O que foi o 7 de Setembro bolsonarista? Cientistas políticos apontam intenções do ato e suas consequências

Tentativa de ruptura, movimento para erodir democracia e mobilização de olho na eleição são algumas das avaliações

Ao conclamar apoiadores para comparecerem às manifestações do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro não economizou em declarações que colocaram no espectro a ameaça de que ele tinha pretensão de tomar medidas radicais no feriado.

“As oportunidades aparecem”, “nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante”, “creio que chegou a hora, de nós, no dia 7, nos tornarmos independentes para valer”, foram algumas de suas falas nos dias que antecederam os atos.

Não houve ruptura, mas o risco continua no radar do país: pesquisa nacional do Datafolha realizada na semana seguinte às manifestações mostrou que metade da população acredita que o presidente pode dar um golpe.

Além disso, as reais intenções de Bolsonaro com o ato e quais as consequências do episódio e de seus desdobramentos seguem sendo motivo de debates e de divergências entre analistas, diante de um cenário incerto que se delineia até as eleições de 2022.

Cientistas políticos consultados pela Folha de S.Paulo fazem diferentes leituras sobre o que o 7 de Setembro significou e o que pretendia o presidente.

Há tanto quem viu no episódio uma tentativa de ruptura -mas que falhou diante de apoio insuficiente- quanto quem considera que a movimentação, ainda que de caráter autoritário e populista, seja meramente eleitoral.

No meio do caminho, com distinções de uma análise à outra, há quem interprete o 7 de Setembro como uma mobilização com a qual o presidente buscou não dar um golpe, mas aumentar o custo político às instituições que queiram tomar medidas contra ele e, ao mesmo tempo, ensaiar alternativas para o caso de perder as eleições de 2022.

Antes da data, analistas temiam que o 7 de Setembro se tornasse algo semelhante ao 6 de janeiro nos Estados Unidos, em que apoiadores do então presidente Donald Trump invadiram o Capitólio -a ação terminou com cinco mortos.

Em entrevista à Folha antes do 7 de Setembro, o cientista político Marcos Nobre apontava que via na organização dos atos bolsonaristas não uma tentativa, mas um ensaio de golpe.Passado o feriado e os atos com Bolsonaro em Brasília e em São Paulo, o cientista político e professor da USP Rogério Arantes considera que erram os que apostam no golpe.

“Por mais que seja uma liderança de cunho autoritário, com uma visão autoritária da política, professando quase todos os dias valores antidemocráticos, Bolsonaro não reuniu as condições necessárias para um golpe e menos ainda para sustentar uma ordem autoritária pós-golpe.”

Mesmo antes do 7 de Setembro, Arantes já lia a preparação dos atos como um evento de caráter eleitoral, em um movimento de Bolsonaro para mobilizar os seus e se colocar como um candidato forte para 2022, frente à deterioração que seu governo vem sofrendo em diversas frentes.

“O presidente chegou em um ponto em que ou ele encontrava uma forma de estancar essa sangria e se alavancar rumo a 2022 ou simplesmente teria que abandonar a pretensão de se reeleger o ano que vem.”

Para o professor, um dos sinais de que não haveria um golpe em curso foi o apelo do presidente pela desmobilização dos caminhoneiros.

“Se o Bolsonaro realmente tivesse preparado o 7 de Setembro para criar um cenário que viabilizasse um golpe de Estado, o que ele teria feito no final da quarta-feira? Ele teria estimulado os caminhoneiros a seguir adiante para produzir o caos e, do caos, a necessidade de ordem.”

“Há uma diferença importante entre o populismo eleitoral de direita e o populismo autoritário de Estado. O Bolsonaro flerta com essas duas feições, mas, a meu juízo, ele sabe que só tem condições –se é que tem– de se viabilizar como um populista eleitoral de direita, não como um populista autoritário capaz de um golpe de Estado”, afirma.

Também o cientista político André Borges, professor da UnB (Universidade de Brasília), vê o 7 de Setembro como um movimento de um presidente numa posição frágil.

Ele avalia, como Arantes, que Bolsonaro não tinha condições reais de dar um golpe, por não ter apoio suficiente, mas rejeita a leitura de que os atos façam parte de uma estratégia eleitoral.

“Eu não acho razoável esse pressuposto, porque quando a gente fala isso na ciência política a gente está supondo que esses atores aceitam as regras do jogo”, afirma. Para Borges, se o presidente estivesse jogando em termos eleitorais, ele tentaria entregar resultados para recuperar a popularidade.

“O presidente não está preocupado em governar”, diz.

“Tudo o que o presidente faz, na verdade, prova que ele não está preocupado em ganhar eleição, mas em criar um clima de caos, de violência política. Porque, na verdade, ele está preocupado com a possibilidade de ser derrotado dentro das regras, então ele está buscando uma alternativa fora das regras do jogo.”

Borges argumenta que o clima de temor de violência política que se instala a partir do discurso de Bolsonaro já é uma ameaça à democracia. “Eleições livres são quando a pessoa vai sair pra rua e não vai ter medo de manifestar sua preferência.”

“Talvez o risco não seja de o Brasil virar uma ditadura, mas o risco de você ter a violência política, de você ter instabilidade, de a gente ter uma eleição com violência, com confronto, com intervenção do Exército, enfim, esse risco existe.”

A cientista política Magna Inácio, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também não vê o 7 de Setembro como uma tentativa de golpe e considera que há um componente eleitoral no episódio, representando um marco de uma mobilização permanente até 2022.

Ela avalia, porém, que Bolsonaro não estava apenas sinalizando para sua base com os atos, mas também repetidamente mostrando seu potencial de ameaça às demais instituições e atores políticos.

“Não acho que havia ali uma mobilização para dar o golpe. Até porque o governo tem essa perspectiva autoritária, mas tem trabalhado muito mais no sentido de mobilizar reações [de outras instituições], de bloquear essas reações e ir ganhando espaços.”

“Ele faz esse movimento de radicalização, renova esse potencial de ameaça que busca representar e, com isso, de certa forma, neutraliza esses potenciais opositores, até mesmo aliados. Ele consegue se manter no centro dessa movimentação e evitando que movimentos mais fortes de remoção avancem.”

Para Magna, o fato de Bolsonaro estar enfraquecido traz uma ambiguidade importante, pois, ao mesmo tempo em que faltaria apoio para que ele desse um golpe, traz o risco de que ele de fato questione as eleições.

“Uma saída eleitoral é, digamos, o resultado ótimo para o governo. Só que isso está ficando cada vez mais distante e o que ele já sinaliza de forma aberta, e ele vem tomando medidas nessa direção, é desacreditar o processo eleitoral.”

Também para a professora da USP e cientista política Maria Tereza Sadek, considerar apenas a chave eleitoral explica muito pouco do que foi o 7 de Setembro.

“Todo dia que ele vai fazer uma viagem você vê que ele tem base eleitoral, e que ele está fazendo campanha nós também já sabemos, desde o dia em que ele assumiu a Presidência ele começou a fazer campanha eleitoral.”

Para ela, Bolsonaro está constantemente buscando aumentar o seu poder e diminuir o poder de instituições de controle. “Se ele está em campanha, é uma campanha com um objetivo claro: não é de, simplesmente, permanecer no poder, mas de permanecer no poder aumentando o seu próprio poder.”

Na avaliação de Sadek, o 7 de Setembro não se tratava de um tentativa de um golpe, mas de uma mobilização popular com intenção clara de minar instituições democráticas como o STF (Supremo Tribunal Federal).

“Eu acho que ninguém estava dizendo que no dia 8 íamos acordar com uma outra situação política, não era isso, agora que era claramente um planejamento na direção de minar as bases da democracia, isso eu não tenho dúvida.”

Já o professor da UFMG e cientista político Cristiano Rodrigues considera que a organização do 7 de Setembro pode ser entendida como uma tentativa de golpe.

“Eu acho que, de certa forma, ele realmente tentou, ele buscou uma tentativa desesperada de rompimento, ou de verificar se as condições para esse rompimento existiam.”

Nesse sentido, Rodrigues ressalta que o discurso golpista de Bolsonaro não é algo novo e que ele tenta concretizá-lo, mas sempre volta atrás quando percebe que não alcançou as condições necessárias.

“Ele vai jogando com um discurso e com as condicionantes que poderiam fazer com que aquele discurso dele fosse efetivado”, afirma.

Para ele, não cabe falar em estratégia ou cálculo eleitoral de Bolsonaro. “Não me parece que o Bolsonaro faça bons cálculos eleitorais”, diz, destacando decisões como o rompimento com o PSL, partido pelo qual se elegeu em 2018 e que formou a segunda maior bancada da Câmara.

“Ele é um sujeito cujo cálculo político é o seu próprio interesse e o interesse da própria família. Então, quando o interesse dele e de sua família estão em jogo, ele é capaz de tudo”, completa.

O cientista político e professor da FGV Guilherme Casarões afirma que previa que o dia 7 seria muito mais conturbado e violento, mas ressalta que o fato de as coisas não terem se desenrolado desta forma não permite dizer que a pretensão não existiu.

“Dizer que o Bolsonaro se moderou ou que ele não ia fazer nada, que a possibilidade de golpe nunca ocorreu de fato, aí eu já acho demais. A minha interpretação é que o dia 7 foi uma tentativa frustrada de ruptura democrática.”

Casarões afirma que é difícil dizer com certeza o que de fato foi o dia 7, porque não se sabe ao certo o que ocorreu na madrugada do dia 6, após a invasão da Esplanada por manifestantes sem que fossem impedidos pela Polícia Militar.

Ele destaca que só faria sentido acontecer uma ruptura democrática em uma condição de crise excepcional. “Ele precisa de uma escalada de violência anterior para justificar todos os passos posteriores.”

Para Casarões, o episódio serviu como um balão de ensaio para ao menos mostrar o número de pessoas que o presidente é capaz de colocar nas ruas em defesa do próprio governo.
“Nesse sentido, ele foi muito bem-sucedido porque conseguiu de fato colocar um número significativo de pessoas tanto na Paulista quanto em Brasília.”

“Acho que o que ficou de lição após o dia 7 é que as instituições têm que zelar muito pela estabilidade democrática do país, porque essa estabilidade democrática anda por um fio e há muitos episódios daqui até a eleição de 2022 em que essa estabilidade pode ser abalada.”

Por Renata Galf

 

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