Promotoria de SP investiga se delegado Da Cunha lucrou com vídeos
De acordo com a Promotoria, caso confirmada, a monetização desse tipo de conteúdo pode configurar enriquecimento ilícito
O Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito civil para apurar se o delegado de polícia Carlos Alberto da Cunha, 42, conhecido como delegado Da Cunha, ganhou dinheiro com vídeos de operações oficiais da Polícia Civil postados por ele nas redes sociais, o que seria irregular.
De acordo com a Promotoria, caso confirmada, a monetização desse tipo de conteúdo pode configurar enriquecimento ilícito porque os policiais não podem, em tese, usar cargos públicos nem empregar bens e materiais da Polícia Civil para benefício próprio, conforme prevê a lei de Improbidade Administrativa.
“Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1° desta lei”, diz trecho do artigo 9º.
Cunha ganhou projeção nas redes sociais com a divulgação de vídeos de operações policiais das quais participava na zona leste de São Paulo. O delegado negou publicamente que tenha tido ganho financeiro com postagens no Youtube, a não ser nos últimos meses, quando criou uma fundação.
Em caso de condenação, a lei de Improbidade prevê entre as suas penalidades a perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa de até cem vezes o valor do acréscimo patrimonial. Por se tratar de inquérito civil, não há previsão de medidas restritivas de liberdade.
De acordo com policiais ligados a Da Cunha, o delegado vem monetizando o canal no Youtube, onde tem mais de 3,5 milhões de inscritos. Os colegas estimam que da Cunha teria arrecadado ao menos R$ 400 mil.
O inquérito civil foi instaurado pela Promotoria do Patrimônio Público na última quinta-feira (5) após apuração preliminar encontrar indícios de irregularidades. A apuração inicial foi aberta no início do ano, após denúncias anônimas, mas ganhou corpo com informações encaminhadas pela Secretaria da Segurança em maio.
Em documento assinado pelo secretário da Segurança Pública, general João Camilo Pires de Campos, o governo paulista informou que havia, na época, cinco apurações preliminares instauradas contra o delegado. Atualmente, são sete procedimentos em curso -parte deles transformada em sindicância.
Nessa lista está uma para averiguar a “licitude do acompanhamento e filmagem por cinegrafistas ou assemelhados das operações policiais capitaneadas pelo averiguado, com posterior divulgação em seu próprio canal no Youtube”.
Embora o documento cite outras possíveis irregularidades cometidas pelo delegado, como a promoção de empresa de segurança privada, o foco do inquérito será a monetização do canal de divulgação de vídeos, segundo a Promotoria.
O grande número de apurações em curso levou a Corregedoria a solicitar o afastamento do delegado da Cunha. O pedido foi aceito pela cúpula da Polícia Civil de São Paulo que, no final do mês passado, determinou o afastamento do policial, que teve de entregar as armas e o distintivo.
Agora, Cunha pediu o afastamento temporário da instituição. A licença de dois anos sem vencimentos foi autorizada pela Delegacia Geral, conforme publicação do Diário Oficial desta terça-feira (10). O afastamento não provoca a suspensão dos procedimentos internos abertos pela instituição.
Procurado pela Folha de S.Paulo, o delegado Da Cunha não se manifestou até a publicação desta reportagem. Em um vídeo postado nas redes sociais na semana passada, o delegado negou aos seus seguidores ter monetizado vídeos de operações.
Nessa mesma postagem, ele disse que as pessoas interessadas neste assunto deveriam investigar outras autoridades também. Ele não citou nomes ou instituições. Além da Promotoria, a Corregedoria da Polícia Civil também apura a legalidade do conteúdo divulgado pelo policial na internet.
“Queria dizer que todos os vídeos de operações que estão gravadas no canal foram feitas sem nenhuma monetização. Então, o canal do Youtube não é fonte de renda. Eu nunca usei a imagem da instituição. As operações não são monetizadas”, disse.
Na sequência, porém, o policial afirma que, na verdade, monetizou o canal há cerca de três meses quando foi afastado das operações de rua e teve de criar um instituto, mas não deu detalhes desse instituto.
“Eu fundei um instituto e tive que monetizar o canal, mas já com doação de uma parte disso. Que fique bem claro, para vocês que estão questionando. Vocês têm que questionar também por que existem deputados que têm canal no Youtube, juízes que têm canal no Youtube, promotores de Justiça, policiais militares. Todo mundo tem”, complementou ele dizendo que, apesar de estar afastado da polícia, vai continuar realizando operações como cidadão.
A Folha de S.Paulo questionou a Secretaria da Segurança Pública se o delegado teve, em algum momento, autorização para gravar e divulgar ações policiais na internet. A pasta não respondeu. Informou apenas que o “policial civil responde a procedimento administrativo disciplinar junto ao órgão corregedor da instituição. As medidas adotadas são previstas na legislação”.
Por Rogério Pagnan