Público associa Touro de Ouro a desigualdade, mas aprova atração turística em SP
A peça foi instalada pela Bolsa para promover o mercado de renda variável e tem autorização de permanência por três meses
O dorso dourado da escultura do touro de fibra de vidro pode ser visto de longe sobre as cabeças dos pedestres no meio da rua 15 de Novembro -o tráfego de carros não é permitido-, no centro histórico da capital paulista. Nos 350 metros de caminhada entre a praça da Sé e a frente do edifício-sede da Bolsa de Valores, onde está a estrutura de 3 metros de altura e 1 tonelada, barracas de camping coloridas e abrigos de papelão ocupados por famílias sem moradia também se destacam no calçadão cinzento.
O contraste entre o símbolo de prosperidade que o Touro de Ouro representa e o aprofundamento da miséria durante a crise da pandemia estava presente nas opiniões de parte das pessoas que passaram pelo local no início da tarde desta quarta-feira (17/11). A peça foi instalada na véspera pela Bolsa para promover o mercado de renda variável e tem autorização de permanência por três meses.
“É uma hipocrisia tentarem dizer que os investimentos estão em alta, quando sabemos que não estão”, disse o estagiário em administração Anderson Leite, de 28 anos.
“É um símbolo da destruição do país pelo poder financeiro”, afirmou, em voz alta, José Luís da Silva, que não quis revelar idade e profissão. “O símbolo da destruição do Brasil pelos Estados Unidos”, gritou, já distante, o homem que vestia roupa social e arrastava uma pequena mala com rodinhas.
Mais cedo, manifestantes tinham colado na escultura cartazes com frases de protesto contra a fome. A limpeza foi rapidamente providenciada por funcionárias da B3, sigla para Brasil, Bolsa, Balcão –nome oficial da Bolsa de Valores do Brasil.
“Não é o símbolo do Brasil, nem da B3”, disse a advogada de uma corretora de valores, de 26 anos, que pediu para não ter o nome divulgado. “Conheço o Spyer [Pablo Spyer, sócio da corretora XP e idealizador da escultura] e acho que é uma coisa para promover uma pessoa e algumas empresas.”
Após tirar fotos com colegas de trabalho ao lado da escultura, o advogado Carlos Speltri, 58 anos, disse estar a par das opiniões divergentes sobre a iniciativa da B3.
“Há diversas posições, mas eu sou positivo, procuro ver o lado bom, sobre a valorização do centro [de São Paulo] e do significado de força do povo paulista.”
A valorização da região central da cidade com uma nova atração turística concentrava os elogios ao touro.
O dentista Leandro Penarotti, 42 anos, que na véspera tinha acompanhado por sites de notícias a repercussão da inauguração, resolveu ir até o local para comparar com a réplica paulistana ao Charging Bull (Touro em Investida) original, feito em bronze e instalado no distrito financeiro Wall Street, em Nova York, nos Estados Unidos.
“Quando visitei Nova York, eu li sobre o significado, que representa a força do mercado”, comentou Penarotti. “Achei interessante porque vira um ponto turístico para São Paulo.”
No jargão do mercado acionário, o touro representa os momentos de alta da Bolsa, pois o touro chifra para cima.
Além de tirar fotografias e selfies, muitos visitantes tocavam os testículos do touro, gesto que, de acordo com uma superstição, traz prosperidade.
“Eu não sei o que é, mas achei curiosa essa lenda de que segurar nas partes do boi traz dinheiro, mas eu não me arrisco”, disse o chefe de manutenção Leonardo da Silva, de 49 anos. “Isso é falta de fé em Deus. Eles que deixem de trabalhar para ver se ganham dinheiro.”
“Achei lindo, mas não tenho ideia do que ele significa”, disse a auxiliar de serviços gerais Joanisia Soares, 46.
“É o boi Bandido”, respondeu o vendedor ambulante vestido de Homem-Aranha que passava apressado, fazendo referência ao mais famoso touro da história dos rodeios do país.
Polêmicas envolvendo o Touro de Ouro eram esperadas e até fazem parte de um dos propósitos da instalação, que é popularizar a Bolsa de Valores como uma opção acessível de investimento para os brasileiros, segundo Felipe Paiva, diretor de relacionamento com clientes da B3.
Para ele, dados recentes sobre a queda no valor médio do primeiro aporte na Bolsa, que passou de R$ 1.500 para R$ 273 nos últimos três anos, demonstram que o mercado está a caminho da popularização.
Protestos contra desigualdades produzidas pelo sistema financeiro direcionados aos símbolos do mercado são comuns em diversas partes do mundo. Entre os mais famosos, o movimento Occupy Wall Street (Ocupar Wall Street) completou dez anos na última segunda-feira (15/11), véspera da instalação do touro na rua 15 de Novembro.
Apesar dos protestos, argumenta Paiva, o mercado de ações e de renda variável é uma opção popular entre americanos.
“A gente quer que tenha o Occupy no centro porque a gente precisa atrair as pessoas”, diz. “Esses dados [sobre o valor inicial dos investimentos na Bolsa] desmistificam muito isso.”
Em setembro, manifestantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo Sem Medo ocuparam o saguão da Bolsa, em outro protesto contra a fome.
Pablo Spyer também afirma que a peça, desenvolvida pelo artista plástico Rafael Brancatelli, foi pensada para promover a educação financeira e a importância dos investimentos.
“O investimento ainda é muito concentrado na poupança, que era boa e segura para a época da hiperinflação”, diz Spyer. “Hoje vivemos outra realidade e a gente tem que diversificar os investimentos e o touro vai ajudar todas as corretoras a levar educação financeira para os brasileiros.”
Em outubro, a B3 atingiu a marca de 4 milhões de contas de pessoas físicas em renda variável. O número de CPFs únicos é de 3,4 milhões, pois uma mesma pessoa pode ter conta em diversas corretoras. O valor mediano (média, sem considerar os extremos) de cada carteira é de R$ 8.000, segundo a B3.
A título de comparação, em setembro havia 234 milhões de cadernetas de poupança ativas no país.
Por Clayton Castelani