Seletividade alimentar de crianças neurodivergentes: como equipes multidisciplinares ajudam no tratamento

Além das profissionais de saúde, destacamos ainda a importância do acompanhamento escolar

A seletividade alimentar, caracterizada pela recusa persistente de alimentos e pela restrição da dieta, é um desafio crescente entre crianças neurodivergentes. Por isso, especialistas reforçam que compreender e tratar essa condição requer uma abordagem integrada, que envolve uma equipe multidisciplinar composta por nutricionistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais e até fonoaudiólogos. Esta abordagem colaborativa é crucial para identificar as causas subjacentes da seletividade e desenvolver estratégias eficazes e personalizadas para cada criança.

A nutricionista materno-infantil Danielle Mendes destaca que, muitas vezes, crianças com seletividade alimentar consomem dietas restritivas, o que pode resultar na falta de alguns nutrientes na medida indicada.

“Essas deficiências podem afetar o crescimento e o desenvolvimento cognitivo e físico. Por isso, é essencial que a suplementação seja personalizada, garantindo que as necessidades nutricionais da criança sejam atendidas”, explica Mendes.

Segundo a psicóloga Ana Lídia, a seletividade alimentar pode ser influenciada por fatores comportamentais e emocionais, que precisam ser cuidadosamente avaliados.

“Na psicologia, utilizamos técnicas de reforço, dessensibilização sistemática e modelagem para ampliar o repertório alimentar da criança e reduzir comportamentos inadequados de recusa”, afirma Lídia. Ela enfatiza a importância de um trabalho conjunto entre as especialidades, permitindo uma intervenção mais completa e adaptada.

A condição também pode estar relacionada a dificuldades motoras orais e hipersensibilidades que afetam a mastigação e a deglutição, como explicam as fonoaudiólogas Fernanda Jovita e Milena Alves.

“Trabalhamos de forma conjunta para aumentar o interesse e reestruturar novamente aquela criança em seu âmbito alimentar”, pontua Jovita. Milena Alves acrescenta que, “na avaliação fonoaudiológica, é possível identificar se há uma hipotonia oral e incoordenação dos movimentos orais na hora da mastigação até a deglutição. Por isso, o fonoaudiólogo junto da equipe interdisciplinar também atua na orientação com os pais e cuidadores sobre as novas práticas e rotinas alimentares dessa criança”.

Jovita comenta ainda que a recusa de alimentos pode ser consequência de desafios para lidar com as texturas, consistências, temperaturas, cores, aparência, forma de apresentação, cheiros e sabores. Todas essas sensações, portanto, podem ser recebidas e processadas de uma forma diferente, desorganizada, sentidas em excesso ou pouco sentidas. Assim sendo, o trabalho do terapeuta ocupacional também é essencial na abordagem da seletividade, pois ele tem como objetivo fornecer sensações corporais por meio de estímulos sensoriais, principalmente, táteis, proprioceptivas e vestibulares.

Ambiente escolar

A seletividade alimentar, muitas vezes, tem raízes, desde os primeiros anos de vida dos pequenos. Desde cedo, a criança pode desenvolver preferências baseadas em texturas, cores e sabores, que acabam moldando seus hábitos alimentares ao longo do tempo.

Esse comportamento pode ser influenciado por diversos fatores, incluindo as preferências dos pais, que tendem a oferecer mais determinados tipos de alimentos para seus filhos.

Além disso, de acordo com Camila Braga, professora e coordenadora escolar infantil, existe a chamada seletividade parcial, que ocorre quando uma criança, independentemente da idade, aceita determinados alimentos apenas em formas específicas.

“Ela pode consumir alimentos crus, mas recusar quando são batidos, ou aceitar alimentos amassados, mas não em cubos. Isso muitas vezes se reflete em outros aspectos da vida, influenciando no comportamento em diversas situações”, explica.

Na escola, como ela exemplifica, a seletividade alimentar é abordada de maneira integrada ao sistema de ensino integral.

“As aulas de culinária são um exemplo de como a alimentação é trabalhada de forma prática e educativa”, pontua. Braga acrescenta que durante essas atividades, as crianças têm a oportunidade de interagir com os alimentos de diferentes maneiras: primeiro, em sua forma natural; depois, em outras formas, como sucos, gelatinas ou assados. “Esse contato variado com os alimentos ajuda a ampliar o repertório alimentar das crianças e a reduzir a seletividade”, aponta.

“Em projetos específicos, como os que abordam a cultura de diferentes países, os alunos não apenas aprendem sobre a comida típica, mas também participam na preparação e experimentação de pratos, o que contribui para uma relação mais positiva e aberta com a alimentação”, conclui.

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