Sites cobram por serviço gratuito e enganam quem quer abrir MEI
O serviço, na verdade, é prestado gratuitamente pelo governo federal
Entre janeiro de 2020 e julho de 2021, mais de 10 mil pessoas registraram queixas no portal Reclame Aqui por uma mesma razão: elas deram entrada no processo para se tornarem MEI (microempreendedor individual) e, só depois, viram que os sites acessados pertenciam a empresas, que fizeram cobrança de até R$ 300.
O serviço, na verdade, é prestado gratuitamente pelo governo. Tudo é feito de forma digital, sem necessidade de envio de documentos.
Na ferramenta Sebrae Respostas (fórum de discussão online), também é possível verificar relatos de empreendedores que usaram sites para abrir o MEI e buscam saber se foram vítimas de um golpe. Parte deles afirma que pagou a taxa, mas não teve nem o serviço prestado, ou seja, o CNPJ jamais foi criado -o que configura o estelionato.
A semelhança entre os sites particulares e o antigo endereço oficial, que se chamava Portal do Empreendedor, contribuiu para a confusão. Bastava digitar o nome no Google para que dezenas de domínios bem parecidos com o original fossem listados. Alguns tinham status de anunciantes e apareciam antes mesmo do endereço correto.
Em dezembro de 2020, o governo federal retirou a expressão “Portal do Empreendedor” de seu URL. Desde então, o endereço do oficial é gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/empreendedor . Mas foi só em julho deste ano que ele passou a aparecer em primeiro lugar na busca do Google.
A mudança no domínio ajudou, mas não resolveu o problema. Segundo o Instituto Reclame Aqui, o número de queixas em 2021 caiu 26,9%, mas 2.881 foram registradas entre janeiro e julho, mesmo após a mudança do URL.
A pedido da reportagem, o advogado Luiz Augusto D’Urso, coordenador-geral do Conselho de Segurança Cibernética e de Dados Pessoais da Associação Comercial de São Paulo, pesquisou a origem de sete sites que oferecem serviço de abertura de MEI. Segundo ele, todos foram registrados por domínio por proxy, recurso que dificulta a identificação de suas empresas titulares.
Na opinião do advogado, isso já desperta a suspeita de que não sejam idôneas. “Dois sites pertencem a uma mesma empresa e foram registrados em Toronto, no Canadá. Em caso de uma ação judicial, haveria uma dificuldade imensa para encontrar o dono.”
O governo federal admite ter conhecimento do problema e afirma que intensificou as campanhas de esclarecimento. “Temos feito a divulgação pelo próprio site, avisamos que o serviço é gratuito e que foi criado para simplificar a vida do cidadão”, diz Fábio Silva, coordenador-geral de Empreendedorismo e artesanato da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia.
Alguns sites particulares avisam em suas homepages, de forma visível, que o endereço não tem vínculo com o governo e que o registro de MEI pode ser feito gratuitamente.
De acordo com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), essa informação deve ser “clara, transparente e adequada, demonstrando-se se haverá custos e quais são eles.” Se o site mostrar esse alerta e o serviço for prestado -ou seja, se de fato o CNPJ for criado-, não é possível tentar conseguir o dinheiro de volta, afirma D’Urso. Mas, se não houver um aviso claro, o consumidor pode exigir indenização.
“Se a empresa se aproveitar do desconhecimento das pessoas para vender um serviço que é público, pode estar violando a boa-fé e induzindo os consumidores a erro, o que representa uma violação grave ao Código de Defesa do Consumidor”, afirma Christian Printes, coordenador da área jurídica do Idec.
Quem se sentir lesado deve procurar os órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, para evitar a cobrança indevida. Caso o pagamento já tenha sido efetuado, a solução é recorrer à Justiça, por meio de um Juizado Especial Cível.
Nos casos em que o empreendedor pagou pelo serviço e não teve sua empresa aberta, o primeiro passo é registrar um boletim de ocorrência, que pode ser feito presencialmente ou online.
“O aumento de BOs desse tipo gera pressão para que medidas efetivas sejam tomadas. É possível bloquear esses domínios e descobrir quem são os titulares”, diz D’Urso.
Por Flávia G.Pinho