MPF coloca presidência dos Correios na mira da PF em inquérito sobre agências piratas e rombo financeiro
O indiciamento veio após denúncias ao MPF formalizadas pelo SINTECT-RJ
O Ministério Público Federal (MPF) indiciou, nessa última quinta-feira (28), a presidência e membros da alta cúpula dos Correios ao inquérito já aberto pela Polícia Federal (PF) para investigar as ‘agências piratas’ dentro da estatal. A informação foi confirmada ao Mais Brasília pelo Sindicato dos Trabalhadores da Empresa Brasileira de Correios, Telégrafos e Similares do Rio de Janeiro (Sintect-RJ).
O indiciamento veio após denúncias ao MPF formalizadas pelo sindicato. O inquérito das ‘agências piratas’, porém, já estava aberto há meses na PF, no Distrito Federal (DF). Segundo fonte do MB da área financeira, o rombo financeiro da estatal, neste primeiro semestre de 2024, aproxima-se de 1.5 bilhão.
Nesta quinta (28), o procurador da República, George Neves Lodder, indiciou a atual gestão, juntando as denúncias ao inquérito, por entender que “os fatos narrados já são objetos da investigação de inquérito de nº 1019603-22.2024.4.01.3400”.
“Trata-se de notícia-crime constante do Ofício n. 102/2023/DELECOR/DRPJ/SR/PF/DF, no qual são descritas supostas irregularidades da empresa ONLOG, que oferece serviços de entregas e outras utilidades postais, utilizando indevidamente símbolos da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, de forma que, em tese, as unidades da ONLOG estariam atuando como se fossem “franquias” dos Correios, uma vez que, até mesmo, se utilizariam de logotipos da citada empresa, o que pode caracterizar eventual burla ao procedimento licitatório cabível, condutas que, supostamente, podem estar ocorrendo em razão de vantagens indevidas oferecidas/recebidas por empresários a funcionários da Empresa Pública.”, explicou o procurador.
A procuradoria solicita à PF que investigue o prejuízo descrito no balanço financeiro do primeiro trimestre e colocado em sigilo pela estatal.
Segundo o sindicato, “a aceitação da denúncia pelo MPF e sua inclusão no inquérito policial reforçam a necessidade de uma investigação detalhada para garantir uma gestão eficiente e transparente dos Correios.”
A Onlog citada acima na fala do procurador é uma empresa atravessadora e/ou intermediadora, apelidada, como outras, de ‘agências piratas’, e que tem entre seus prestadores de serviços e consultores dois ex-dirigentes dos Correios: José Carlos Rocha Lima, presidente da estatal entre 1990 e 1993, e José Furian Filho, diretor regional da estatal em São Paulo, entre 2008 a 2010, e diretor-comercial em Brasília e vice-presidente de Negócios, Logística e Negócios Públicos, de 2011 a 2019. Em maio deste ano, o Mais Brasília denunciou o fato. (Veja reportagem aqui).
Rocha Lima é um dos que foi chamado a depor na CPI dos Correios, em 2005, em 2005, segundo publicizado pela mídia à época, por suspeita de receber R$ 50 mil de uma empresa que teria feito acordo para vencer uma licitação da estatal.
Essas atravessadoras realizam os mesmo serviços dos Correios, mas oferecem um preço bem abaixo da tabela da estatal. Exemplificando: o valor de uma entrega pelo Sedex pelos Correios sai em torno de R$ 30. Porém, fazendo-se a mesma entrega por meio de uma atravessadora, uma ‘pirata’, o valor cai para R$ 18.
O negócio é lucrativo porque as empresas intermediadoras têm uma tabela especial de preços para postagens, por força de contrato, já que operam com grandes volumes – casos das operadoras de e-commerce, por exemplo.
Quando o cliente traz um volume maior de encomendas, conforme as regras do mercado, os Correios utilizam tabela com tarifas escalonadas, cujos valores vão decaindo. Os intermediadores vendem e repassam essas tarifas menores para representantes de pequenos negócios e empreendedores, que utilizam a rede de serviços com menor custo. Os intermediadores, então, ficam com um percentual do preço das postagens.
Atualmente, existem mais de mil lojas dessas empresas ‘piratas’, fato que, segundo a fonte ouvida pelo Mais Brasília, aumentou consideravelmente em 2023.
Em dezembro de 2023, o site Intercept Brasil denunciou o esquema das ‘agências piratas’.
Ao Intercept, à época, Rocha Lima negou ter sido investigado.
“Eu nem era dos Correios naquele momento, já havia saído. Fui lá para falar sobre a Varilog. Como poderia ter sido favorecido nos Correios? Os jornais dizem o que querem”, contestou.
Para o ex-presidente dos Correios, a atividade dos integradores de cargas “é legal” e tem de ser incentivada.
“As críticas não procedem porquanto são os Correios, com muita propriedade, e de forma inteligente, o maior estimulador de tal prática. E precisa continuar sendo estimulada pelos Correios, como forma de minimizar a crescente perda de receitas para a concorrência de transporte de cargas em geral”.
Após deixar a estatal, Rocha Lima trabalhou para as empresas Vaspex, antiga transportadora de frete aéreo ligada à Vasp, entre 1996 e 2000, e VarigLog, ligada à Varig, entre 2003 e 2003. Furian Filho figurava, em 2023, como consultor da Onlog, por meio da empresa F&F Consultoria Estratégica Ltda, na qual aparece como sócio-administrador. Em evento dos Correios em São Paulo, o Correios Tech Day, em junho de 2023, se apresentou como representante da Onlog.
Ainda em dezembro de 2023, conforme mostra o Intercept, como sócios formais da Onlog apareciam apenas Renato Galindo Jardim da Silva, ex-proprietário de uma agência franqueada dos Correios, e Sérgio Eduardo Júnior, empresário do ramo de logística. Os filhos de Rocha Lima, Patrick Rocha Lima e Bernard Rocha Lima, são citados como sócios da empresa, mas apenas em um anúncio da própria Onlog.
Renato Silva Jardim, que é o CEO da Onlog, atribuiu as críticas a sindicalistas ligados aos Correios. “Os integradores estão trazendo volume e carga para uma empresa que está ociosa, com tamanha estrutura. Eles (os sindicalistas) vão acabar destruindo a empresa em que trabalham. Quando esse colaborador diz que a política de preço tira o emprego dele, é exatamente o contrário o que ocorre. Fica um monte de gente jogando contra si própria”, afirmou ao Intercept, à época.
Pedro de Almeida Feijó, ex-superintendente-executivo da diretoria-comercial dos Correios na gestão de Dilma Rousseff, também é apontado pela reportagem como representante de duas empresas intermediadoras de fretes, a Syrna Serviços de Consultoria e Assessoria e Logística, como administrador, e a Mandou Bem Log, como sócio-administrador. Ele também tem participação em mais duas empresas, a Domov Participações e Cortat Feijó Consultoria e Assessoria. O Intercept enviou perguntas a Feijó, nos endereços citados em cadastros das empresas, mas não obteve resposta.
Procurado à época, ao Intercept, o presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, defendeu os integradores e concentradores de cargas – empresas que oferecem os preços menores de fretes –, mas admitiu problemas.
“Os integradores de cargas são clientes que postam conosco, têm uma estrutura e precisam dos Correios. Eles criam um volume de carga e postam nos Correios com uma tabela de desconto, diferenciada, pelo volume de postagem. Isso é normal que exista”, disse Santos.
O portal Mais Brasília está veiculando uma série de reportagens sobre denúncias de trabalhadores dos Correios e reiteradamente demandou a assessoria de comunicação da empresa. Porém, os Correios limitaram-se a responder, em nota, por meio da assessoria, que a “empresa não irá se manifestar”. O Mais Brasília está a disposição da assessoria de comunicação e/ou da diretoria da estatal para quaisquer esclarecimentos dos fatos.