Sem negociação, Correios param em todo o país no próximo dia 8

Enquanto as negociações não caminham, documentos conseguidos com exclusividade pelo portal Mais Brasília (MB), tais como passagens aéreas, mostram que membros da Diretoria dos Correios viajaram para acompanhar as Olimpíadas, em Paris

Os Correios param as atividades em todo o país no próximo dia 8 de agosto, a partir de uma mobilização dos trabalhadores, que prometem realizar a maior greve nacional da história da estatal criada ainda em 25 de janeiro de 1663. As principais pautas reivindicadas são o aumento salarial real corrigido de acordo com a inflação e a questão da volta dos 70% do plano de saúde, que hoje é 50/50.

Porém, apenas o reajuste nos salários não livrará a direção da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) de sofrer as consequências de uma greve trabalhista em plena campanha eleitoral. Isto porque os servidores não abrem mão da revisão do plano de saúde.

Sem avanços nas negociações, iniciadas há quase dois meses com a presidência dos Correios, os trabalhadores caminham para a greve. E conquistaram, na Justiça, nesta última quarta-feira (31/7), um trunfo importante. O ministro Lélio Bentes do Tribunal Superior do Trabalho (TST) deferiu em favor dos trabalhadores um protesto judicial movido pela FINDECT-SP. Trocando em miúdos, na prática, isto quer dizer que qualquer acordo posterior à data-base terá efeito retroativo. A data-base dos Correios é esta quinta-feira, 1º de agosto.

Normalmente, esse tipo de protesto é utilizado quando as partes não chegam a um acordo até a data-base, sendo necessário comprovar inércia ou estagnação nas negociações.

Na decisão judicial, o ministro pontua o que é necessário para uma categoria ingressar, na Justiça, com este tipo de solicitação. E os trabalhadores dos Correios cumprem todos requisitos exigidos para o deferir e/ou aceitar o protesto judicial.

São eles: “a necessidade de comprovação de negociação coletiva em curso, com possibilidade de exaurimento da vigência do instrumento coletivo atual antes do fim das tratativas, e o seu ajuizamento antes do termo final do instrumento coletivo vigente. (…)”.

Assim sendo, “reputa-se necessário o provimento do presente protesto judicial, com vistas a garantir a data-base da categoria profissional em 1º/8/2024, sobretudo diante da proximidade do exaurimento do prazo de vigência do ACT 2024/2025.”, decidiu o ministro na última quarta (31/7).

“Os trabalhadores apresentaram sua pauta há aproximadamente 60 dias, cumprindo a legislação que garante os direitos dos trabalhadores e comprovando a boa-fé negocial junto ao TST. A FINDECT ingressou com um protesto judicial no TST para assegurar a data-base da categoria em 1º de agosto.”, explicou o presidente da FINDECT, Marcos Snt’Aguida.

 

60 DIAS DE MOBILIZAÇÃO 

Nestes 60 dias, os trabalhadores lutaram para conseguir negociar. Sindicatos de todo o país se mobilizaram.

Há mais ou menos duas semanas, Geraldinho Rodrigues, diretor da FENTECT-CSP/Conlutas, postou um vídeo nas redes sociais em que dizia:  “Acabamos de sair da oitava reunião com a empresa, e hoje, para a nossa surpresa, a empresa disse que não vai cumprir com o calendário, que só vai apresentar proposta econômica no dia 31, sendo que nós temos uma data para fazermos as reuniões, que é até o dia 30 de julho, para levarmos para os trabalhadores. As reuniões ocorrem desde o dia 2 de julho e a empresa não apresentou nada de concreto para os trabalhadores, e na hora certa, nós irmos para a greve, a empresa só está entendendo essa palavra, dia 8 de agosto é greve nacional da categoria.”

Em protestos, assembleias, redes sociais, dirigentes sindicais explicam o porquê da greve:

“São Paulo não vai aceitar que não se mexa na questão do convênio. São Paulo não vai aceitar ficar sem os 70%. Hoje tudo é terceirizado, quando os trabalhadores precisam ir ao médico, está tudo terceirizado e o trabalhador desrespeitado, não consegue nem abrir uma CARD.”, explica Rogério Bueno (Linguinha), vice-presidente do SINTECT-SP. E continua: “Pediram que nós corrigíssemos as cláusulas que tinham inconsistência, mas não apresentam propostas. A maior DR/SPM não pode ficar estagnada. A categoria de São Paulo está cansada de mentiras. Fabiano, ou você começa a cumprir com o que você assina, ou dia 7, os trabalhadores dos Correios vão dar uma resposta à altura para você na maior greve que este país já viu.”

O secretário-geral do SINTECT-SP, Ricardo Adriane (Negopeixe), argumentou sobre a falta de estrutura dos Correios atualmente.

“Não tem estrutura. E quando a gente fala de estrutura, são melhores condições de trabalho para os trabalhadores. Porque não adianta os Correios fecharem contratos com muitas empresas e não conseguirem entregar as encomendas por conta da incompetência da Direção que não estrutura a empresa.”

Moisés (Poeta), diretor do SINTECT-SP, acrescentou:

“Nossa pauta de reivindicação contempla toda a categoria, contempla o carteiro, o att,  atendente comercial, o motorista e o auxiliar administrativo. Nós estamos reivindicando a volta do adicional noturno nos moldes do acordo coletivo de 2020, a volta dos 70%, melhorias no convênio médico e um custeio que seja justo para os trabalhadores.”

 

DIREITOS DAS MULHERES 

Para além do reajuste e do plano de saúde, há pautas em defesa das mulheres que também foram colocadas à mesa de negociação.

“Desde o dia 15/7, estamos na luta por um Acordo Coletivo (ACT) que traga justiça e igualdade para todas as mulheres da categoria. Já debatemos diversas cláusulas importantes, mas a empresa ainda não apresentou respostas satisfatórias para todas as nossas reivindicações. A Constituição Federal é clara: homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Na prática, ainda enfrentamos desigualdade salarial, assédio moral e sexual; temos pouca representatividade nas funções de liderança, trabalhamos em uma jornada exaustiva, com falta de creches, que afetam diretamente a vida das trabalhadoras e suas famílias.”, explicou Shirlene Souza, da FENTECT-BA.

 

JOGO COMBINADO 

Bastidores do planejamento da greve, mostram rixas entre líderes sindicais, apontando que as negociações não avançaram, durante estes últimos dois meses – junho e julho – porque há quem jogue contra as reivindicações.

“Esses caras que jogaram contra a correção das cláusulas do acordo coletivo e contra o trabalhador. Os trabalhadores não vão ser enganados por cara que anda junto com patrão, por quem faz a FENTECT de trampolim para se promover”, argumentou Rogério Bueno, o Linguinha, vice-presidente do SINTECT-SP.

Na última terça (30/7), a direção da FENTECT, juntamente com o Comando Nacional de Mobilização e Negociação, foi convidada pela ECT a participar de uma reunião extraordinária no edifício sede dos Correios, em Brasília, para dar continuidade às tratativas para as negociações do ACT 2024/2025.

“Apesar de já terem sido realizadas 11 reuniões com a representação dos Correios, infelizmente a dinâmica da empresa, mais uma vez, está adiando melhorias e avanços nas pautas apresentadas. Realizamos um debate rico, repleto de elementos comprobatórios de que os anseios dos trabalhadores ecetistas devem ter os avanços. No entanto, a empresa, ao invés de ter lido a pauta de reivindicações e chegar à mesa com sua proposta dentro do que está sendo reivindicado, preferiu se comportar como se nunca tivesse lido a pauta que foi protocolada com tempo hábil de ser estudada pela representação da empresa.”, pontuou a FENTECT.

 

REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA

Nesta reunião extraordinária, a presidência dos Correios propôs um reajuste de 6,05 % para janeiro de 2025 e 4,11% para os benefícios a partir de agosto de 2024; proposta esta rejeitada pelos trabalhadores principalmente por não contemplar a questão da revisão do plano de saúde. No mesmo dia, os trabalhadores ainda aprovaram o estado de greve e o indicado de greve para o dia 8/8/2024.

 

VALE-TICKET DIA DOS PAIS

Ainda na terça (30), poucas horas antes da reunião, o Primeira Hora, boletim oficial da direção dos Correios, publicou uma nota divulgando a antecipação do vale-ticket do Dia dos Pais. Anteriormente, a FENTECT veiculou um documento em que solicitava essa antecipação. Funcionários antigos dos Correios argumentam, porém, que este vale-ticket é de praxe e que toda direção, todo ano, realiza este procedimento.

Em grupos de WhatsApp, trabalhadores comentaram a antecipação com alegria. Um deles, porém, pontou o seguinte: “Não deixa de ser importante, em um jogo combinado”. O presidente da Federação não se manifestou.

 

UMA VIAGEM A PARIS 

Enquanto as negociações não caminham, documentos conseguidos com exclusividade pelo portal Mais Brasília (MB), tais como passagens aéreas, mostram que membros da Diretoria dos Correios viajaram para acompanhar as Olimpíadas, em Paris, na França. A documentação aponta ainda irregularidades nos processos de contratação de patrocínios nos Correios, evidenciando um potencial conflito de interesses e má gestão financeira.

Segundo os documentos, a chefe de departamento responsável pela aprovação das propostas de patrocínio também atuou como fiscal do contrato para o evento “Casa Brasil” durante as Olimpíadas de 2024 na França, infringindo normas de segregação de funções previstas pela legislação. Tal atitude sugere um interesse pessoal da agente pública em viajar para o evento.

Os dados indicam que os Correios excederam o orçamento planejado para patrocínios, priorizando contratos escolhidos diretamente, alinhados com interesses do governo.

Estes contratos desviaram dos termos da Lei 12.232, que regulamenta a contratação de serviços de publicidade por empresas públicas.

A lei, sancionada em 29 de abril de 2010, estabelece normas para a licitação e contratação de serviços de publicidade, visando promover transparência e integridade nos processos administrativos.
Citação 1: Lei n° 12.232/2010: licitações e contratações de serviços de publicidade por intermédio de agência de propaganda – Jus.com.br | Jus Navigandi](https://jus.com.br/artigos/18152/nova-legislacao-sobre-licitacoes-e-contratacoes-pela-administracao-publica-de-servicos-de-publicidade-prestados-por-intermedio-de-agencia-de-propaganda-lei-n-12-232-2010).
Citação 2. Lei n° 12.232, de 29 de abril de 2010 – Portal de Licitação](https://portaldelicitacao.com.br/2019/legislacao/lei-nd-12232-de-29-de-abril-de-2010/).
Citação 3: LEI Nº 12.232, DE 29 DE ABRIL DE 2010. | LEI Nº 12.232 | Direito UNIFACS – Debate Virtual – Qualis A2 em Direito](https://revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/989).

Em meio a um déficit financeiro de quase um bilhão de reais, a gestão atual dos Correios, sob o comando de Fabiano Santos, indicado pelo presidente Lula, busca financiamento internacional junto ao banco dos BRICS (um empréstimo de  R$4 bilhões) contando com a intermediação da ex-presidente Dilma Rousseff. Este movimento ocorre enquanto a empresa enfrenta acusações de má gestão e associação com integradores de carga e agências de correio não regulamentadas. Vale ressaltar que o empréstimo, porém, ainda não passou no Congresso e, caso passe, já está todo atrelado a projetos sustentáveis. Ou seja, não sairá de imediato; tampouco pode ser utilizado sem contrapartida e/ou explicitação em que será gasto o dinheiro.

Além disso, a administração petista nos Correios já foi algo de investigações do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU) em gestões passadas, devido à falta de segregação de funções nos contratos de patrocínio e publicidade, reiterando a recorrência de práticas inadequadas.

Em contraste com a promessa do presidente Lula de não tolerar desvios de conduta nas estatais, documentos, depoimentos de lideranças sindicais e trabalhadores apontam que atual gestão evidencia uma contradição preocupante, refletida no consumo exacerbado dos recursos da empresa, comprometendo a viabilidade financeira dos Correios.

A redação do Mais Brasília procurou a assessoria de imprensa da estatal, mas não obteve resposta até a publicação dessa reportagem.

 

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