Sob críticas, reconhecimento facial chega a 20 estados do país

No combate ao crime, a tecnologia é usada para capturar foragidos e procurados da Justiça, mas os governos locais também a utilizam para buscar desaparecidos

Victoria Damasceno e Samuel Fernandes

Bastam alguns para que um algoritmo de reconhecimento facial identifique uma pessoa, correlacionando seu rosto com milhões de faces de um banco de dados. Caso seja procurada pela Justiça, a pessoa pode ser abordada pela polícia dentro de alguns minutos. Se for muito parecida com uma, também.

Vinte estados das cinco regiões do Brasil utilizam ou estão implementando a tecnologia de reconhecimento facial na segurança pública local. Outros três estudam sua implementação e apenas quatro estados não utilizam, não tiveram contato com o sistema ou planejam utilizá-lo. Os dados foram levantados pela reportagem por meio das secretarias estaduais de Segurança e das polícias Civil e Militar.

A tecnologia também será usada pela Polícia Federal. O órgão anunciou um sistema que irá coletar, armazenar e cruzar dados pessoais de 50,2 milhões de brasileiros. Para isso, o programa utilizará registros do reconhecimento facial e impressão digital, além de unificar dados das secretarias de Segurança estaduais.

No combate ao crime, a tecnologia é usada para capturar foragidos e procurados da Justiça, mas os governos locais também a utilizam para buscar desaparecidos. Na maioria dos casos, as polícias mantêm a operação 24 horas por dia. Em outros, apenas em grandes eventos como o Carnaval.

Em São Paulo, o sistema foi implementado em 2020, com o objetivo de ser usado como apoio às investigações policiais. São cerca de 30 milhões de faces registradas, o que, segundo a Secretaria de Segurança Pública do estado, “permite maior celeridade, confiabilidade e capacidade de processamento das demandas cotidianas”.

A pasta não respondeu como a polícia opera quando alguém é reconhecido. Declarou que as faces utilizadas pelo sistema são provenientes do banco de dados da Polícia Civil, mas não informou a origem das informações do banco.

A Bahia usa o reconhecimento facial desde 2018 . O sistema é alimentado pelo Banco Nacional de Mandados de Prisão, que possui cerca de 333,5 mil foragidos e procurados da Justiça. Até o dia 16 de junho, 209 procurados tinham sido presos com o auxílio da tecnologia. Nenhum algoritmo desenvolvido até agora, no entanto, oferece 100% de precisão. Todos estão sujeitos a erros. No caso da população negra, as chances de reconhecimentos falhos são ainda maiores.

Em 2018, o projeto Gender Shades, desenvolvido pelas pesquisadoras em inteligência artifical Joy Buolamwini e Timnit Gebru, verificou a precisão do reconhecimento facial em quatro diferentes categorias: mulheres de pele mais escura, homens de pele mais escura, mulheres de pele mais clara e homens de pele mais clara.

Foram avaliadas tecnologias desenvolvidas pela Microsoft, a IBM e a chinesa Megvii. As pesquisadoras utilizaram 1.270 rostos de três países africanos e três países nórdicos. O algoritmo que se saiu melhor tinha precisão de 100% para homens de pele mais clara e 79,2% para mulheres de pele mais escura. O que teve o pior desempenho reconhecia homens de pele mais clara com 99,7% de precisão, enquanto mulheres de pele mais escura com 65,3%.

Para que um rosto seja reconhecido com o maior nível de similaridade possível, o algoritmo precisa ser treinado com um grande número de faces de pessoas de diferentes tons de pele, gênero e idade. A maioria dos sistemas desenvolvidos até agora foi treinada com pessoas brancas, o que dificulta o reconhecimento de outras raças.

A explicação é de Pablo Nunes, coordenador do Cesc (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania) e responsável pelo Panóptico, um monitor de projetos de reconhecimento facial no Brasil. Ele conta que o local onde o algoritmo é criado também influencia na sua precisão, por refletir seus criadores e a população local.

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