Na mira da PF, presidência dos Correios posiciona-se contrária aos integradores. FENTECT assume autoria de denúncias 

O documento de que fala Marinho é uma carta endereçada ao presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, em 5 de dezembro de 2023

Durante um ano e seis meses à frente da presidência dos Correios, o atual gestor, Fabiano Silva dos Santos, manteve a política das integradoras dentro da empresa. A ‘mudança veio’ somente na última quinta-feira (11/7), após uma avalanche de denúncias mostrar investigações já existentes em órgãos fiscalizatórios, tais como o Ministério Público Federal (MPF), e um inquérito aberto na Polícia Federal (PF).

Ao portal Mais Brasília (MB), fontes da área financeira dos Correios adiantaram na manhã desta segunda (15/7), que o prejuízo acumulado da estatal na gestão de Fabiano Silva dos Santos já aproxima-se, neste julho de 2024, de R$ 3 bi. Escondendo um rombo, o balancete econômico deste primeiro trimestre de 2024 chegou a ser colocado em sigilo pela estatal. (Veja aqui denúncia do MB à época – Correios colocam balancete econômico sob sigilo para esconder prejuízo de R$ 800 mi).

Apelidas pelos funcionários da estatal de ‘agências piratas’, a política da alta cúpula dos Correios com essas integradoras, iniciada no governo passado do ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2019, foi mantida sob o mesmo modelo, incrementada e alimentada até estes dias atuais de julho de 2024, quando, na última quinta-feira (11/7), a presidência da estatal posicionou-se, pela primeira vez.

Na quinta, o boletim Primeira Hora, uma publicação oficial dos Correios, comunicou aos funcionários a nova política da estatal para com as integradoras. No informativo, a atual gestão dos Correios, que comanda a estatal desde o final de janeiro de 2023, ainda culpa o governo passado, do ex-presidente Jair Bolsonaro, pelos fatos denunciados.

Os Correios não explicam, porém, porquê demorou-se tantos meses para definir quaisquer mudanças e/ou porque a estatal se posicionou, durante tanto tempo, a favor das integradoras. Durante todo este tempo inclusive há entrevistas de Fabiano na imprensa, com foto em que o presidente dos Correios aparece junto aos denunciados, com o gestor pontuando que essas integradoras seriam parceiras dos Correios.

O MB também questionou a presidência da estatal acerca das integradoras, mas a empresa não respondeu aos questionamentos da reportagem. (Veja aqui denúncia do MB – Presidência dos Correios dá pedalada para driblar prejuízo de 1 bi, enquanto agências ‘piratas’ lucram usando estrutura da estatal).

“Os integradores de cargas são clientes que postam conosco, têm uma estrutura e precisam dos Correios. Eles criam um volume de carga e postam nos Correios com uma tabela de desconto, diferenciada, pelo volume de postagem. Isso é normal que exista”, disse Fabiano à imprensa, à época.

Recentemente, agora em junho de 2024, o Ministério Público Federal (MPF) colocou a atual presidência e diretoria dos Correios na mira da Polícia Federal (PF) ao juntar denúncia do Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios, Telégrafos e Similares do Rio de Janeiro (Sintect-RJ) sobre rombo financeiro ao inquérito já aberto pela PF sobre agências piratas; fato veiculado à época pelo portal Mais Brasília (MB).  Isto porque o procurador-geral entendeu tratar-se do mesmo assunto que a PF já está investigando.

A denúncia do Sintect-RJ foi protocolada no MPF pelo presidente do sindicato, Marcos Snt’Aguida, na manhã do dia 7/7. Na ocasião, a presidência dos Correios, mesmo procuradora pela reportagem do MB, via assessoria, não se pronunciou. (Veja aqui denúncia do Sintect-RJ veiculada pelo MB – Sindicato do Rio denuncia rombo dos Correios ao MPF; gestão colocou balanço financeiro em sigilo).

Nessa quarta-feira (10/7), o secretário-geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (FENTECT), Emerson Marinho, assumiu a autoria das denúncias relativas às integradoras, apelidadas e conhecidas dentro da estatal por ‘agências piratas’, alegando “ser ele o iniciador de toda esta luta”, ainda em 2023.

A informação foi veiculada por Marinho em postagens nas redes sociais dele na última quarta-feira (10/7) e confirmada também por ele ao Mais Brasília.

“Eu denunciei. Eu comecei essa luta. Fiz a denúncia em 2023, por meio dessa carta. Tem um ex-diretor e vice-presidente dos Correios envolvido. Não quero falar nomes, mas vou enviar o documento e com base non documento, é fácil identificar quem são os envolvidos. É um ex-diretor de logística. Essa polícia das integradoras começou em 2019, na época do General Floriano Peixoto, presidente dos Correios no governo Bolsonaro.”, afirma Marinho.

O documento de que fala Marinho é uma carta endereçada ao presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, em 5 de dezembro de 2023.

“Nunca obtive resposta desta carta, ele [Fabiano Silva dos Santos ] nunca respondeu.”, afirma Marinho.

No documento, Marinho revela que a “federação [FENTECT] tomou conhecimento por meio de denúncias de trabalhadores encaminhadas à entidade, que noticiam a existência de uma rede de empresas intermediadoras, que se apossaram das tabelas e da marca dos Correios, para venderem SEDEX, PAC e outros produtos com preços bem inferiores aos que são praticados pelos Correios.”

O texto ainda cita que “a FENTECT está ciente de que o problema tem sido causa de substanciais prejuízos aos Correios (R$ 824 milhões de reais), já que as práticas ilegais e desleais referidas têm provocado uma queda no faturamento da empresa, mormente no setor de transporte de encomendas, conforme se depreende do balanço divulgado ao mercado. E que a situação é grave, pois esses integradores de carga têm se apropriado da marca dos Correios, desvirtuado os contratos comerciais firmados com a estatal, de modo a revender tíquetes de postagem para clientes do varejo, estabelecendo uma relação de concorrência e sucateamento dos produtos da ECT.”

A carta-denúncia protocolada por Marinho ainda aponta que “a eliminação dessa prática concorrencial desleal, mediante desvirtuamento dos contratos comerciais celebrados com a ECT interessa sobremaneira à FENTECT, pois os prejuízos financeiros gerados à empresa impactam no resultado das negociações coletivas e na melhoria das condições de trabalho, além de imporem severo abalo à imagem da estatal. O caso reveste-se de enorme gravidade, pois as denúncias apontam para a participação de ex-funcionários dos Correios que ocuparam elevados cargos na estatal, de sorte a demandar providências enérgicas e rápidas para apuração dos fatos e solução do problema.”

Questionado sobre o porquê os Correios não mudou a política das integradoras e o corpo técnico responsável diretamente por cuidar destes setores relacionados às integradoras assim que houve troca de governo, no início de 2023, o secretário-geral da FENTECT não soube responder.

“Aí você tem que questionar ele [Fabiano], não a mim, porque eu não sei. Não posso falar por Fabiano. Tenho 27 anos de empresa, sou funcionário de carreira. O que sei é que eu denunciei e sempre dizem que é gestão.”

Sobre a atual gestão, Marinho pontuou que comandar uma empresa estatal do tamanho dos Correios é difícil e requer, além de experiência, prática política e facilidade de comunicação.

“Os Correios são uma empresa que não têm receita, que mexe muito com o lado social, que é ligado ao Ministério das Comunicações, mas que é maior do que muito ministério. Acho que, de repente, ele [Fabiano] esteja até arrependido de estar à frente dos Correios, porque ele é advogado, pode até preferir um mais cargo ligado à profissão dele.”, argumentou.

Sobre as denúncias que levaram à Polícia Federal (PF) a abrir um inquérito para apurar supostas irregularidades nos contratos firmados pelos Correios com as integradores, Marinho afirma que a federação não foi a denunciante direta, apesar de os fatos narrados pela carta-denúncia serem os mesmíssimos apontados pela PF.

“Na PF, acredito que quem deve ter denunciado foi a ABRAPOST, porque eles estão sendo muito prejudicados.”, sugeriu Marinho.

As alegações de Marinho acerca de quem teria levado as denúncias para a PF procedem.

 

PEGA A VISÃO

Isto porque um boletim que circula internamente dentro da estatal, chamado Pega a Visão, mostrou que a ABRAPOST, além de denunciar a situação das integradoras à presidência ainda em 2021, época do governo Bolsonaro; atualmente também questiona porque o problema se mantém no governo Lula.

Em setembro de 2021, a Associação Brasileira Franquias postais – ABRAPOST, encaminhou para a SUCAN/DINEG/ECT, uma carta de nº 029/2021 – ABRAPOST, em que questionava a ECT (Correios) sobre as proliferação das chamadas LOJAS DE INTERMEDIAÇÃO DE FRETE, cuja prática de utilização das tabelas de preço dos Correios possibilitava verdadeira concorrência desleal aos próprios Correios.

À época, a direção da estatal respondeu que não havia como os Correios interferirem na relação privada entre tais empresas intermediadoras e os clientes que as contratam para a realização dos mencionados serviços:

“A partir cumprimento do Termo de Compromisso de Cessão de Prática – TCC firmado com o CADE, EM 6/2/2019, a ECT assumiu o compromisso de implementar Programa de Complice Concorrência, contemplando o estabelecimento de procedimentos preventivos e monitoramento para evitar a prática de condutas anticompetitivas, em especial aquelas concernentes às infrações de litigância abusiva com finalidade anticompetitiva (sham litigation) e discriminação econômica contra concorrentes.”

Ainda segundo o informativo Pega a Visão, “a resposta atesta que a direção anterior dos Correios abriu mão de uma concorrência mercadológica leal sob o falso argumento de que o acordo como o CADE visava: evitar a prática de condutas anticompetitivas, em especial aquelas concernentes às infrações de litigância abusiva com finalidade anticompetitiva (sham litigation) e discriminação econômica contra concorrentes.”

Na prática, a gestão dos generais entregou o Mercado Postal para a inciativa privada, permitindo que os “Intermediadores de Frete” comprassem no atacado, conseguindo os menores preços da tabela dos Correios, e que vendessem no varejo, fazendo concorrência desleal e abusiva contra ECT.

O texto sugere que “essa prática pode ser compreendida sob a ótica privatista do governo Bolsonaro, mas constitui um verdadeiro paradoxo no governo democrático do presidente Lula, que com uma canetada impediu a privatização dos Correios.

 

PROBLEMA CONTINUA

Incisivo, o texto pontua que “a partir de vários posts que circulam nas redes sociais, a atual gestão dos Correios, capitaneada por Fabiano Silva dos Santos, presidente dos Correios, e Karina Leite Ribeiro Nassarala, chefe de gabinete do presidente Fabiano e e ex-assessora do diretor Furian; tem estabelecido ligações perigosas com o setor que intermedia fretes e clientes. E o pior de tudo isso é que a atual gestão já foi alertada, não só pela ABRPOST, como também por vários profissionais da casa, sob os riscos que esse tipo de prática pode causar: perda de receita, transferência de clientes para a concorrência, falência dos parceiros franqueados, déficit financeiro e operacional, desmoralizando o Governo Lula, e jogando por terra todo esforço feito na luta contra a privatização.”

E continua:

“Algumas relações devem se dar estritamente sob a égide da moralidade, dos bons costumes e dos preceitos constitucionais que regem a administração pública. É necessário, portanto, que a atual gestão Correios reveja o “Acordo” intermediado pelo CADE que, na prática, inviabiliza a sustentabilidade dos Correios, e também faça as correções dos Manuais Internos de tal sorte que, o que foi considerado CRIME pela operação POSTAL OF, possa voltar a sê-lo.”

 

ONLOG – EX-DIRIGENTES DOS CORREIOS 

Investigada pela PF, a Onlog tem entre seus prestadores de serviços e consultores dois ex-dirigentes dos Correios: José Carlos Rocha Lima, presidente da estatal entre 1990 e 1993, e José Furian Filho, diretor regional da estatal em São Paulo, entre 2008 a 2010, e diretor-comercial em Brasília e vice-presidente de Negócios, Logística e Negócios Públicos, de 2011 a 2019.

Rocha Lima é um dos que foi chamado a depor na CPI dos Correios, em 2005, segundo publicizado pela mídia à época, por suspeita de receber R$ 50 mil de uma empresa que teria feito acordo para vencer uma licitação da estatal.

Essas atravessadoras realizam os mesmo serviços dos Correios, mas oferecem um preço bem abaixo da tabela da estatal. Exemplificando: o valor de uma entrega pelo Sedex pelos Correios sai em torno de R$ 30. Porém, fazendo-se a mesma entrega por meio de uma atravessadora, uma ‘pirata’, o valor cai para R$ 18.

Em dezembro de 2023, o site Intercept Brasil denunciou o esquema das ‘agências piratas’. À imprensa, à época, o ex-presidente dos Correios, Rocha Lima, negou ter sido investigado, acrescentando ainda que a atividade dos integradores de cargas “é legal” e tem de ser incentivada.

“As críticas não procedem porquanto são os Correios, com muita propriedade, e de forma inteligente, o maior estimulador de tal prática. E precisa continuar sendo estimulada pelos Correios, como forma de minimizar a crescente perda de receitas para a concorrência de transporte de cargas em geral”.

Após deixar a estatal, Rocha Lima trabalhou para as empresas Vaspex, antiga transportadora de frete aéreo ligada à Vasp, entre 1996 e 2000, e VarigLog, ligada à Varig, entre 2003 e 2003. Furian Filho figurava, em 2023, como consultor da Onlog, por meio da empresa F&F Consultoria Estratégica Ltda, na qual aparece como sócio-administrador. Em evento dos Correios em São Paulo, o Correios Tech Day, em junho de 2023, se apresentou como representante da Onlog.

Ainda em dezembro de 2023, como sócios  formais da Onlog apareciam apenas Renato Galindo Jardim da Silva, ex-proprietário de uma agência franqueada dos Correios, e Sérgio Eduardo Júnior, empresário do ramo de logística. Os  filhos de Rocha Lima, Patrick Rocha Lima e Bernard Rocha Lima, são citados como sócios da empresa, mas apenas em um anúncio da própria Onlog.

Renato Silva Jardim, que é o CEO da Onlog, atribuiu as críticas a sindicalistas ligados aos Correios. “Os integradores estão trazendo volume e carga para uma empresa que está ociosa, com tamanha estrutura. Eles (os sindicalistas) vão acabar destruindo a empresa em que trabalham. Quando esse colaborador diz que a política de preço tira o emprego dele, é exatamente o contrário o que ocorre. Fica um monte de gente jogando contra si própria”, afirmou à época.

Pedro de Almeida Feijó, ex-superintendente-executivo da diretoria-comercial dos Correios na gestão de Dilma Rousseff, também é apontado pela reportagem como representante de duas empresas intermediadoras de fretes, a Syrna Serviços de Consultoria e Assessoria e Logística, como administrador, e a Mandou Bem Log, como sócio-administrador. Ele também tem participação em mais duas empresas, a Domov Participações e Cortat Feijó Consultoria e Assessoria. À época, o Intercept enviou perguntas a Feijó, nos endereços citados em cadastros das empresas, mas não obteve resposta.

O portal Mais Brasília (MB) está veiculando uma série de reportagens sobre denúncias de trabalhadores dos Correios e reiteradamente demandou a assessoria de comunicação da empresa. Porém, os Correios limitaram-se a responder, em nota, por meio da assessoria, que a “empresa não irá se manifestar”. O Mais Brasília está a disposição da assessoria de comunicação e/ou da diretoria da estatal para quaisquer esclarecimentos dos fatos. Acerca das integradoras, o MB questionou a assessoria de imprensa dos Correios mês passado, e não obteve respostas.

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