Internações de crianças pequenas por Covid são quase o dobro das de idosos
Neste ano, até 10 de setembro, foram 12,1 mil internações e 439 mortes de crianças abaixo de cinco anos
Duas a cada cinco pessoas hospitalizadas por Covid-19 são crianças abaixo de cinco anos, faixa etária que representa atualmente 44% das internações pela doença e que continua sem acesso à vacina. Até junho, essa proporção não chegava a 8%.
A partir de julho até o último dia 10 de setembro, o total de internações por Covid entre as crianças com menos de cinco anos passou a ser quase o dobro do de pessoas acima de 60 anos (2.205 contra 1.175), segundo análise inédita do Observa Infância, projeto da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) que monitora indicadores infantis a partir de dados do Ministério da Saúde.
Embora haja redução significativa de internações e mortes por Covid em todas as faixas etárias nos últimos meses, a velocidade dessa queda segue em ritmo mais lento entre as crianças pequenas.
Neste ano, até 10 de setembro, foram 12,1 mil internações e 439 mortes de crianças abaixo de cinco anos por Covid. Até o momento, apenas 2,5% do público entre 3 a 5 anos tomaram as duas doses da vacina Coronavac (Butantan), aprovada em julho pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A imunização vinha ocorrendo apenas em municípios que tinham a vacina em estoque. No último dia 19, o Butantan entregou 1 milhão de novas doses ao Ministério da Saúde, que deverão ser destinadas ao público infantil.
A vacina da Pfizer, indicada para as crianças a partir de seis meses, teve aval da Anvisa neste mês. Procurado, o ministério não disse quando o imunizante estará disponível na rede pública de saúde.
“A cada dia que a gente passa sem vacina nessa faixa etária, a gente está condenando uma criança à morte por Covid, o que hoje já poderia ser evitável”, afirma Cristiano Boccolini, pesquisador em saúde pública da Fiocruz e autor da análise.
O esquema de vacinação para esse público seria discutido em reunião da câmara técnica de assessoramento em imunização da Covid do PNI (Plano Nacional de Imunizações) na sexta (30), mas o assunto foi retirado da pauta porque ainda não há um posicionamento oficial do ministério sobre a quantidade de doses que estará disponível e nem o prazo para isso acontecer.
Segundo o pediatra Renato Kfouri, membro do comitê técnico do PNI e presidente do departamento de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), esse indicativo é necessário para o grupo definir, por exemplo, quais os grupos prioritários para receber a vacina.
“É urgente essa tomada de decisão. A cada mês são mais de mil hospitalizações de crianças abaixo de cinco anos. Já tivemos mais de 12 mil hospitalizações e mais de 400 mortes neste ano. Isso não é residual. É mais do que todas as doenças do calendário infantil, mais do que pneumonia, meningite, hepatite, sarampo, que todas juntas”, diz ele.
No contrato que o ministério tem com a Pfizer, há uma cláusula que permite ajustar qual o tipo de vacina a ser recebida. Estima-se que hoje o país tenha um saldo de cerca de 35 milhões de doses. Mas nem o governo e nem a farmacêutica informam como estão essas negociações.
O Brasil possui cerca de 13 milhões de crianças entre 6 meses e 4 anos e, de acordo com o esquema vacinal previsto para esse público, serão necessárias três doses (um total de 39 milhões de doses).
Porém, como as crianças entre 3 e 5 anos também podem ser vacinadas com a Coronavac, o número de doses necessárias da vacina da Pfizer cairia para 21 milhões, segundo estimativas de técnicos do ministério.
Não é a primeira vez que o governo federal cria entraves e atrasa a vacinação de crianças contra a Covid. Em dezembro de 2021, quando a Anvisa deu sinal verde para o uso da vacina da Pfizer em crianças a partir de cinco anos, Bolsonaro criticou a decisão, e atacou a agência, o que desencadeou uma onda de ameaças a seus técnicos e diretores. À época, o presidente também minimizou o número de mortes infantis pela doença.
Em 2020 e 2021, foram 1.439 óbitos de crianças até cinco anos, sendo que 48% eram de bebês entre 29 dias e um ano incompleto (pós-neonatal), uma média de 1,9 por dia.
O Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), maior instituição pediátrica que atende o SUS no país, registrou no mês passado 50 internações e atendimentos ambulatoriais por Covid-19 de crianças entre 1 mês de vida e 4 anos. Em julho, foram outras 79.
Desde o início do ano até 10 de setembro, foram 940 atendimentos nessa faixa etária, quase metade da soma de todas as faixas etárias (1.890). No total, 21,5% das crianças estavam com a vacinação contra a Covid completa. Entre as suas mães, a cobertura está em 67% e, entre os pais, 63%.
Segundo o pediatra Victor Horácio de Souza Costa Junior, vice-diretor técnico do Pequeno Príncipe, a quantidade de internações infantis por Covid caiu bastante nos últimos meses, e os casos se concentram agora na faixa etária abaixo dos cinco anos ainda não vacinada.
Sintomas respiratórios, como tosse, febre, tosse e chiado no peito, muitas vezes associados à pneumonia, são os mais frequentes. “Em geral, as crianças não têm comorbidades, ficam internadas de cinco a seis dias e todas estão evoluindo bem”, explica o médico.
Costa Júnior diz que entre as crianças menores de um ano, a maioria dos pais relata estar vacinada, mas, ao serem infectados pelo Sars-Cov-2 e apresentarem sintomas leves, acabam transmitindo o vírus aos bebês.
Enquanto não a vacina para os bebês acima de seis meses não chega à rede pública, Costa Júnior orienta que os pais que apresentarem sintomas respiratórios, como coriza e tosse, usem máscaras em casa e intensifiquem a higienização das mãos com o álcool em gel.
“Isso evita a transmissibilidade aos bebês. A gente vê que a situação melhorou bastante, mas a pandemia ainda não acabou.”
Por Cláudia Collucci