Juiz determina que USP conceda matrícula a aluno que não foi considerado pardo
A universidade tem 72 horas para cumprir a decisão liminar (temporária) e pode recorrer
O juiz Randolfo Ferraz de Campos, da 14ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, determinou que a USP deve garantir a matrícula do jovem que perdeu a vaga na Faculdade de Direito por não ter sido considerado pardo. O caso foi revelado pela Folha de S.Paulo.
A universidade tem 72 horas para cumprir a decisão liminar (temporária) e pode recorrer. Procurada pela reportagem, a universidade não se manifestou sobre a decisão.
Glauco Dalalio do Livramento, 17, foi aprovado em primeira chamada pelo Provão Paulista, vestibular exclusivo para alunos da rede pública e que em sua primeira edição distribuiu 1.500 vagas da USP. O jovem concorreu pela reserva de vagas para candidatos egressos da rede pública e autodeclarados PPIs (pretos, pardos e indígenas).
O adolescente se identificou como pardo, mas a comissão de heteroidentificação da USP discordou da autodeclaração. Depois de avaliar uma fotografia e fazer um encontro virtual de cerca de um minuto com o candidato, a banca decidiu que ele não pode ser considerado pardo.
Com a negativa da USP, o jovem perdeu a vaga na Faculdade de Direito, uma das mais tradicionais e concorridas do país.
A defesa do jovem questionou a constitucionalidade e legalidade do processo de avaliação da comissão, já que não foi garantido a Glauco o direito de ser analisado presencialmente -como acontece com os candidatos aprovados pela Fuvest, vestibular próprio da USP.
Para o juiz, a diferença nos procedimentos de avaliação da comissão “ofende a isonomia”.
“Essa distinção pode mesmo ter prejudicado o autor. Primeiro, porque imagens geradas por equipamentos eletrônicos não são necessariamente fiéis à realidade. E segundo, porque cabe considerar que a decisão do Conselho de Inclusão e Pertencimento (CoIP), em sua 15ª sessão extraordinária, de 23 de fevereiro de 2024, foi tomada por maioria de votos dos presentes. Restaria, então, saber se, fosse a sessão presencial, haveria de se produzir o mesmo resultado”, diz a decisão de Campos, proferida na tarde desta segunda-feira (4).
O magistrado ainda anexou na decisão duas fotos do estudante. Para ele, há dificuldade em avaliar o pertencimento racial a distância, já que cada uma das fotografias traz o jovem de maneiras diferentes.
“Ao que parece, não se querendo aqui pura e singelamente substituir as bancas julgadoras administrativas, não se pode mesmo olvidar que o autor é simplesmente filho de pessoa de raça negra, e eventualmente imagens que ora o favoreçam, ora não, na conclusão de pertencimento à raça negra, seja preta ou parda, não parece aqui ser um critério razoável em contexto como este, quanto menos para aferição à distância”, argumenta.
O juiz também entendeu que o “perigo da demora” é inerente à exclusão do estudante ao curso no qual já tinha se pré-matriculado e avalia que pode haver “prejuízo irreversível”. Por isso, determinou que a USP deve reestabelecer a matrícula de Glauco em um prazo de 72 horas.
Glauco não foi o único candidato a ter autodeclaração rejeitada pela universidade neste ano. Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, só entre os aprovados em primeira chamada, 204 recorreram após ter sua a autodeclaração negada.
O estudante Alison dos Santos Rodrigues, 18, também perdeu a vaga em medicina depois de a comissão avaliar que ele não é pardo. O jovem também recorreu à Justiça.
Nesta segunda-feira (4), o juiz Danilo Martini de Moraes, da 2ª Vara do Foro de Cerqueira Cesar, determinou que a universidade deve explicar em cinco dias o motivo pelo qual a comissão decidiu negar a autodeclaração de Alison.
O QUE DIZ A USP
Questionada na semana passada sobre o motivo de não garantir a avaliação presencial para todos os candidatos, a USP disse que “isso demandaria um calendário de bancas de heteroidentificação incompatível com o calendário dos vestibulares do Enem, das universidades paulistas e do Provão Paulista.”
Também argumentou que a averiguação online ocorre para evitar prejuízos a candidatos de fora de São Paulo. “Teríamos muitos candidatos viajando para São Paulo sem matrícula efetivada e sem uma resposta definitiva das bancas de heteroidentificação, o que acarretaria prejuízo para os candidatos”, disse em nota.
Também defendeu que o formato diferente utilizado para averiguar a autodeclaração dos candidatos não fere a isonomia do processo. “Nas versões virtuais, a banca de heteroidentificação toma todo o cuidado para que a visualização das características fenotípicas seja feita de maneira adequada, pedindo, por exemplo, para que os candidatos mudem a posição do corpo e procurem lugares com melhor iluminação. Tudo para garantir a isonomia da oitiva”, disse em nota.
Por Isabela Palhares