Servidora pública denuncia assédio sexual sofrido em unidade dos Correios, em MG

O crime aconteceu em 29 de agosto de 2021

Na última quinta-feira (29/10), foi realizada, no Tribunal Regional da Terceira Região da Justiça do Trabalho, Estado de Minas Gerais (MG), a primeira audiência do caso de uma servidora pública dos Correios, que está processando a estatal após sofrer assédio sexual dentro de uma unidade da Empresa, em Belo Horizonte. Trata-se de Fernanda Ludmira Martins Anacleto, de 44 anos.
O crime aconteceu em 29 de agosto de 2021. Naquele dia, ela estava trabalhando apenas com o gestor imediato, acusado de ser o autor do crime. Conta a vítima que, na ocasião, ele tentou agarrá-la a força, tentando beijá-la e depois a chamou para sentar-se em um sofá, junto a ele. Para além de processar judicialmente o autor, gestor da vítima à época do crime, Fernanda Ludmira também está processando os Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios) por assédio sexual e moral.
As informações foram confirmadas ao portal Mais Brasília (MB) pela própria vítima que, por meio de farta documentação, encaminhou à redação do portal um dossiê completo com laudos médicos, processos administrativos abertos na empresa, denúncias várias nos canais oficiais dos Correios, dezenas de e-mails trocados entre a vítima e os respectivos gestores, boletim de ocorrência aberto na Polícia de MG, entre outros.
“Foi no dia 29 de agosto, na data de entrega dos malotes do ENCEJA, cheguei para trabalhar às 05h30, permaneci até às 10h, porque esta era a janela de entrega. Depois, fui para casa e retornei às 18h e permaneci até às 23h. Neste dia foram realizados a entrega e coleta dos malotes. Os Correios monitoram os malotes em todo o Estado de MG. Eu avisei ao meu supervisor que seria necessário mais de uma pessoa para realizar as atividades, mas ele informou que não. Na parte da manhã, eu realizei os acompanhamentos dos malotes através do sistema SGCOM. Em determinado momento, durante o período em que eu me encontrava realizando o monitoramento dos malotes, sentada de frente ao computador, ele aproximou-se, colocou a mão no pescoço por baixo dos cabelos da ‘informante’ e a puxou para virar seu rosto quando tentou me beijar a força. Eu o repeli naquele momento sem que houve a insistência do mesmo em prosseguir com a investida. Ao constatar que 100% dos malotes haviam sido entregues, o ele sentou-se no sofá e a convidou para se sentar, dizendo que queria conversar sobre a operação (…). Naquele momento, ele me pediu que eu deitasse no colo dele.”
O parágrafo acima é um trecho de um dos processos administrativos aberto por Fernanda Ludmira nos canais oficiais da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (Correios). Com 40 páginas, o documento narra o episódio do assédio sexual e todo o assédio moral e a violência psicológica sofrida pela vítima após o fato.
“No dia que ele tentou me agarrar, eu me neguei a atendê-lo, disse para ele me respeitar. Consegui me livrar dele e ir embora. Quando retornei ao prédio à noite, ele estava com outra postura. Na segunda, quando eu estava falando com o meu gerente, o autor do assédio me ligou e disse: ‘cuidado com a postura’, em tom de ameaça”, relata a vítima. E emenda: “Minha vida se tornou um verdadeiro horror”.
Fernanda Ludmira é mineira, casada, mãe, servidora pública, moradora de Minas Gerais e poderia continuar vivendo tranquilamente sua vida simples, de trabalhadora comum, que luta diariamente para cumprir as múltiplas jornadas enfrentadas pelas mulheres. Mas, a partir daquele dia, a vida de Fernanda transformou-se, nas palavras dela, em um “verdadeiro horror.”
“Adquiri pavor de entrar naquele prédio, me dá náuseas, sinto dores de cabeça fortíssimas, fico paralisada de medo, não consigo me mexer, minhas pernas tremem, fico suando frio. Passei a tomar diariamente mais de cinco remédios para depressão, ansiedade, burnout”, conta a vítima, mostrando as receitas e laudos médicos destes últimos três anos.
Fernanda conta ainda que o episódio de assédio sexual foi apenas um caso entre uma série de episódios de assédio moral sofridos por ele por parte deste seu gestor imediato. “Ele buscou me desqualificar profissionalmente em todos os sentidos, dizendo que eu era arrogante, que não me misturava, que eu não conseguia me fixar por onde eu passava, que eu era uma pessoa medrosa e insegura
Entre as inúmeras tentativas de solucionar o caso, a vítima tentou conversar com a supervisora, em Minas Gerais, e também com a Presidência dos Correios, com sede em Brasília.
Fernanda conta que, ao procurar a supervisora dela, Zeilange, dizer não conseguiria voltar a trabalhar no prédio que em sofreu assédio sexual, e pedir para ser transferida de local, ser cedida dos Correios para outro órgão público, ela ouviu de Zeilange a seguinte frase: “Você aguenta, você é forte”.
“Eu também liguei na Presidência dos Correios, quem atendeu foi uma senhora chamada Isabel, eu perguntei para quem da Presidência eu poderia encaminhar um e-mail, contando meu caso, porque eu queria que o e-mail chegasse ao Fabiano, ela me respondeu, manda o e-mail para a Presidência que a gente encaminha para ele. Essa foi a única resposta que eu recebi dos Correios, mas foi por telefone. E aí eu mandei o e-mail para a Presidência dos Correios, mas possivelmente não teve ter chegado ao conhecimento dele, ou, se chegou, é como se não tivesse chegado.”, descreve a vítima.
Depressão, ansiedade, crise de pânico, burnout são algumas das doenças adquiridas pela vítima e comprovadas em diversos atestados médicos e receitas de remédio diários. Durante estes três anos de sofrimento, a vítima, nas palavras dela, ainda teve que lidar com negligência e tentativa de descaracterização das doenças psicológicas por parte da Direção dos Correios.
A servidora pública com 20 anos de Casa e nenhum afastamento agora está afastada dos Correios há dois meses. Nesse período de afastamento, segundo Fernanda, os Correios não deram trégua na tentativa de dissuadi-la, pressionando-a para que voltasse a trabalhar o mais rápido possível e, assim, o burnout adquirido pela trabalhadora após a avalanche de violências fosse descaracterizado por parte da empresa.
“O benefício concedido pelo INSS findou-se em 22/10/2024. Porém, no dia 21/10/2024, eu consultei com o meu médico assistente (psiquiatra), que me afastou do trabalho por mais 60 dias (depressão e Burnout). Perguntei ao médico sobre a data do atestado ser dia 21/10 e ele respondeu que não havia problema algum. Porém, no dia 25/10 recebi e-mail dos Correios, na tentativa de invalidar meu atestado médico, pedindo que eu faça a troca do mesmo.”, descreve a vítima.
E continua:
“Hoje recebi uma ligação da Assistente Social dos Correios, perguntando se eu havia recebido o telegrama. Respondi que sim. Perguntou se eu já havia trocado o atestado médico. Respondi que não, que preciso de um encaixe na agenda do meu médico assistente. Então, ela tentou forçar a barra para que eu consultasse com o médico dos Correios para ele trocar o meu atestado. Eu recusei, porque nos Correios não há psiquiatra e sim clínico geral, mas principalmente, porque quem me acompanha e cuida de mim é o meu médico assistente. Eu fiquei indignada com esta atitude da empresa. Já decorreram mais de três anos do assédio e a empresa não me amparou em nenhum momento e foi omissa e negligente. Agora, que eu fui diagnosticada com depressão e burnout a empresa quer descaracterizar o relatório médico e o atestado.”
E acrescenta: “Entrei em contato com a minha advogada informando o ocorrido e ela me respondeu que eu estou afastada pelo INSS e os Correios não tem que me pedir nada. Ela [a advogada] informou também que essas informações não podem ser acrescidas no meu processo, mas que podemos abrir outro processo. Entrei em contato com o sindicato, que me informou que os Correios  estão desesperados, querem que eu retorne ao trabalho para descaracterizar o burnout.”
E finaliza: “No dia 3/11, eu poderei solicitar um novo benefício junto ao INSS. Enquanto isso, a empresa continua me perseguindo com e-mails, telegramas, zaps e telefonemas. A empresa não me respeita, não respeita o meu afastamento para que eu possa me tratar. Nunca vi tanta maldade, tanta desumanidade.”
CASO TAMBÉM ADOECEU FILHO DE VÍTIMA, CRIANÇA DE 6 ANOS À ÉPOCA: 
Para além do drama pessoal, o filho de Fernanda, um menino de apenas 6 anos à época do ocorrido, ao ver a mãe doente, começou a ter sintomas de depressão.
“No caso específico do meu filho vale ressaltar que ele passou por uma bateria de exames com neuropediatra, neuropsicóloga e terapeuta ocupacional, todos custeados somente por mim, para descobrirmos que ele adoeceu (depressão) porque ele absorveu tudo que eu estava passando.”, conta a vítima.
Para as advogadas Luana Maria da Silva Barrouin da Mata e Luana Gabriela Campos, do Barrouin da Mata e Campos Nunes Advogados Associados, responsáveis pela defesa de Fernanda Ludmira no processo de corre no TJMG, “infelizmente, vivemos em uma sociedade que naturaliza mulheres serem assediadas em diversos ambientes, seja no trabalho, instituições de ensino, transportes públicos e privados ou dentro dos próprios lares. A importunação e o assédio são cotidianos na vida das mulheres e quando uma delas denuncia, se depara com situações de preconceito em que a culpabilizam pelo assédio, sendo duplamente violentada. Essa situação constrange e inibe as vítimas, que ficam envergonhadas por serem questionadas em quais dos seus atos teria justificado o assédio. O processo é uma situação típica em que o assédio é menosprezado, o assediador isentado e a vítima culpabilizada.”
No caso em questão, a defesa da vítima argumenta que a empregada denunciou mais de uma vez o assédio sexual que tinha sofrido, e nenhuma atitude foi tomada pelos  Correios.
“Outras funcionárias também foram vítimas de assédio envolvendo o mesmo abusador em situação idêntica e, da mesma forma, os Correios não tomaram nenhuma atitude para preservar a dignidade sexual dessas mulheres; ao contrário, o algoz delas foi promovido, gerando uma sensação em todas de impunidade.”, reitera. E finaliza: “O processo judicial ainda está em andamento, a instrução foi encerrada com audiência de instrução para oitiva de testemunhas e aguardamos que a sentença seja de procedência e traga para a empregada e também para suas colegas de trabalho que passaram pela mesma situação o sentimento de que a justiça foi feita e que a sua dignidade será respeitada.”
VÍTIMA DENUNCIOU NOS CANAIS OFICIAIS DOS CORREIOS: 
Antes de procurar a imprensa, de entregar farta documentação ao portal Mais Brasília (MB), de ter a coragem de denunciar um assédio sexual, Fernanda trilhou – durante três anos – todo o caminho de denúncias nos canais oficiais dos Correios, sem sucesso. Fernanda também procurou a polícia, registrou boletim de ocorrência do caso, igualmente, sem sucesso. Eis abaixo algumas das cópias dos textos dos e-mails enviados pela vítima aos canais oficiais, que o MB teve acesso:
“Tendo em vista que não houve nenhum retorno da ECT, do e-mail abaixo enviado no dia 28/08/2024 à Presidência da ECT, venho por meio deste, informar que efetuei um nova solicitação na Ouvidoria no Canal de Denúncias. Protocolo: 194539909. Abaixo, relato na minha nova solicitação à Ouvidoria, e, em anexo, resposta da SGREO.”
“Informo que no dia 01/11/2023, reiterei uma denúncia no Canal de Denúncias dos Correios 167926554. Denúncia de assédio moral e assédio sexual. No dia 08/01/2024 fui chamada na SGREO para oitiva. Compareci conforme solicitado, estava de férias na referida data. No dia 09/01/2024, duas colegas de trabalho, Karen e Joyce, que também sofreram assédio, compareceram na mesma gerência. Uma terceira testemunha, Yara, que também sofreu assédio, foi chamada posteriormente. Todas as três colegas são da empresa terceirizada Premier e foram demitidas da ECT.”
“Informo que sofri o assédio no ano de 2021, registrei denúncia na minha própria gerência (GELOG) e também no Canal de Denúncias no referido ano (2021) e até hoje não obtive nenhum retorno dos Correios.”

“Em junho 2024, entrei em contato com a SGREO por e-mail solicitando informações sobre o andamento do processo (167926554), tendo em vista o tempo decorrido desde as oitivas das testemunhas, mas não obtive nenhuma informação (conforme resposta da SGREO em anexo).”

“Dessa forma, como ‘parte interessada’, solicito número do processo, cópia do processo e, inclusive, que sejam mantidos os depoimentos das testemunhas: Karen, Joyce e Yara. Reitero a minha solicitação de informações e documentos que me foram negados”.

“Reitero, meu pedido de cessão para outro órgão, que seja compatível com a minha saúde mental e física, e, para que eu possa cuidar do meu filho e de mim.”

Para produzir esta reportagem, o portal Mais Brasília (MB) demandou a assessoria de imprensa dos Correios, sem sucesso.
Sair da versão mobile