Ele não me monetiza diretamente, mas toda semana tenho um paciente novo que veio pelas redes sociais.”
Por Marcelo Azevedo