Museu mineiro palco do ‘Holocausto Brasileiro’ faz 25 anos

Local em Barbacena faz percurso histórico do tratamento psiquiátrico no estado

Máquinas de eletrochoque, equipamentos utilizados na lobotomia, algemas, grades, livros que registram corpos vendidos e até mesmo o crânio de um antigo paciente. O espaço, que já foi o maior hospício do país, hoje abriga um museu em Minas Gerais que guarda histórias do local do chamado “Holocausto Brasileiro”.
Inaugurado em agosto de 1996 e localizado na cidade de Barbacena, a cerca de 170 km de Belo Horizonte, o Museu da Loucura apresenta um resgate histórico da assistência psiquiátrica no estado e ajuda a contar a história do antigo Hospital Colônia de Barbacena.

O prédio antigo, parte das instalações originais do antigo hospital, hoje chamado de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, guarda uma história de sofrimento e desumanização que marcou a psiquiatria brasileira por décadas.

“O espaço busca fazer uma abordagem contextualizada das políticas públicas, das questões culturais e ideológicas que ditaram o modelo de tratamento ao longo dos anos e com isso abrir espaço para reflexões e discussões”, afirma Lucimar Pereira, coordenadora do museu.

A história dos pacientes do Colônia ficou mais conhecida em todo o Brasil através do livro “Holocausto Brasileiro”, publicado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex. Em 2016, a história foi contada também no documentário de mesmo nome. Em 2021, inspirou a série de ficção “Colônia”, do cineasta André Ristum.

Ao longo de seus 25 anos, o espaço já recebeu pouco mais de 204 mil visitantes, entre eles o paulistano Vanderlei Ribas, 47. “Eu já conhecia a história através do livro da Daniela Arbex e tinha muita vontade de conhecer o museu. O que chama atenção é a capacidade do ser humano de tratar os seus pares como loucos e colocá-los num depósito de gente, em um tratamento totalmente desumanizado.”

Estima-se que cerca de 60 mil pessoas morreram na instituição –a maioria dos pacientes enviados para lá não possuía nenhum diagnóstico de transtorno mental. Eram gays, mulheres que perderam a virgindade antes do casamento, mendigos, epiléticos, presos políticos e muitos outros rejeitados pela sociedade.

Ao entrar no museu o visitante é apresentado a um breve histórico da psiquiatria brasileira e aos primórdios do hospício, ali instalado em 1903. Em outra sala, é possível ver anotações da venda de cadáveres de pacientes para faculdades de medicina. Há registros de que 1.853 corpos foram vendidos.

O museu também apresenta equipamentos originais, utilizados em tratamentos como o eletrochoque, que apesar de ter sido criado com um propósito terapêutico, muitas vezes era utilizado como meio de punição e tortura.

Outro sala mostra o espaço destinado às maneiras como os pacientes eram contidos no hospital. A última cela retirada do hospital, apenas em 1990, está exposta sob a foto de uma antiga paciente. Também são relatados o uso de algemas, cordas e camisas de força para conter os internos.

“Tudo era programado para dar um aspecto de prisão, então a gente viu ali os vidros com grades dentro, lá em cima as próprias grades, as algemas, essas formas de contenção, para mim foi o mais assustador e aterrorizante”, diz a estudante de medicina Amanda Canuto, 19, após visitar o museu.

As representações e denúncias do Hospital Colônia na mídia também ganham destaque. Estão ali textos da série de reportagens “Nos porões da loucura” publicada em 1979 no jornal Estado de Minas, por Hiram Firmino e o documentário “Em nome da razão”, do cineasta Helvécio Ratton, também de 1979.

Os áudios de pacientes gravados por Ratton ambientam uma parte da exposição, na qual os visitantes podem ter um contato mais próximo com as vivências dos internos. “Foi muito marcante escutar o que aquelas pessoas falavam, os apelos que elas faziam, como era a realidade delas”, diz a estudante Samara de Menezes, 20.

Também há referências às fotos feitas pelo fotógrafo Luiz Alfredo no Colônia para a revista O Cruzeiro em 1961. Foram essas fotografias que inspiraram a jornalista Daniela Arbex a se aprofundar nas histórias dos pacientes do antigo hospital.

“Eu fiquei muito impactada quando eu vi essas fotos, porque eu realmente não enxerguei nelas um hospital. Eu procurei um hospital, mas eu vi naquelas imagens um campo de concentração. A primeira coisa que eu quis fazer a partir do momento que eu vi aquelas fotos era procurar os sobreviventes”, conta Arbex.

A visita ao museu é encerrada com a sinalização das mudanças promovidas nas últimas décadas, a partir da luta antimanicomial e da reforma psiquiátrica iniciada na década de 1980. Ali estão exibidos trabalhos artesanais feitos por pacientes e um histórico das atuais abordagens psiquiátricas no hospital e na cidade de Barbacena.

“Vale muito a pena visitar o museu para se familiarizar com o que aconteceu com essas pessoas. É importante a gente entender, de fato, a nossa história e evitar que algo semelhante aconteça novamente, porque não é um passado tão remoto”, diz a estudante Amanda Canuto.

Por Isac Godinho

 

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