Mesmo com seca, Capitólio atrai turistas em busca de água – Mais Brasília
FolhaPress

Mesmo com seca, Capitólio atrai turistas em busca de água

Seca na represa não afeta passeios de barco na cidade, que tem hotéis e restaurantes lotados aos fins de semana

Foto: Divulgação

Mais de cem lanchas dividiam espaço nas proximidades da ponte do rio Turvo, em Capitólio (MG), à espera dos turistas no último sábado (2/10. Nem parecia que a represa de Furnas, que banha a cidade, estava abaixo do nível considerado ideal.

Com apenas 13,7% de seu volume útil, conforme medição feita na terça-feira (4/10) pelo ONS (Operador Nacional do Sistema), Furnas vive uma severa crise hídrica. Em setembro, ela atingiu nível semelhante ao registrado em 2001, ano em que o país enfrentou racionamento de energia elétrica.

Embora haja locais secos, como em áreas do bairro de luxo Escarpas do Lago, Capitólio é uma das cidades menos prejudicadas com a escassez de água entre as 34 banhadas pelo lago da represa.

Isso ocorre porque ela fica mais próxima da barragem de Furnas –entre São José da Barra e São João Batista do Glória. Na região, há partes em que a profundidade do reservatório chega a ser de 70 metros, segundo prefeituras e a associação dos municípios.

Assim, enquanto em cidades mais distantes da barragem, como Alfenas e Areado, o lago secou e deu lugar a pasto para vacas, em Capitólio milhares de turistas circulam todas as semanas. Por não enfrentar o problema da falta de água com a mesma gravidade, a cidade se tornou a mais turística do lago nos últimos anos.

“Quando muitos ouvem que ‘Furnas está seca’, acabam pensando que Capitólio também está, mas não. A represa está chegando num nível muito baixo, mas vamos continuar tendo passeios”, disse Lucas Arantes Barros, secretário municipal do Desenvolvimento Econômico Sustentável (pasta que engloba turismo, meio ambiente e agricultura).

Hotéis lotados, bares, pizzarias e restaurantes cheios e turistas ávidos por passeios de lancha e em cachoeiras compõem o cenário rotineiro da pequena cidade mineira de 8.700 habitantes, mas que chega a receber 30 mil visitantes por dia em finais de semana.

A água em Furnas atualmente está em 753,88 metros acima do nível do mar –o mínimo para operação da barragem é de 750 metros. O patamar atual representa 8,12 metros abaixo do mínimo desejado pelas cidades para manter as atividades turísticas e econômicas sem prejuízos.

O fato de ser uma opção de turismo a céu aberto, com risco menor de transmissão do coronavírus, portanto, também tem ajudado a manter os níveis de ocupação altos. Tanto que a cidade, na contramão da tendência da pandemia, registra uma série de inaugurações de restaurantes desde o ano passado e, hoje em dia, tem mais estabelecimentos do tipo do que antes da Covid-19.

Só na região do Turvo, cada uma das 110 lanchas que a Folha contou no local transporta ao menos 12 turistas e faz três viagens diárias. O visitante paga em média R$ 100 para conhecer, em três horas, o vale dos Tucanos, a Cascatinha, a lagoa Azul, o bar flutuante que existe no reservatório e os cânions.

Embora o lago de Furnas tenha mais de cem quilômetros de extensão, é em Capitólio que ocorre uma cena curiosa, conta a guia de turismo Emily Vilela.
“Os barcos precisam fazer rodízio para não lotar os lugares visitados. Há congestionamento.”

Os cânions estão entre os pontos mais disputados. No entorno dessas formações naturais, a diversão nas lanchas se sustenta no tripé música em alto volume, isopor cheio de bebida alcoólica e selfies, dezenas de selfies. Para chamar ainda mais atenção, algumas embarcações têm buzinas de caminhão instaladas.

“Não falta água em lugares como aqui e na praia. Por mais baixo que [o nível] esteja, ainda há muita água. Como é mais perto e mais barato que a praia, venho sempre para cá”, disse o consultor Samuel Souto, de Belo Horizonte.

A maioria dos turistas que visitam Capitólio é da capital paulista, de cidades do interior de São Paulo e da capital mineira, segundo as agências de turismo locais.

“Depois de tanto tempo em casa [por causa da pandemia], precisamos de ar livre, sair. E vir para cá era uma opção não tão cara e aparentemente mais segura”, afirmou a comerciante Maria Amélia Bortolo, dona de uma loja de roupas em Campinas (73 km de SP), após fazer uma selfie no chamado mirante Desconhecido. O local é um dos de onde é possível observar a movimentação de lanchas nos cânions.

Coletes salva-vidas até existem nos barcos, mas é raro ver alguém usando, inclusive crianças –em 2019, cinco pessoas da mesma família morreram afogadas no lago.

Já as máscaras, recomendadas contra o coronavírus, também ficam de lado. Praticamente só são usadas por agentes de turismo e funcionários dos estabelecimentos.

Apesar de o lago seguir chamativo para os turistas, atrações como cachoeiras já não são como antes. Algumas quedas d’água secaram nos últimos tempos, o que prejudica os roteiros oferecidos por operadoras.

A situação acende um alerta, uma vez que o setor de serviços, alavancado pelo turismo, é responsável por aproximadamente 70% da economia local. Isso significa que, sem Furnas, em um cenário em que houvesse menos água, a situação econômica da cidade (e de toda a região) poderia ficar muito difícil.

Porém, para o secretário-executivo da Alago (associação dos municípios) e vice-presidente do comitê da bacia hidrográfica de Furnas, Fausto Costa, o lago em Capitólio ainda apresenta outras riquezas, como as rochas –que também são um atrativo para os visitantes da região.

“Para o turismo, Capitólio não tem problema algum. Nela, o lago cheio é lindo, vazio é maravilhoso. Mas as outras cidades sofrem muito”, disse.

Enquanto Capitólio vê o turismo deslanchar, em outros locais, como Alfenas, Carmo do Rio Claro, Formiga e Areado, o lago recuou até oito quilômetros, o que deixou píeres de hotéis sem utilidade e prejudicou atividades como a piscicultura. Essas cidades ficam em áreas mais planas, onde o lago, quando cheio, é mais raso.

Para associações ligadas ao turismo e ao comércio, o total de empresas atingidas com a seca de Furnas chega a 5.000, com 20 mil empregos a menos no setor.

Por Marcelo Toledo