Justiça do Trabalho reconhece morte por Covid-19 como acidente de trabalho
Indenização será de R$ 200 mil. Para o juiz, houve responsabilidade objetiva do empregador, que assumiu o risco de o motorista trabalhar durante a pandemia
A Justiça do Trabalho mineira reconheceu como acidente de trabalho a morte por Covid-19 do motorista de uma transportadora. A empregadora foi condenada a pagar indenização por danos morais, no valor total de R$ 200 mil, que será dividido igualmente entre a filha e a viúva, e, ainda, indenização por danos materiais em forma de pensão. A decisão é do juiz Luciano José de Oliveira, que analisou o caso na Vara do Trabalho de Três Corações.
A família, que requereu judicialmente a reparação compensatória, alegou que o trabalhador foi contaminado pelo coronavírus no exercício de suas funções, foi internado e morreu após complicações da doença. O motorista começou a sentir os primeiros sintomas em 15 de maio de 2020, após realizar uma viagem de 10 dias da cidade de Extrema (MG) para Maceió (AL) e, na sequência, para Recife (PE).
Em sua defesa, a empresa alegou que o caso não se enquadra na espécie de acidente de trabalho. Informou que sempre cumpriu as normas atinentes à segurança de seus trabalhadores, após a declaração da situação de pandemia. Disse ainda que sempre forneceu os EPIs necessários, orientando os empregados quanto aos riscos de contaminação e às medidas profiláticas que deveriam ser adotadas.
Mas, ao avaliar o caso, o juiz deu razão à família do motorista. Na sentença, o magistrado chamou a atenção para recente decisão do STF, pela qual o plenário referendou medida cautelar que suspendeu a eficácia de artigo que dizia que os “casos de contaminação pelo coronavírus não seriam considerados ocupacionais”. Exceto no caso de “comprovação do nexo causal”, circunstância que permite o entendimento de que é impossível ao trabalhador e, portanto, inexigível a prova do nexo causal entre a contaminação e o trabalho.
Segundo o magistrado, a adoção da teoria da responsabilização objetiva, no caso, é inteiramente pertinente, pois advém do dever de assumir o risco por eventuais infortúnios sofridos pelo empregado ao submetê-lo ao trabalho durante a pandemia do coronavírus. Na visão do juiz, o motorista ficou suscetível à contaminação nas instalações sanitárias, muitas vezes precárias, existentes nos pontos de parada, nos pátios de carregamento dos colaboradores e clientes e, ainda, na sede ou filiais da empresa.
Prova testemunhal revelou, ainda, que o caminhão poderia ser conduzido por terceiros, que assumiam, como manobristas, a direção nos pátios de carga e descarga. Situação que, segundo o juiz, aumenta o grau de exposição, sobretudo porque não consta nos autos demonstração de que as medidas profiláticas e de sanitização da cabine eram levadas a efeito todas as vezes que a alternância acontecia.
Além disso, o magistrado reforçou que não foi apontada a quantidade fornecida do álcool em gel e de máscara, “não sendo possível confirmar se era suficiente para uso diário e regular durante os trajetos percorridos”, frisou o julgador. Ele lembrou, ainda, que não foram apresentados também comprovantes de participação da vítima e seus colegas em cursos lecionados periodicamente sobre as medidas de prevenção.
Para o juiz, é irrefutável que o motorista falecido, em razão da função e da época em que desenvolveu as atividades, estava exposto a perigo maior do que aquele comum aos demais empregados, “não sendo proporcional, nesta mesma medida, promover tratamento igual ao que conferido a estes quando da imputação da responsabilidade civil”.
Na visão do juiz, não se nega que a culpa exclusiva da vítima seria fator de causa excludente do nexo de causalidade. “Entretanto, no caso examinado, não há elementos que possam incutir na conclusão de que ela teria se verificado da maneira alegada pela empresa, por inobservância contundente de regras e orientações sanitárias, valendo registrar que o ônus na comprovação competia à reclamada e deste encargo não se desvencilhou”, frisou.