Pandemia e omissão do governo fez situação de indígenas piorar em 2020, diz relatório

Entidade afirma que houve aumento dos casos de violações de terras

O ano de 2020 foi trágico para os povos indígenas no Brasil, que tiveram sua situação agravada pela pandemia e por ações e omissões do governo federal, segundo relatório divulgado nesta quinta-feira (28) pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

No documento, a entidade afirma que houve aumento no número de casos de violações a terras indígenas, exploração ilegal de recursos e assassinato de integrantes dos diversos povos no país.

Tudo isso num ambiente em que a Covid-19 espalhou-se pelas áreas indígenas, levada muitas vezes por invasores.
“A grave crise sanitária provocada pela pandemia do coronavírus, ao contrário do que se poderia esperar, não impediu que grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificassem ainda mais suas investidas sobre as terras indígenas”, diz o documento.

Na contabilidade do Cimi, houve 263 casos registrados no ano passado de invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio. Isso representa um número maior do que o de 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), quando houve 256 registros, e um salto de 137% sobre 2018, último da gestão de Michel Temer (MDB), em que ocorreram 111 episódios do tipo.

O relatório também registra um número expressivo de outras violações a direitos indígenas, como omissão e morosidade na regularização de terras (832 casos) e conflitos relativos a direitos territoriais (96).
Tamanha permissividade, afirma a entidade, contribuiu para que a Covid-19 impactasse de maneira muito severa populações que já são vulneráveis.

“Em muitos casos, o vírus que chegou às aldeias e provocou mortes foi levado para dentro dos territórios indígenas por invasores que seguiram atuando ilegalmente nestas áreas em plena pandemia”, diz o texto.

Segundo registros da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), mais de 43 mil indígenas foram contaminados pela doença no ano passado e ao menos 900 morreram.
“Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos, representando uma perda cultural inestimável”, diz o relatório.

Este cenário desolador, na avaliação do Cimi, é resultado direto das políticas do governo federal, que avançam sobre direitos indígenas.
“A responsabilidade principal está no âmbito federal, com um presidente que faz discursos dizendo que os indígenas têm que melhorar de vida a qualquer custo, que defende liberar garimpo, exploração econômica”, diz a antropóloga Lucia Helena Rangel, uma das coordenadoras do relatório.

O documento cita como exemplos o projeto de lei 191/20, enviado pelo governo ao Congresso para abrir as áreas indígenas à exploração econômica, e a instrução normativa 09, da Funai (Fundação Nacional do Índio), que facilitou o avanço de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas.

A pandemia também não impediu que houvesse mais casos de assassinato de indígenas no país, que subiram de 113 em 2019 para 182 em 2020, aumento de 61%.
Sozinho, o estado de Roraima respondeu por mais de um terço destes crimes, com 66 ocorrências, seguido por Amazonas (41) e Mato Grosso do Sul (34).

Já o número de suicídios teve uma queda de 17,2%, de 133 casos em 2019 para 110 no ano passado.
“Você tem uma linha crescente de violência a partir de 2018, e aí vem a pandemia como uma coisa dramática na vida dos povos indígenas. Ficaram sem assistência e sem respaldo contra as invasões de suas terras”, afirma Rangel.

Na opinião da antropóloga, a recém-encerrada CPI da Covid no Senado omitiu-se ao não imputar a Bolsonaro o crime de genocídio cometido contra os povos indígenas.

“O nosso relatório não conseguiu abarcar a totalidade dos dados, mas só o que nós temos nele já caracteriza genocídio. As autoridades deixaram a coisa ao deus-dará, abriram as porteiras, incentivaram garimpo, tudo num ano de pandemia. Há uma atitude deliberada do governo federal, através de seus agentes, para matar”, diz ela.

Em 2021, afirma Rangel, não houve melhora significativa no cenário. Ela aponta como novas ameaças aos direitos indígenas o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a criação do chamado “marco temporal” para a demarcação de terras.

Defendida por Bolsonaro e por ruralistas, a medida define que apenas áreas ocupadas quando houve a promulgação da Constituição, em 1988, podem ser objeto de proteção legal. O julgamento encontra-se suspenso por pedido de vista, mas pode ser retomado em breve.

Segundo dados citados pelo relatório, 832 das 1.299 terras indígenas no Brasil, ou 64%, seguem com pendências para sua regularização. Destas, 536 são reivindicadas pelos povos indígenas.
“A paralisação das demarcações de terras indígenas, anunciada pelo presidente da República ainda durante a sua campanha eleitoral, continua sendo uma diretriz de seu governo”, afirma o documento do Cimi.

Texto: Fábio Zanini

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