Sem vacinas e com volta às aulas, cresce risco de Covid em crianças e adolescentes, diz estudo
Até o momento, a vacina da Pfizer é a única que pode ser usada no país para os de menor idade
Com o avanço da vacinação contra Covid na população adulta brasileira, o grupo dos mais vulneráveis a contrair a doença passa a ser justamente a faixa etária mais jovem do país, a das crianças de zero a 11 anos.
Até o momento, a vacina da Pfizer contra Covid-19 é a única que pode ser usada no país para os de menor idade. Ela está aprovada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para adolescentes de 12 a 17 anos. As demais opções de imunizantes são para a população acima de 18.
Para as crianças com 11 anos ou menos, não há ainda uma previsão de quando uma vacina será autorizada e pode estar disponível. Isso, aliado a um retorno às aulas presenciais em diversos estados brasileiros, pode colocar essa população em maior risco para a doença.
Paralelamente, estratégias amplas de testagem em ambientes escolares não foram implementadas no país desde o início da pandemia.
Essas são conclusões de um estudo feito pela Rede de Pesquisa Solidária, que reúne várias instituições públicas e privadas. A observação vem acompanhada de um alerta: hoje, no estado de São Paulo, cerca de 1 em cada 5 testes RT-PCR feitos na rede pública em crianças e adolescentes de até 17 anos é positivo para o Sars-CoV-2.
No público mais jovem elegível para vacinação, cerca de 70% dos adolescentes receberam até o dia 21 de outubro pelo menos uma dose da vacina, e 8% já completaram o esquema vacinal -adolescentes com comorbidades foram os primeiros desse grupo a serem imunizados.
Na última quarta (20), o Brasil ultrapassou a marca de 50% da população vacinada com duas doses, número que salta para 68,51% quando considerada apenas a população com mais de 18 anos, segundo dados atualizados até a última segunda (25).
Por outro lado, usando uma estimativa do IBGE, há cerca de 35 milhões de crianças no Brasil com idade de zero a 11 anos que ainda não contam com imunizante contra Covid.
Os dados do levantamento são do Open DataSus, do Ministério da Saúde, e analisados pelo Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Ufal (Universidade Federal de Alagoas) e pelo projeto ModCovid19.
Para Lorena Barberia, pesquisadora do departamento de ciência política da USP e coordenadora da nota, o país não vai conseguir atingir 80% da população vacinada sem incluir as crianças na campanha de vacinação. E, até lá, a reabertura das escolas com 100% de presença obrigatória e o afrouxamento de algumas medidas de proteção contra o coronavírus podem implicar em um aumento da incidência justamente nessa faixa etária.
Apesar disso, os esforços para o aumento da testagem nesse grupo não foram significativos para o planejamento do retorno às aulas presenciais, diz Barberia. Na semana que antecedeu o retorno às classes com capacidade de 35%, em abril, a porcentagem de testes realizados nas crianças não aumentou em comparação com 2020, mostra o estudo.
“Ampliar a testagem nas crianças agora seria fundamental porque não há, no curto prazo, uma expectativa de vaciná-las. E ao cruzar o retorno dessas crianças mais vulneráveis às escolas sem testagem, sem vacinas e com precariedade de protocolos, não vamos conseguir ter dados com uma rapidez suficiente para entender o que está acontecendo nesse grupo”, afirma.
De janeiro a dezembro de 2020, 3,6% dos testes de RT-PCR na rede pública em São Paulo foram realizados em crianças de zero a 11 anos, parcela que representa 15,7% da população. Já as crianças de 12 a 17 anos representam cerca de 8% da população do estado e apenas 3,1% do total de testes para detecção do coronavírus no mesmo período.
Em 2021, esse número cresceu pouco em todo o estado, passando para 4,6%, no caso das crianças de até 12 anos, e de 4,7% para os adolescentes de 12 a 17 anos. No mesmo período, 90,03% do total de testes realizados para Covid eram em pessoas com mais de 18 anos.
De maneira semelhante, os novos casos de internação e óbitos por Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave), incluindo Covid, cresceram neste grupo em 2021, segundo plataforma SP Covid-19 InfoTracker. A taxa de letalidade hospitalar está em 5,8%, para crianças de zero a 9 anos, e de 7,4%, nos adolescentes de 10 a 19 anos.
Frente ao medo de infecção dos filhos, alguns pais recorrem à testagem privada. Por conta disso, laboratórios particulares viram um aumento tanto do número absoluto de testes em crianças e adolescentes quanto na positividade -apesar de, em comparação com o total de testes, ainda serem os que menos testam.
Dados do Grupo Pardini, rede de laboratórios presente em mais de 5 mil cidades no país e atuante, principalmente, nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás, encontraram uma maior positividade dos testes em adolescentes de 14 a 17 anos nas três últimas semanas epidemiológicas (que vão de 3 a 23 de outubro) em comparação com os adultos.
“Esse aumento, embora seja relativo porque não é a faixa etária que mais testa em número absoluto, é representativo porque é a população que voltou às escolas, que está circulando mais, [os adolescentes] não vão aderir tanto assim às medidas de proteção e ainda estão no processo de imunização”, explica Melissa Valentini, infectologista do Grupo Pardini e também da rede SUS de Belo Horizonte.
Tanto para Valentini quanto para Barberia, isso pode representar um perigo adicional também para a população com mais de 60 anos que já está apta para a dose de reforço das vacinas, mas ainda não a recebeu em grande quantidade.
“A positividade nos maiores de 60 anos também aumentou, principalmente se considerarmos aqueles que estão há mais de seis meses da segunda dose”, afirma Valentini.
Barberia preocupa-se ainda com os perigos de quadros de Covid longa nesse grupo.
“Fico chocada ao pensar que há um risco enorme das crianças serem expostas e não há estratégias para monitorar os casos, porque não há testagem. Não há nenhuma nota técnica específica nem do Ministério da Saúde nem da secretaria estadual tratando de crianças com 11 anos ou menos, que ainda não foram vacinadas, e elas não estão protegidas”, diz.
Por Ana Bottallo