Oito anos após ser condenado por morte de ex-namorada, Mizael Bispo continua com inscrição ativa na OAB

O policial aposentado cumpre pena de 22 anos pela morte da advogada Mércia Nakashima

Pouco mais de oito anos após ser condenado pela morte da advogada Mércia Nakashima, o policial aposentado Mizael Bispo de Souza, que cumpre pena de 22 anos pelo crime, continua com sua inscrição ativa na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

Em pesquisa no site da entidade, a reportagem constatou que a inscrição, feita em 3 de setembro de 2004, é válida. O número de registro de Bispo é da subseção Guarulhos, na Grande São Paulo.

A OAB São Paulo afirmou apurar “toda e qualquer infração” encaminhada, acrescentando não comentar sobre o caso, pelo fato de ele correr em “sigilo legal”. Este foi o mesmo argumento usado pelo defensor de Bispo, o advogado Raphael Abissi Bichara.

A Ordem acrescentou que, enquanto couberem recursos ao policial aposentado no processo interno que responde na OAB-SP, Bispo pode advogar por estar com o registro ativo na entidade. O processo para o eventual cancelamento da filiação do policial aposentado, disse a entidade, foi iniciado no momento em que ele foi condenado pelo assassinato de Mércia, em 2013.

O irmão de Mércia, o deputado estadual Márcio Nakashima (PDT), compartilhou nas redes sociais uma reprodução da situação ativa de Bispo na OAB, cobrando medidas da entidade com relação ao eventual cancelamento da inscrição do policial aposentado.

“Há 11 anos, luto em vão contra essa humilhação imposta à memória da minha irmã, da minha família e dos profissionais [advogados] que atuam de forma ética e digna. [É] inaceitável assistir à forma equivocada com que a OAB trata o assassino da minha irmã, Mércia Nakashima”, escreveu em uma postagem, na sexta-feira (13).

O irmão de Mércia continua o desabafo afirmando que a OAB-SP “erra gravemente” ao manter na entidade “profissionais que não honram a advocacia”.

“Parece cruel dizer, mas, infelizmente, o que difere Mércia de Mizael para a OAB-SP? O segundo ainda paga mensalidade. Vexatória a postura da OAB-SP. Justiça pelas mulheres advogadas. Justiça por Mércia Nakashima!”, escreveu ainda o deputado.

Mizael Bispo de Souza foi condenado em março de 2013 pelo assassinato da ex-namorada e advogada Mércia Nakashima, ocorrido em 2010. Ambos eram sócios em um escritório de advocacia e namoraram por cerca de quatro anos. O vigia Evandro Bezerra Silva também foi condenado, a 17 anos e seis meses, por ajudar no crime.

Mércia desapareceu em 23 de maio de 2010, quando foi vista com vida pela última vez na casa de parentes em Guarulhos (Grande SP). O corpo dela foi localizado em 11 de junho por um pescador, na represa Atibainha, em Nazaré Paulista (64 km de SP).

Mizael foi denunciado e condenado por homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, com emprego de meio cruel e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima), além de também por ocultação de cadáver).

Especialista

O advogado criminalista Bernardo Fenelon afirmou que o Estatuto da Advocacia interpreta como “infração disciplinar”, com a possibilidade de exclusão, casos em que advogados praticarem atos “moralmente inidôneos”, ou ainda algum “crime infamante”, como assassinato.

Ele afirmou entender como “crime infamante” casos que provoquem “repúdio à sociedade”, resultando em “desonra” e, consequentemente, gerando “desprestígio para a advocacia como um todo”.

“No caso em questão, o homicídio praticado por Mizael Bispo configura tanto uma conduta inidônea quanto um crime infamante, de modo que há elementos suficientes para a exclusão de sua inscrição na OAB. No entanto, para que isso ocorra é necessária a manifestação favorável de dois terços dos membros do Conselho Seccional [da entidade], bem como já deve ter ocorrido o trânsito em julgado [não caber mais recurso]”, explicou Fenelon, que também é especialista no estudo dos crimes de Corrupção e Crime Organizado pela Universidade de Salamanca, na Espanha.

Ele reforçou que o caso de Bispo corre em segredo de Justiça no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP.

Outro Lado

A OAB-SP afirmou apurar “toda e qualquer” infração encaminhada e que “chegue a seu conhecimento.”

Sobre o caso de Mizael Bispo de Souza, que mesmo condenado por homicídio ainda conta com a inscrição ativa na entidade, a ordem não se manifestou, alegando que o caso corre em segredo de Justiça.

“No caso concreto, em razão do sigilo legal, não é possível informar o teor da decisão proferida pela OAB-SP, assim como o andamento de recurso eventualmente interposto”, afirma trecho de nota.

A entidade só pode se manifestar, acrescentou, sobre casos “irrecorríveis” nos quais um advogado tenha sua inscrição suspensa ou excluída da OAB.

Carlos Fernando de Faria Kauffmann, presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP, explicou, na tarde desta segunda-feira, que Bispo pode advogar desde que sua inscrição não esteja suspensa ou tenha sido excluída da entidade, o que não ocorreu até o momento.

“A exclusão [da inscrição] somente se torna efetiva após o trânsito em julgado [não cabendo mais recurso] da decisão colegiada”, afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa.
Cumprindo pena no regime semiaberto desde outubro de 2019, Mizael Bispo aguarda decisões judiciais para a eventual redução de seu período atrás das grades, afirmou nesta segunda-feira (16) o advogado de defesa Raphael Abissi Bichara.

Sobre a inscrição da OAB ativa de seu cliente, ele não comentou, alegando que o caso corre em segredo de Justiça.

“A previsão [para que Bispo comece a cumprir a pena em liberdade] depende das remissões. Estou aguardando a homologação, pois isso pode mudar o cálculo da pena”, explicou, referindo-se ao fato de que seu cliente estuda e realiza atividades para diminuir sua pena. O policial aposentado está preso atualmente na penitenciária 2 de Tremembé (147 km de SP).

Bispo chegou a ficar em liberdade por pouco mais de três meses, quando uma liminar o autorizou a cumprir pena em regime domiciliar, em 25 de agosto do ano passado. A decisão, porém, foi revogada em 2 de dezembro do mesmo ano, pelo STJ ( Superior Tribunal de Justiça), fazendo o policial aposentado voltar para a prisão.

A decisão foi tomada pelo ministro Sebastião Reis Júnior, em resposta a denúncia apresentada pelo MPF (Ministério Público Federal).

Por Alfredo Henrique

 

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