Medidas contra crise energética já custam R$ 140 bilhões, diz instituto
Cálculo questiona ainda os impactos ambientais da estratégia adotada pelo governo
A série de medidas tomadas pelo governo para enfrentar a crise hídrica que derrubou os níveis dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras vai custar ao consumidor ao menos R$ 140 bilhões, que serão pagos na conta de luz nos próximos anos.
O cálculo é o ICS (Instituto Clima e Sociedade), que questiona ainda os impactos ambientais da estratégia adotada pelo governo, de privilegiar o aumento da oferta de energia em vez de incentivar economia e investimentos em eficiência energética.
A conta do custo para o consumidor considera a elevada geração de térmicas para suprir o mercado em 2020 e a decisão por contratar usinas mais caras para os próximos anos, tanto em leilão emergencial promovido pelo governo quanto pela inclusão de jabutis na lei de privatização da Eletrobras.
“Embora o risco de apagão tenha arrefecido este ano, a gente segue com custo para o consumidor bastante alto, com tendência de aumentos para a frente”, disse a coordenadora do ICS Amanda Ohara, em evento virtual nesta segunda-feira (22).
Os R$ 140 bilhões incluem R$ 11,8 bilhões e encargos para custear as térmicas que já estão gerando, R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões do novo empréstimo em negociação pelo governo também para bancar térmicas, R$ 39 bilhões de novas térmicas e R$ 78,3 bilhões referentes aos jabutis da lei da Eletrobras.
Esse último valor foi estimado pela Fiesp (Federação das Indústrias de São Paulo), segundo o ICS, como necessário para pagar os benefícios dados pela lei aos segmentos de gás natural e de energias renováveis.
“[O impacto na conta de luz] não é acumulado em um ano, mas é um valor significativo, considerando que faturamento do setor foi de 162 bilhões em 2019”, comparou Ohara, defendendo que programas de eficiência energética poderiam ter impacto na solução da crise com custos menores.
Para tentar evitar reajuste de 21% nas contas de luz em 2022, quando Jair Bolsonaro estará em plena campanha pela reeleição, o governo tenta acelerar a privatização da Eletrobras, que prevê aporte de recursos em encargos cobrados nas tarifas, e agilizar o empréstimo para bancar as térmicas.
O grupo ministerial de resposta à crise chegou a lançar dois programas de redução de consumo, um para indústrias e outro para consumidores de pequeno porte, mas ainda não há informações sobre a efetividade nem sobre os custos que tiveram.
O primeiro foi descontinuado em novembro pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), sob o argumento de que as chuvas eliminaram o risco de problemas nos horários de maior consumo. O segundo ainda está vigente, mas dados sobre o consumo indicam baixa adesão.
O coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), Clauber Leite, diz que o custo da crise energética é uma “herança maldita” da falta de planejamento do governo.
“Já estamos vivendo um racionamento via tarifa e a escolha foi não ter programa de redução de consumo”, afirmou, criticando ainda as distorções do modelo de precificação da energia no país, que vem prejudicando os consumidores ligados a distribuidoras.
A queixa, nesse caso, é que os preços de negociação da energia despencaram nas últimas semanas, puxados pelo aumento da previsão de chuvas, mesmo que a geração térmica ainda esteja a plena capacidade.
Com energia sobrando após o início da pandemia, as distribuidoras de eletricidade poderiam estar lucrando com a venda do excedente, o que seria revertido em descontos para o consumidor. “É um modelo insustentável”, afirma.
O coordenador de projetos do Iema (Instituto Energia e Meio Ambiente), Ricardo Baitello, calculou que a contratação de térmicas previstas na lei de privatização da Eletrobras representa emissões de 17,5 a 20 milhões de toneladas de CO² equivalente por ano.
Durante a duração dos contratos de 15 anos, diz, serão entre 260 e 300 milhões de toneladas, o equivalente a todas as emissões do setor de transportes brasileiro em um ano. “Estamos deixando de aproveitar energia mais barata e menos poluente para colocar energia mais poluente e cara”, disse.
Para o ex-diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Luiz Eduardo Barata, a eficiência energética é a única maneira de garantir a travessia da crise sem pressionar os custos da energia. Ele questionou a suspensão do programa de economia pelas indústrias.
“Não adianta privilegiarmos o abastecimento a qualquer preço, porque depois chega num preço que não conseguimos pagar”, afirmou. “Não adianta ficar insistindo no erro.”
Por Nicola Pamplona