Quase metade dos brasileiros faz bico para complementar renda, diz pesquisa
A pandemia teve um impacto direto na estatística de trabalhadores que fazem bico para pagar as contas
O famoso bico faz parte da rotina de quase metade da população brasileira. Uma pesquisa do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria) em parceria com o Instituto Cidades Sustentáveis aponta que 45% fazem trabalhos extras para complementar a renda, o que corresponde a 70,2 milhões de brasileiros.
A pesquisa foi realizada em todas as cinco regiões do país e coletou depoimentos de 2.000 brasileiros com mais de 16 anos e de 128 municípios, entre os dias 1 e 5 de abril de 2022. A margem de erro é de 2 pontos percentuais.
FAXINA, MANUTENÇÃO E MARIDO DE ALUGUEL SÃO MAIS COMUNS
Quando é necessário arranjar um segundo trabalho, os serviços gerais são os bicos mais comuns para milhões de brasileiros. Nos últimos 12 meses, 13% dos entrevistados fizeram algum tipo de faxina, manutenção ou até serviços de marido de aluguel -conserto ou assistência técnica, como instalação de aparelhos em casa.
Em segundo lugar no ranking do estudo, está a produção de alimentos em casa para vender, com 8%. A terceira opção mais popular para obter renda extra é anunciar roupas e outros artigos usados para a venda, como fizeram 6% dos brasileiros.
Ainda de acordo com o estudo, as regiões onde o bico é mais popular são Norte e Centro-Oeste, onde quase 48% da população fez algum tipo de bico.
A pandemia teve um impacto direto na estatística de trabalhadores que fazem bico para pagar as contas. É o caso de Martha Regina Cassiano dos Santos, recepcionista e moradora do Morro do Urubu, no bairro da Piedade, zona norte do Rio de Janeiro (RJ). Ela viu a faxina nos finais de semana como oportunidade de bancar os estudos do filho pequeno, de dois anos, e seu próprio curso de radiologia.
“Durante a pandemia, fui procurar um ramo de trabalho e consegui a vaga de recepcionista. Mas não tem como sobreviver com um salário de R$ 1.200, então preferi obter renda extra nos finais de semana fazendo faxina”, afirma Martha. O marido é soldador e, após o fim do expediente do primeiro emprego, vira mototaxista. “Nós dois trabalhamos mais de oito horas por dia. Ele sai do trabalho às 5 horas da manhã e só volta às 10 horas da noite. Nós perdemos a infância do nosso filho”, completa.
Os pesquisadores do Ipec e do Instituto Cidades Sustentáveis notam que famílias com renda menor do que um salário mínimo e evangélicos têm maior necessidade de fazer um trabalho extra para complementar a renda.
75% DOS BRASILEIROS PERCEBEM AUMENTO DA POBREZA E DA FOME
Conforme a pesquisa, a fome e a pobreza aumentaram visivelmente para três quartos dos brasileiros, ou quase 126 milhões de pessoas. A maior dificuldade dos que responderam à pesquisa é comprar alimentos.
O estudo aponta que 47% dos entrevistados têm visto ou conhecem uma pessoa com dificuldades para comprar comida, enquanto 37% perceberam o aumento da população de moradores de rua. Já 29% relataram ter observado o crescimento de ambulantes trabalhando em semáforos, e 17% disseram ter notado o aumento de barracos, favelas ou ocupações em seu município.
A percepção do avanço da pobreza e da fome é mais comum entre moradores de capitais e periferias metropolitanas, ou seja, municípios com 50 mil a 500 mil habitantes ou mais. Por outro lado, moradores de municípios com menos de 50 mil habitantes são os que menos perceberam o aumento da pobreza e da fome no Brasil.
Martha diz que o item mais caro para abastecer a geladeira é a carne. Na casa da recepcionista, o alimento deixou de ser consumido nos dias úteis da semana, e virou um luxo de ocasião especial aos sábados e domingos. “Na semana, nós trocamos a carne pelo ovo. Como a situação está difícil e temos outros gastos, como o material escolar, fazemos dessa forma”, disse a moradora do morro do Urubu.
Por Pedro Leite Knoth