Líder comunitária salva gêmeos soterrados após deslizamento em Petrópolis
Sereia diz que não ouviu as sirenes de alerta contra chuvas soarem na comunidade, que fica encravada em morro
“Foi um desastre total. Era muito grito de pedido de socorro em todos os lugares. Me marcou muito ouvir esses pedidos e não poder fazer nada. Como [ajudar] se você não tem nem como se ajudar?”, questiona Sereia, líder comunitária de Servidão Mario Barbatti, uma das localidades de Petrópolis devastadas pelas chuvas que já mataram ao menos 104 pessoas e deixaram mais de 400 desabrigados.
Apesar das dificuldades impostas pela tragédia, Sereia conseguiu salvar duas crianças que estavam soterradas na comunidade e abrigar em sua casa pessoas que perderam imóveis.
“Tirei dois meninos gêmeos que estavam soterrados. Pedi a um tenente do bombeiro para poder me ajudar e levamos eles para um pronto-socorro”, conta ela.
“A gente só escutava estalo e gritos de socorro e de ajuda. Eu fiquei sozinha para ajudar, porque não tinha ninguém para auxiliar. Graças a Deus, os bombeiros estão lá em cima agora.”
A líder comunitária diz ainda que não ouviu as sirenes de alerta contra chuvas soarem na comunidade, que fica encravada em um morro, na região de Alto da Serra.
“Não deu tempo de alarme nenhum tocar. Quando a gente viu, a chuva já estava aqui e as casas estavam caindo”, diz ela, acrescentando que as autoridades também não evacuaram as pessoas antes de o temporal começar.
“A única pessoa que faz isso aqui sou eu. Quando dá tempo, eu alerto às pessoas, mas não deu tempo. Era muita água, com barro e pedaço de pedra.”
Para Paulo Artaxo, professor titular do Instituto de Física da USP, as áreas de risco de Petrópolis deveriam ter sido evacuadas após alerta na segunda-feira (14/2).
Naquele dia, o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) avisou à Defesa Civil do Rio sobre a possibilidade de “chuvas isoladas ao longo do dia, podendo deflagrar deslizamentos pontuais, especialmente nas regiões de serra e/ou densamente urbanizadas” na região Serrana do Rio, onde fica a cidade.
De acordo com Artaxo, o alerta deveria ter servido para as autoridades retirarem moradores de suas casas. “O governo do Rio de Janeiro deveria ter evacuado Petrópolis quando recebeu o alerta de risco de desastre. Isso é óbvio”, afirmou ele à reportagem.
Em meio à tragédia, moradores de Petrópolis se uniram para ajudar quem perdeu o que tinha. Ao ver a dimensão dos estragos, a professora Gabriela Leite decidiu ir para uma igreja batista localizada em Alto da Serra e ajudar os desabrigados.
“Na terça, eu me assustei ouvindo o grito das pessoas, com pedido de socorro, com gente dizendo que tinha corpo enterrado”, lembra ela.
“Um rapaz que chegou aqui [na igreja] disse que viu corpos boiando. Ao lado dele, tentava salvar as crianças que estavam boiando. É um contraste muito grande ver o Alto da Serra que a gente conhecia antes e ver como está agora. É desolador.”
Além de oferecer comida e roupas, a igreja serve como um espaço de triagem. Depois que se reestabelecem, os desabrigados são encaminhados a um abrigo disponibilizado pela Prefeitura. “As pessoas chegavam aqui devastadas. Então, a gente tem esse trabalho moral e essencial de conseguir resgatar um pouco a esperança delas.”
Por Matheus Rocha