Passageiros da Itapemirim ficam sem reembolso de passagens aéreas

A suspensão dos voos afetou mais de 130 mil passageiros

Em dezembro de 2021, o consultor de empresas Silmar Strübbe, 48, perdeu o Natal em família após a ITA (Itapemirim Transportes Aéreos) cancelar a passagem que ele havia comprado para Porto Alegre. Sem opção de ser realocado em outro voo, a única alternativa oferecida foi o reembolso, mas até hoje ele não teve o dinheiro devolvido.

“Já fiz o pedido pelo site da empresa, telefone, chat, Procon e pelo portal Consumidor.gov. Em nenhuma das cinco alternativas eu fui atendido”, afirma.
A situação de Silmar não é única. Dois meses após a ITA anunciar a suspensão de suas atividades, passageiros que tiveram as passagens canceladas dizem não ter recebido o valor pago e reclamam da dificuldade em conseguir uma resposta da empresa.

No Procon de São Paulo, as queixas contra a companhia explodiram nos últimos meses. Em dezembro, mês do encerramento das operações, foram 2.352 reclamações e, até o dia 18 de janeiro, mais de 1.600 haviam sido registradas.

A suspensão dos voos afetou mais de 133 mil passageiros. Na época, a Itapemirim alegou que tomou a decisão diante da paralisação de funcionários de uma empresa terceirizada, e que pretendia retomar suas atividades no último dia 17 de fevereiro.

Procurada para explicar os problemas em relação ao reembolso, a companhia disse que enviaria um posicionamento até quinta-feira (24), mas não o fez.
A ITA chegou a assinar um acordo com o Procon-SP no dia 28 de dezembro, se comprometendo a reembolsar, num prazo de até dez dias corridos, todos os consumidores que registrassem reclamação no site do órgão. Contudo, a promessa não foi cumprida.

Silmar, por exemplo, seguiu todas as orientações do Procon. “Teoricamente, até o dia 8 de janeiro eu deveria ter recebido o dinheiro, mas ainda não devolveram o valor das passagens de ida e volta. Estou com um prejuízo de R$ 700 reais”, afirma.

O consultor diz que só conseguiu uma resposta da companhia quando fez a queixa pela plataforma Consumidor.gov. Segundo ele, a ITA mandou um email com o comprovante do estorno de um dos trechos, mas a operadora de cartão de crédito não confirmou. “Falaram que não vão reembolsar um valor que não receberam.”

Na última semana, Silmar tentou contato mais uma vez pelo site da companhia, em vão. “O chat não funciona mais, email eles nem respondem. Simplesmente largaram de mão”, diz. “A Itapemirim se apropriou do nosso dinheiro, não prestou serviço e agora não devolve”, acrescenta.

Fernando Capez, diretor-executivo do Procon de São Paulo, diz que o órgão teve boa vontade em aguardar que a ITA fizesse o reembolso dos consumidores, mas como isso não aconteceu até hoje, a companhia será multada em cerca de R$ 11 milhões.

“É uma pena, porque a multa pune, mas não resolve o problema do consumidor. O acordo sempre é o caminho”, afirma.

O diretor explica que a ITA até solicitou o estorno dos valores no prazo combinado, mas fez de forma equivocada, segundo informaram as instituições financeiras.
“As instituições disseram que a Itapemirim solicitou o estorno pelo método errado e que era preciso refazer. Isso atrasou [a devolução do dinheiro] e, por isso, nós entendemos que a obrigação assumida foi descumprida”, diz.

No Facebook, clientes afetados pelo cancelamento de passagens criaram um grupo para compartilhar as experiências. Atualmente, a página reúne 358 membros.
Casos de reembolso pendentes são praticamente diários. A administradora de empresas Gabriela Strickler, 28, foi uma das que procurou auxílio no grupo.

Ela mora em Lisboa e, no fim de 2021, viajou ao Brasil para passar o Natal com a família em Porto Alegre. O retorno para Portugal precisava ser feito por São Paulo, para onde ela tinha uma passagem da ITA comprada para o dia 17 de janeiro. Com a suspensão das atividades, Gabriela ficou sem voo e, até o momento, sem reembolso.
“Eu mando email diariamente solicitando o dinheiro. A primeira coisa que eu faço no dia é isso, mas nunca tenho nenhuma resposta”, lamenta.

Na época, Gabriela precisou pegar um ônibus até São Paulo, viagem que demorou 21 horas. A passagem ela pagou do próprio bolso, assim como os demais gastos com alimentação. Com isso, o prejuízo que era de R$ 600 ficou ainda maior.
Segundo ela, a operadora de cartão de crédito também disse não ter recebido nenhum valor da Itapemirim para fazer o estorno, e que, por isso, não conseguiriam fazer nada.

No Reclame Aqui, site que reúne queixas de consumidores contra órgãos públicos e empresas, a última resposta da Itapemirim à reclamação de um consumidor foi em 16 de dezembro –um dia antes da companhia anunciar a suspensão de suas operações.
No Facebook e Instagram, a página oficial da ITA desabilitou os comentários em publicações. Em ambas, o último post é do dia 28 de dezembro, um comunicado oficial que fala, justamente, sobre reembolso.

“A Itapemirim reitera que está, rigorosamente, pleiteando os estornos das passagens requeridas por seus clientes junto as operadoras [sic] de cartões. Por fim, pontua que se encontra com todos meios de canais disponíveis para melhor atender seus clientes”, diz o texto.

Apesar do aviso, consumidores relatam que não conseguem sequer uma resposta da companhia. A funcionária pública Juliana Maia, 38, é uma delas.
Ela tinha um voo pela ITA no dia 12 de março deste ano, de Natal para São Paulo. Embora a empresa tenha anunciado a pretensão de voltar com as operações em fevereiro, ela preferiu pedir o reembolso ainda em dezembro, na esperança de que receberia o valor até a data da viagem.

Na época, Juliana conseguiu uma confirmação pelo chat da Itapemirim. “A atendente me mandou o comprovante e disse que demoraria até 60 dias para chegar na fatura do cartão. Mas o prazo já passou, o reembolso não caiu e, agora, eu não consigo mais falar com eles. O chat não funciona, o telefone só dá fora de área e por email eles não respondem”, diz.

Com um prejuízo de quase R$ 1.500, Juliana diz estar aguardando o prazo dado pelo Consumidor.gov. Caso não solucione, ela pretende acionar a Justiça.

Fernando Capez, diretor do Procon, diz que quem ainda não teve o dinheiro devolvido pela Itapemirim deve entrar no site do órgão e fazer uma nova reclamação.
No entanto, não há garantia de que o problema será resolvido. “A pessoa pode reclamar, nós iremos tentar [resolver cada caso] individualmente, mas não deixa de ser frustrante o fato de a ITA não ter cumprido o que se comprometeu conosco”, afirma.

Marcus Mateucci, sócio na área de relações de consumo do escritório Felsberg Advogados, diz que a melhor alternativa para os passageiros, tendo em vista a inação da empresa, é levar o caso à Justiça.
“Sendo muito sincero, não lhes resta muito a fazer”, diz. “Se fosse uma empresa operando em situação normal, uma reclamação no Procon resolveria. Mas, quando chega a um estágio de dúvida sobre sua capacidade de arcar com os compromissos, o diálogo extraoficial passa a ser pouco provável”

O advogado lembra que a saúde financeira do grupo Itapemirim é bastante delicada. Um dos problemas mais críticos é a falta de pagamento de funcionários. Os trabalhadores da ITA já haviam relatado atrasos no salário, situação também experimentada dentro da Viação Itapemirim e da Viação Kaissara.

Caso os valores devidos sejam inferiores a 20 salários mínimos, ele diz que o consumidor pode acionar o juizado especial cível –popularmente conhecido como pequenas causas– sem necessidade de um advogado.

Por Thiago Bethônico

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