Obelisco de 20 metros disputa paisagem com cartões postais e causa polêmica no Rio

Erguido no Mirante do Pasmado, Memorial às Vítimas do Holocausto é alvo de ação do Ministério Público

Um obelisco de 19,8 metros de altura hoje se impõe em um dos pontos mais conhecidos da paisagem carioca -o Morro do Pasmado, que fica próximo ao Pão de Açúcar e a outros cartões postais da cidade.

Erguido no local, o Memorial às Vítimas do Holocausto se sobrepõe à vegetação remascente do antigo mirante, sendo possível avistá-lo, por exemplo, da enseada de Botafogo e do Morro da Urca.

Sua construção, porém, está cercada de controvérsia. A liberação das obras, iniciada em fevereiro de 2019, só aconteceu devido ao empenho do então prefeito, Marcelo Crivella (Republicanos).

Para a construção do monumento, a Prefeitura do Rio cedeu um parque público, sem ônus, a uma associação constituída seis meses antes. Só a área construída, que inclui um café e um auditório, é de 1.624,30 m².

Uma lei de autoria do então prefeito criou ainda uma exceção na regra que vetava esse tipo de construção na região –uma área definida como de interesse ambiental e paisagistico.

“Em muitos países há um monumento em homenagem as vítimas do Holocausto com objetivo de lembrar, por mais doloroso que seja, aquela tragédia e assim vigiar para nunca mais voltar a acontecer”, diz Crivella, ressaltando que a obra não envolve recursos públicos.

Em 2012, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) concedeu status de patrimônio mundial a locais do Rio de Janeiro, inscritos sob o título de “paisagens cariocas, entre a montanha e o mar”.

Uma das grandes discussões sobre a obra, portanto, é se ela interfere ou não nessa tal paisagem carioca.

O Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) emitiu pareceres conflitantes sobre a possibilidade de edificação no terreno, que foi cedido pela Prefeitura por 30 anos, prorrogáveis por mais dez, sem exigência de licitação.

Em novembro de 2017, o órgão emitiu um parecer no qual afirmava que a obra exigiria a remoção de árvores do parque. “Para implantacao do Memorial sera necessario a remocao completa da vegetacao existente no Mirante do Pasmado, o que nos parece uma proposta desprovida de coerencia com o objetivo de valorizacao das paisagens cariocas reconhecidas como Patrimonio Mundial pela Unesco”, diz o texto.

Onze meses depois, um novo parecer do Iphan apontava que “o Morro do Pasmado nao e item componente das paisagens cariocas, entre a montanha e o mar, estando localizado na zona de amortecimento do bem Patrimonio Mundial”, não sendo tombado.

Essa discrepância de versões alimentou a polêmica sobre a legalidade da obra. O empreendimento, custeado pela iniciativa privada, já consumiu R$ 21 milhões.
Localizado entre os morros do Pão de Açúcar e do Corcovado, o Pasmado situa-se na chamada zona de amortecimento do patrimônio mundial -ou seja, ele fica ao redor da área protegida.

Em 1974, um estudo técnico do Iphan considerou que o morro fica dentro de uma área onde o teto para edificação é de 50 metros acima do nível do mar. Como o Mirante do Pasmado está a 62 metros acima do nível do mar, isso significa que nada poderia ser construído ali.

Esse parecer tem servido de referência para decisões do Iphan na região, mas não tem força de lei. Assim, foi possível erguer o novo monumento no local.

Hoje, o obelisco -onde se lê “Não Matarás”- está praticamente pronto, faltando apenas a conclusão das instalações internas do prédio. Mas, no dia 13 de setembro, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com ação civil pública contra a Associação Cultural Memorial do Holocausto, responsável pela obra, para que ela seja suspensa.

A Procuradoria pediu que seja reconhecido o tombamento da área e a proteção internacional da Unesco, “condenando a associação a abster-se de prosseguir com as obras, bem como a demolir todas as construções já realizadas que impliquem infringência à legislação de regência, fixando-lhe prazo para fazê-lo, sob pena de multa”.

Presidente da Associação Cultural Memorial do Holocausto, o empresário Alberto Klein se disse surpreso com a inciativa, já que um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), firmando com o MPF, determinou obras de acessibilidade no monumento. Klein disse ainda que tem as licenças, “de todos os órgãos competentes, inclusive do Iphan” para a execução da obra. O Morro do Pasmado, diz ele, não é tombado.

Em favor do projeto, que exigiu a derrubada de 47 árvores, Klein diz ainda que a área está sendo revitalizada. “Aquele era um local totalmente degradado, havendo notícias de atos de violências e um grande problema para o poder público”.

Presidente do Instituto Memorial do Holocausto, o advogado Ary Bergher afirma que o projeto foi aprovado por todos os órgãos municipais e federais que regulam e fiscalizam a matéria.

Na última quinta (23), a juíza Sandra Meirim Chalu Barbosa de Campos, da 29ª Vara Federal, decidiu só se manifestar sobre o pedido de liminar após ouvir a associação. Ela também determinou a inclusão da União como parte interessada no litígio. Enquanto isso, a obra segue.

ONG responsável pelo assessoramento da Unesco quando o tema é patrimônio mundial, o Icomos/Brasil (Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) e a FAM-Rio (Federação das Associações de Moradores do Rio) levaram o caso ao Ministério Público.

Conselheiro do Icomos/Brasil para a região Sudeste, o geógrafo Rafael Winter explica que o Morro do Pasmado está inserido como zona de amortecimento no dossiê que o governo brasileiro apresentou à Unesco ao candidatar o Rio ao título de paisagem cultural. Ele faz questão de frisar que não há qualquer objeção à construção de um monumento às vítimas do Holocausto. “Não estamos discutindo o mérito. A discussão é o local e a forma com que a autorização foi dada”, diz Winter.

Ele alerta ainda para o risco de alteração na paisagem reconhecida como patrimônio cultural. Do ponto de vista de quem está na praia de Botafogo, diz ele, o monumento compete, em visibilidade, com o Cristo Redentor.

Por Catia Seabra

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